Pandemia
A rotina da escola, agora, é em casa
Com encontros presenciais suspensos em colégios públicos estaduais e municipais, alunos tentam se adaptar à falta da sala de aula.
Sem lousa, poeira de giz ou dedo manchado pelo pincel atômico. Nada de recreio, conversa paralela com o coleguinha ou horário da merenda. Com gostinho de férias, mas sem poder brincar na rua ou ir na praça jogar bola. Assim tem sido a rotina de estudantes por todo país. Também aqui no Estado, as instituições privadas ou públicas, estaduais ou municipais, estão com as aulas presenciais suspensas. O decreto de paralisação do governador Eduardo Leite vale até o final de abril.
Como a pandemia do coronavírus ainda não permite prever uma data para retorno das aulas, os colégios têm buscado maneiras de incentivar a continuidade dos estudos à distância e, até, de manter a alimentação de alunos. Isso porque sabe-se que, para muitos estudantes, a merenda servida nos refeitórios é uma das poucas refeições do dia, se não for a única. É neste ponto que o papel do colégio transcende o plano da educação e demonstra seu viés social.
Para o doutor em Educação e professor da universidade Feevale Gabriel Grabowski, sem a merenda da escola, que tem uma proposta nutricional, o aprender também é impactado. O especialista acredita que, quando falta alimento no lar, somado às demais carências, a aprendizagem sofre interferência significativa e exige das crianças um esforço maior para seguir estudando.
– Além das necessidades fundamentais serem atendidas, é necessário nos lares um ambiente adequado e tempo de estudo, orientado, apoiado pelos adultos responsáveis. Porém, essa organização nem sempre é possível, de acordo com a dinâmica familiar e social no entorno do estudante – explica Gabriel.
Leia mais
Voluntários de Sapucaia do Sul fazem pães caseiros para doação
Transmissões ao vivo ajudam religiões de matriz africana a manter cultura ativa
Moradores da periferia ficam ainda mais expostos ao coronavírus
Com esse desafio de manter uma rotina parecida com a de dias normais é que a família de Carla Elaine Felix dos Santos, 37 anos, toca os dias de isolamento social. Moradora de Cachoeirinha, ela tem dois filhos: João, 15 anos, e Ruan, cinco anos. O marido, Rudimar Hunjas, 36 anos, segue trabalhando como entregador. Como tem formação em magistério, é Carla quem prepara as atividades que os filhos fazem em casa. Ela diz que a escola municipal onde os meninos estudam oferece tarefas, mas, como tem formação e conhece os professores, foi orientada a ela mesma dar aulas.
Conforme a prefeitura, as escolas municipais não estão com ensino à distância, apesar de algumas instituições oferecerem, de acordo com a sua realidade, atividades por meio de grupos de WhatsApp com os pais ou sugestões de atividades pelo Facebook. Mas são todas iniciativas com objetivo apenas de aprendizagem, e não de cumprimento de dias letivos.
Atualmente, só João segue com a mãe. O pequeno Ruan foi para o Litoral Norte, onde o pai e os avós de Carla estão isolados.
– Se ele está aqui, fica querendo sair toda hora, ir na casa de parentes. Indo para praia, se acalma um pouco – explica Carla.
João trabalha informalmente fazendo entregas, no horário de almoço, para um restaurante – são pouco mais de duas horas por dia. Conforme a mãe, isso faz com que o guri consiga manter a rotina. Além disso, ele tem feito um curso online para complementar o tempo de estudo em casa. Mesmo assim, Carla alerta para momentos em que não há remédio para o estresse:
– Chega uma hora que eles já estão de saco cheio de ficar só em casa, não poder ir numa praça brincar ou dar uma volta na rua. É complicado ficar sem nada para fazer.
Renda
Em casa, Carla trabalha cuidando de crianças. Normalmente, eram três meninos mais um casal de gêmeos. Com a pandemia, apenas uma criança segue sendo atendida. Assim, a renda da família está comprometida. Para tentar driblar o problema, Carla resolveu fazer salgados e pizzas para vender.
– Torço para que passe logo essa situação – desabafa.
Dificuldades financeiras afetam o estudo
Porém, nem todas as famílias têm uma professora em casa para ajudar os filhos. Em alguns casos, inclusive, o período de isolamento, aliado a outros problemas familiares vindos com a pandemia, como o comprometimento da renda familiar, afetam os alunos.
Como explica Gabriel, o planejamento pedagógico das escolas é feito para ser desenvolvido num ambiente escolar, com salas de aula, professores e convivência. Com a interrupção das aulas, nada disso foi transferido para as casas. Por isso, em famílias nas quais a prioridade é conseguir gerar renda, preparar comida ou limpar a casa, por exemplo, este afastamento físico entre o estudante, o professor e a escola atrapalha a qualidade da aprendizagem.
Nas famílias com mais dificuldades, a condição financeira também implica na qualidade do que os jovens vão ter em casa, sem escola. Em Alvorada, por exemplo, uma lei municipal foi aprovada para que as famílias dos estudantes possam buscar merenda nas escolas de segunda a sexta, entre 11h e 14h.
Moradora da cidade, a dona de casa Ketlyn Carvalho, 30 anos, está com a filha, Mariah, 10 anos, em casa. Estudante do quarto ano, ela recebe, uma vez por semana, atividades para fazer em casa. Conforme a mãe, são repassadas em um grupo no WhatsApp que reúne professores e pais. No entanto, nem sempre Ketlyn tem condições de pagar a impressão dos exercícios. Assim, Mariah precisa copiar as atividades pela tela do celular da mãe.
Manter a saúde mental é importante
Os jovens que estão concluindo o Ensino Médio, segundo o professor Gabriel Grabowski, são aqueles que costumam sofrer as maiores pressões da família, da sociedade, das exigências do mercado de trabalho e da continuidade de estudos em universidades públicas. Neste período de isolamento, o doutor em Educação alerta que é importante os responsáveis terem paciência. Todos que convivem com estes jovens precisam ficar atentos e apoiá-los.
– Para manter-se bem, o professor orienta os estudantes a planejarem os estudos, com rotinas, horários, pesquisa, atividades escolares e revisão de conteúdos. Também é essencial ler obras de literatura, ver filmes, documentários e praticar algum hobby, para desopilar das tensões do isolamento.
Seduc desenvolve projeto especial
No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) está promovendo o projeto batizado de Aulas Programadas, que consiste na aplicação de atividades escolares, presenciais ou não, previamente elaboradas com base em objetos de conhecimento já abordados em sala de aula, compreendendo um conjunto de aulas a serem cumpridas pelos estudantes e seus professores.
Conforme a Seduc, a devolução destas atividades será realizada após o retorno das aulas presenciais na rede estadual. Porém, isso varia entre cada comunidade escolar, já que nem todos os alunos têm as mesmas condições de acessibilidade.
As iniciativas vão desde a distribuição presencial de tarefas e materiais didáticos aos pais ou responsáveis pelos estudantes que não têm acesso à internet até a utilização de plataformas digitais e rede sociais, como Facebook e WhatsApp, aplicativos, blogs, jogos interativos e atividades planejadas.
Em relação à alimentação escolar, seguindo orientações publicadas pelo Ministério da Educação (MEC), está autorizada, em caráter excepcional, a aquisição de alimentos no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) às famílias dos estudantes que necessitem. Isso é decidido a critério do poder público local.
A Seduc também informou que kits para alimentação escolar estão em processo de aquisição, mas não explicou como esses itens serão distribuídos aos alunos ou quando devem chegar.