Tecnologia como aliada
Motoristas podem economizar até R$ 0,60 no litro da gasolina com o uso de aplicativos em Porto Alegre
Ferramentas digitais das próprias distribuidoras de combustíveis ou de fintechs concedem descontos e caschback aos usuários
Os sucessivos aumentos no preço da gasolina, o mais recente de 6,3% em vigor desde terça-feira (6), levam consumidores a buscarem alternativas para economizar — uma delas é o uso de aplicativos para pagar a conta. Levantamento de GZH identificou que motoristas podem economizar entre R$ 0,15 e R$ 0,60 no litro da gasolina utilizando o pagamento online, em Porto Alegre.
A pesquisa foi feita em estabelecimentos de várias bandeiras no dia 22 de junho, e considerou dois preços ofertados nas placas em frente aos estabelecimentos: com e sem o uso de plataformas digitais para o pagamento. O desconto, para aumentar as vendas, é parte de movimento no setor de venda de combustíveis, afetado pela pandemia, e pela chegada de fintechs ao segmento.
A reportagem circulou pelas avenidas Assis Brasil, Ipiranga e Terceira Perimetral (no trecho entre a Rua Dom Pedro II e a Avenida da Cavalhada) para monitorar os preços. Na maioria dos locais verificados, o valor da gasolina era de R$ 5,99. Entretanto, em alguns postos da Rede Shell, o consumidor encontrava o litro da gasolina por R$ 5,39 desde que realizasse o pagamento através do aplicativo PicPay, que funciona como carteira digital. O desconto máximo é de R$ 10 no abastecimento.
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O preço chamou atenção do motorista de aplicativo Luis Henrique Ottoni, 29 anos, que atua há cinco anos na atividade e usa plataformas para obter desconto no preço da gasolina há pelo menos dois anos.
— Eu usava o (aplicativo) Abastece Aí. Agora, estou usando o PicPay nos postos que têm o desconto. Como a gasolina custa (cerca de) R$ 6, com o dinheiro no PicPay, já sai o desconto. Eu botei ali R$ 100 de gasolina e ele me deu 10% de desconto. Eu abasteço em um posto da Zona Sul pela vantagem mesmo — conta.
O desconto na bomba que atraiu Ottoni é um movimento que vem ganhando espaço no mercado de venda de combustíveis, com a entrada no segmento da tecnologia e de fintechs (empresas que desenvolvem produtos financeiros totalmente digitais).
Antes, a relação direta de preços entre refinaria, distribuidora e postos (de rede ou individuais) deixava o valor do produto final em patamares similares — com pouquíssima variação entre os estabelecimentos. Na última década, no entanto, o uso da tecnologia na transferência de dinheiro e a consolidação dos aplicativos alteraram não só as formas de pagamento, como a dinâmica dos preços, segundo o ex-chefe da diretoria de gabinete da Agência Nacional do Petróleo, Edson Silva:
— Esse é um mercado cuja a cadeia compreende três segmentos: as refinarias, que produzem os derivados do petróleo, a distribuidora, que compra da refinaria e faz as misturas, e os postos. Agora, você abastece e apresenta o app que você baixa no celular, ou usa a fintech. Isso tem repercussão porque as distribuidoras não negociavam no varejo. Agora, nesse modelo, o posto não tem total controle do modelo de negócio, e quem controla é a distribuidora.
As próprias distribuidoras de combustíveis criaram apps para conceder descontos e benefícios aos usuários e, assim, fidelizar o cliente. Surgiram então os aplicativos Km de Vantagem (atualmente conhecido como Abastece Aí, dos postos Ipiranga), o Shell Box (da Raízen, empresa licenciada da marca Shell) e o Petrobras Premmia (dos postos BR), entre outros. A rede de postos SIM, uma das mais importantes do país, também desenvolveu plataforma própria.
Mais recentemente, outras empresas interessaram-se pelo segmento de venda de combustíveis, principalmente as fintechs. Plataformas como a PicPay e a Ame têm parcerias com distribuidoras, concedendo descontos aos motoristas. Em contrapartida, os usuários interessados no preço mais baixo precisam abrir contas nas carteiras digitais, como destaca a especialista em finanças e marketing e professora da escola de negócio da PUCRS Frederike Mette:
— Utilizar fintechs vai se tornar um hábito. A pandemia acelerou isso em vários setores, porque tudo é feito de forma digital. Nesse caso, o usuário vê isso como vantagem porque o desconto é grande. Eu posso usar para pagar no posto de gasolina, e daqui a pouco, eu começo a ver que, além do posto, eu ganho desconto se comprar em tal site. A própria fintech aumenta a experiência do usuário, não somente pelo uso no posto, mas também em outros estabelecimentos.
