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Problemas de logística e estrutura são apontados como entrave para volta às aulas nas escolas municipais ainda fechadas

Exigência da presença de docentes fora do grupo de risco por parte da prefeitura deveria fazer com que mais instituições fossem abertas a partir desta semana, mas realidade nos locais é outra

09/11/2020 - 20h28min


Tiago Boff
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Marcel Hartmann
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Escola Municipal Chico Mendes, no Morro Santana, não teve aulas presenciais nesta segunda-feira

A segunda-feira (9) começou com expectativa de mais colégios da rede municipal abertos em Porto Alegre, após a prefeitura exigir o retorno à sala de aula de todos os professores que estão fora de grupo de risco para covid-19, mas na prática, a maioria não chegou a convocar estudantes para retornarem sob o argumento de não ter as condições de infraestrutura e número de funcionários necessários.

Em entrevista a GZH, o secretário Municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, reforçou que professores que não baterem o ponto presencialmente terão o salário cortado.

— A partir de hoje (segunda-feira), o ponto de professores fora de grupo de risco terá que ser feito na escola. Claro que há processos individuais que podem justificar a ausência, mas quem não for na escola hoje sem justificativa terá o ponto cortado — diz Brito.

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Na última sexta-feira (6), 53 das 99 instituições públicas geridas pelo município seguiam fechadas. Nesta segunda, a reportagem visitou seis grandes e tradicionais escolas municipais de Porto Alegre.  Diretoras citam complicados problemas de logística para manter crianças em distanciamento social.

Algumas instituição não haviam voltado por entraves burocráticos que impediam a nova direção que tomou posse de acessar o dinheiro repassado pela prefeitura para se adequar à pandemia – é o caso da Escola Chico Mendes, no Morro Santana, onde não havia aulas presenciais nesta segunda-feira.

A instituição não pediu que os 1,2 mil alunos voltassem por avaliar que não há condições de recebê-los. A diretora, Alexandra Reck, garantiu que os professores fora de grupo de risco viriam ao longo do dia – entre 8h e 9h30min, a reportagem viu cinco docentes dentre os 46 aptos ao retorno nesta segunda-feira. Ela observa que outros 19 estão em grupo de risco e que a falta deles prejudica a retomada.

Alexandra mostrou um prédio, com salas de aula e setor pedagógico, onde um engenheiro da prefeitura atestou risco de a fiação elétrica causar curto-circuito e incêndio. Algumas janelas basculantes não abrem e os pátios, com alto mato, carecem de capina. O refeitório precisa de pias na entrada e de proteção de acrílico no bufê.

— Pela metragem, o refeitório só poderia receber 22 alunos por vez, o que é inviável para o tamanho da escola. E as turmas precisam ser divididas em quatro. Falta também pessoal, temos sete funcionários de limpeza e precisaríamos pelo menos do dobro para limpar tudo a cada troca de turno. Não tem como receber todo mundo — diz.

Alguns diretores são alvo de sindicância porque, para a prefeitura, a recusa ao retorno às aulas é infundada. Os professores ouvidos pela reportagem dizem se sentir forçados a regressar, sem segurança. Já a Secretaria Municipal de Educação diz que “todas escolas têm condições de receber com segurança os alunos".

Às 7h, já havia movimentação na Escola de Ensino Médio Emílio Meyer, no bairro Medianeira. O colégio tem cerca de 800 matriculados. Segundo a vice-diretora, Maria Angélica Azevedo, o dia era de recepção a pais e alunos, porém ainda sem aulas.

— A ideia é conversar com a comunidade e pedir a assinatura de um termo para quem quiser voltar às atividades presenciais — explica a vice-diretora.

Na noite desta segunda, uma assembleia será realizada no local. 

A docente explica que a escola ainda passa por ajustes: mais de cem janelas basculantes estão emperradas, o que representa boa parte das entradas e saídas de ar das salas, de acordo com a vice-diretora. Uma empresa já foi contratada, justifica, mas ainda não realizou a reforma nas janelas. 

Na recepção, um busto ganhou uma máscara, e dispensadores de álcool em gel foram instalados. O piso tem setas de orientação à circulação. 

No bairro Bom Jesus, apenas 1% dos 740 estudantes da Escola Nossa Senhora de Fátima estão indo à instituição, segundo o vice-diretor, João Kunz.

— Estamos abertos porque fomos obrigados. Os casos aqui no bairro estão aumentando, e as famílias não têm confiança — afirma.

Três alunos da Educação Infantil e quatro do Ensino Fundamental foram contabilizados pela  direção. 

Lauro Alves / Agencia RBS
Apenas 1% dos 740 estudantes da Escola Nossa Senhora de Fátima estão indo a instituição, segundo o vice-diretor, João Kunz

A alegação de que há registro de casos positivos para coronavírus na região da Bom Jesus encontra respaldo em uma instituição vizinha. Dois professores da Escola José Mariano Beck foram contaminados. Uma aluna que teve contato com um dos docentes também foi afastada, segundo a diretora Elizabeth Masera. 

Com medição da temperatura e corredores organizados por cones e correntes, os servidores adaptavam a volta desta segunda, quando os alunos do quinto ao nono ano terão aula.

— São os alunos que devem voltar com mais força, os mais grandinhos — avalia a diretora.

Atualmente, menos de 30 dos 900 alunos estão frequentando o colégio. 

Lauro Alves / Agencia RBS
Atualmente, menos de 30 dos 900 alunos estão frequentando o colégio Mariano Beck, diz direção

 Um adolescente de 14 anos foi até a instituição, às 7h30min, e recebeu um documento que será levado para casa. O termo, exigido pela escola, atesta que o aluno não é grupo de risco, que continuará acompanhando as atividades ofertadas online e que também terá assiduidade no presencial.