Distribuidoras e carteiras digitais
A Raízen, empresa licenciada da marca Shell no Brasil, é responsável pelo aplicativo Shell Box. A plataforma já oferecia descontos através de cupons. Recentemente, uma parceria com a carteira digital PicPay proporcionou descontos ainda maiores — como o de R$ 0,60 por litro encontrado por GZH em um posto de Porto Alegre.
O diretor comercial da Raízen, Gustavo Campos,diz que a relação entre o aplicativo Shell Box e a plataforma PicPay foi importante no período de pandemia, porque o volume de vendas do setor teve significativo aumento:
— Funciona através de parcerias com essas formas de pagamento, que também oferecem descontos e promoções para seus clientes e parceiros. Isso vai agregando descontos. A grande estratégia é gerar para o cliente benefícios que o encantem, e também para os parceiros através da recorrência ou fidelização. Isso aumenta as vendas e aumenta a fidelização de outros produtos. Na pandemia, vivendo um momento de queda nas vendas, a gente viu que o Shell Box funcionou muito bem, ativando promoções e também através de parcerias.
A Petrobras também possui uma plataforma própria, a Petrobras Premmia. O aplicativo aposta no modelo de cashback, onde o motorista que utiliza o app ganha pontos que podem ser utilizados para adquirir produtos da rede. Mais recentemente, a distribuidora fechou parceria com a Ame, fintech ligada às Lojas Americanas. "É necessário que o motorista faça um cadastro independente do Premmia e cadastre seu cartão de crédito na plataforma Ame. O cashback recebido volta para a carteira digital do aplicativo Ame e pode ser utilizado em diversos estabelecimentos, além, é claro, dos próprios postos Petrobras", informou a assessoria da Petrobras em nota.
A reportagem procurou a equipe do Posto Ipiranga, que utiliza o aplicativo Abastece Aí, assim como o Km de Vantagem, para tratar desse movimento. Apesar dos e-mails enviados, não houve retorno. GZH apurou que o desconto médio oferecido pela plataforma é de R$ 0,30 por litro.
Fidelização do cliente e risco para pequenas empresas
A mudança no setor mexe não somente com aqueles que apostam em novas formas de pagamento e de benefícios para obter descontos. As redes de postos ainda conseguem fidelizar os clientes por meio do serviço oferecido pelo aplicativo, como cita o diretor de varejo da Rede Sim, Diego Argenta. Considerada a maior do Brasil no ramo, a empresa possui plataforma digital própria para oferecer descontos e serviços para os clientes.
Conforme a empresa, cerca de 250 mil clientes estão cadastrados no app da rede, e, em média, cada uma das pessoas abastece pelo menos duas vezes por mês utilizando a plataforma.
— Nós não apostamos em modelo de cashbacks e carteiras digitais. A gente prefere o desconto real. Algumas empresas estão fazendo parcerias com fintechs. Isso não se sustenta a longo prazo. E muitos dos descontos nem sempre são dados na hora. Ou são por cashback. Muitas pessoas retiram, mas muitas não. Tem regras de utilização é bem específicas. Preferimos uma ação mais direta e duradoura — frisa Argenta.
A Rede de Postos Buffon possui um aplicativo que concede descontos em forma de cashback para compras na loja de conveniência e troca de óleo. O 'Feito' é utilizado desde 2017. Ainda conforme a empresa, as carteiras digitais não são diretamente concorrentes do aplicativo e podem até funcionar de forma cumulativa em alguns estabelecimentos.
O presidente da Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Rio Grande do Sul (Sulpetro), João Carlos Dal’Aqua, enxerga o ingresso das fintechs como um risco para pequenas redes de postos e estabelecimentos individuais. Conforme ele, a pandemia já mexeu bastante com o setor, e muitas lojas de pequeno porte sucumbiram com a diminuição significativa de movimento.
— Nem todos vão conseguir suportar por tanto tempo essa disputa. Muitos postos já fecharam com a pandemia, porque a crise do setor foi grande. Agora, aqueles estabelecimentos de pequeno porte, ou que não pertencem a redes, vão ter que trabalhar com margens cada vez menores para combater descontos como esse — salienta.
Os tipos de aplicativos
- Cashback: o termo pode ser traduzido do inglês como "dinheiro de volta". No segmento de combustíveis, por exemplo, com o uso de apps, o consumidor pode reutilizar parte do dinheiro investido na primeira compra de combustível em uma futura aquisição. O valor do cashback varia conforme a distribuidora de combustíveis, a rede de postos e a carteira digital. A reportagem verificou que os descontos chegaram a R$ 0,60, dependendo da rede de postos
- Carteira digital: é um aplicativo ligado a uma fintech que armazena dados sobre os cartões de débito e de crédito, ou até dinheiro depositado nela. Assim como um aplicativo de banco, é possível utilizar o dinheiro guardado para realizar transações, à vista ou no crédito, sem utilizar cartões físicos