Na Escola Morro da Cruz, no morro de mesmo nome do bairro São José, nenhum dos 1,1 mil estudantes havia comparecido e os professores estavam em reunião remota com a direção no fim da manhã, quando GZH visitou a instituição.

A vice-diretora, Elenir Garcia da Silva, aponta problemas estruturais para o retorno – cita janelas emperradas, falta de capina, problemas no tratamento de esgoto, falta de lavatório no jardim de infância e adequação do bufê no refeitório. Questionada se a instituição havia convocado alunos, a vice-diretora respondeu:

— Eles souberam pela mídia, mas nós não os chamamos.

A Escola Heitor Villa-Lobos, localizada na Lomba do Pinheiro e conhecida pelo trabalho social de orquestra com alunos carentes, também não convocou os 1,2 mil estudantes. Um dos principais problemas é que a nova direção não pode acessar a verba repassada pela prefeitura, mas há, também, entraves estruturais.

A diretora Andrea Czupriniak conduz a reportagem em um passeio na escola, onde aponta janelas emperradas, salas previstas para receberem 30 alunos, mas que, pela orientação do decreto, podem receber apenas oito classes, além do mato alto no pátio. A caixa d‘água precisa ser limpa para cozinhar para os estudantes – e o refeitório é uma encruzilhada.

— Eu tenho 1,2 mil alunos, mas, pelo decreto, só posso ter 146 por turno se formos manter o distanciamento. No refeitório, a gente atendia uns 100 e, agora, mantendo dois metros de distância, só ficam 18 pessoas comendo. Se vissem só 146 alunos, a gente daria conta, mas isso não dá 15% dos alunos alunos, e sabemos que mais do que isso não acompanha as aulas remotas e pode vir.  Se tudo estivesse resolvido, voltaríamos, mas não é o caso — afirma Andrea.

Única mãe que estava na escola, Alessandra Araujo foi questionada pela reportagem se desejava levar a filha para ter aulas ao vivo. Ela diz que antes queria, mas mudou de ideia.

— Minha irmã pegou coronavírus e agora está no hospital. Antes eu pensava em levar minha filha de volta, mas agora não me sinto mais à vontade — diz.

O que diz o sindicato

O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), que representa professores municipais, afirma que, das 43 escolas municipais que seguiam operando apenas em regime de plantão, quatro passaram a receber cerca de quatro estudantes. Sete instituições receberam professores para reunião presencial – as restantes discutiram de forma remota.

Roselia Siviero, diretora de Ações de Combate à Opressão da entidade, diz que a instrução normativa elaborada pela Secretaria Municipal da Educação (Smed) responsável por convocar professores nesta segunda-feira entra em conflito com as medidas de segurança exigidas por decreto publicado antes. Ela diz que é impossível escolas seguirem os protocolos sanitários definidos pela prefeitura.

— O decreto prevê o retorno com uma segurança maior do que a instrução normativa (de quinta-feira). Por exemplo, o decreto prevê um professor por sala, mas como vamos seguir isso na sala de professores convocando todos para trabalhar presencialmente? Pedem escalonamento das aulas, mas nossas escolas comportam, com distanciamento, no máximo 10 estudantes por sala. Se cada turma tem 30 alunos, precisa dividir em três grupos. Se isso acontecer, o professor não terá mais horário para manter as aulas remotas para quem ficar em casa — diz Roselia, citando que a Smed está “ameaçando” diretores com sindicância.

O Simpa deve entrar na Justiça contra a convocação obrigatória de professores fora de grupos de risco, segundo a diretora.

O que diz a prefeitura 

Em entrevista a GZH, o secretário Municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, diz, ao contrário do Simpa, que nenhuma nova escola passou a receber alunos, mas que algumas receberam pais para reuniões. 

O secretário pontua que escolas onde a direção recém-empossada não consiga acessar a conta da instituição são a exceção para a retomada presencial, mas que a prefeitura não aceitará como justificativa questões como falta de capina ou limpeza de caixa d’água.

— Os diretores receberam três parcelas ao longo do ano de recurso direto na escola. Quando chegou setembro, demos uma quarta parcela adicional. Os diretores têm recurso em caixa, a obrigação é deles de fazer a capina. Erro de caixa d’água, dedetização, desratização e capina é obrigação do diretor. Estou abrindo sindicância justamente para ver porque algum diretor não fez algo que tinha recurso. Não é obrigação da secretaria, mas do diretor, que teve sete meses de escola parada. Alguns diretores fizeram isso, por que outros não fizeram?

Questionado sobre a reclamação de diretores sobre as restrições de salas de aula que devem obrigar uma turma a ser dividida em três grupos, o que pode gerar sobrecarga de trabalho para professores que precisarão ainda dar conta das aulas remotas, o secretário da Educação diz que isso ainda não é um problema.

— Não temos problema ainda de sobrecarga. Preciso ter o problema para resolver o problema. Demos orientação de fazer escalonamento e, se isso extrapolar, vamos resolver. Mas não tenho esse problema porque faltam alunos na escola, por conta de pais serem lamentavelmente dissuadidos de levarem os filhos. Nosso trabalho é educar as crianças. Se há informações da autoridade sanitária de que estão liberadas as aulas, tem que fazer o trabalho. Diretores e professores são servidores públicos, pagos com dinheiro público, e precisam estar à disposição da escola. Ter mais criança depende de os pais levarem os filhos, mas eles não podem fazer isso com escola fechada. As escolas precisam estar abertas — finaliza.


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