Esbarrando na burocracia
Conselheiros tutelares gaúchos receberam cerca de três processos por mês desde 2019, conforme associação da classe
Agentes do Conselho Tutelar enfrentam desafios para cobrar políticas públicas de prefeituras. Projetos com Judiciário e MP, além de lei em Brasília, devem mudam o cenário
Membros da sociedade civil eleitos para atuar, entre outras áreas, na cobrança do poder público. Esse é o difícil papel dos conselheiros tutelares. Integrantes do órgão criado junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselheiros podem — e devem — cobrar as prefeituras de cidades onde estão para que garantam as crianças e adolescentes o acesso à educação, saúde, segurança, moradia e respeito as suas limitações quanto ao trabalho e até mesmo fatores previdenciários.
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Exemplos mais comuns são a cobrança diante da falta de vagas em creches e escolas, de pediatras ou psicólogos em postos de saúde e até a criação de casas de acolhimento para crianças afastadas de maneira temporária ou permanente das famílias. Quem explica é o presidente da Associação dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul (Aconturs), Jeferson Careca.
Entretanto, é justamente por tentar executar esse trabalho que conselheiros vêm virando alvo de perseguição, principalmente, em cidades do interior do Estado. Como estão dentro do organograma das prefeituras, os conselhos acabam sendo sujeitos a sindicâncias e alvo de corregedorias criadas nos municípios para supervisionar o trabalho dos agentes. Assim, ações que não "agradam" uma administração podem ser rebatidas em um processo administrativo — o que por si só, já afasta o conselheiros de suas funções —, até culminando na interrupção do mandato destes entes do Conselho Tutelar.
— O afastamento prejudica o trabalho. Por vezes, acaba até passando a impressão para a sociedade de que ocorreu por incompetência, quando, na verdade, foi justamente o contrário. A suspensão vem por estarmos fazendo o nosso trabalho — lamenta Jeferson.
Audiência pública
Conforme o presidente da associação dos conselhos, a entidade não tinha dimensão do cerceamento ao trabalho dos conselheiros até contratar um escritório de advocacia para auxílio nos processos e ações que também envolvem o Judiciário. Desde janeiro de 2019, quando houve a contratação, já foram 106 processos judiciais e 16 processos administrativos disciplinares, conforme os advogados Bráulio pires e Naiá Ferreira, do escritório Ferreira & Pontes. No Estado, são 527 conselhos que contam com 2.635 conselheiros e conselheiras atuando.
O tema chegou a ser alvo de discussão em uma audiência pública na Assembleia Legislativa no início de setembro, na Comissão de Segurança e Serviços Públicos. No ato, a associação dos conselhos divulgou uma carta aberta aos gaúchos pedindo mais políticas públicas voltadas as áreas de atuação da entidade. Na conversa, foram apresentados anseios, mas também possibilidades e soluções para melhorar a atuação do Conselho Tutelar e o diálogo com outras esferas do poder público, como Ministério Público e Defensoria Pública.
Lei federal
Entre as soluções pontuadas na audiência pública na Casa Legislativa e em conversas externas, Jeferson destaca dois pontos. O primeiro é a criação da Lei Geral dos Conselheiros Tutelares. Nos anos 1990, quando a entidade foi criada, o papel dos conselheiros seria definido pouco tempo depois, mas isso nunca aconteceu de forma clara. Agora, as associações de todo país criaram um projeto de legislação sobre o tema, entregue ao Congresso Nacional, em Brasília, em outubro.
— Acreditamos que esse vai ser um grande passo para que a supervisão do trabalho dos conselheiros fique a cargo de outros órgãos públicos que não as prefeituras — pontua Jeferson.
Auxílio do Ministério Público
Uma cartilha de orientações está sendo criada para definir melhor junto aos órgãos públicos os papéis de atuação do conselho. Conforme o Ministério Público Estadual (MPRS), estão sendo "traçadas estratégias de orientação em conjunto com a Aconturs, para que se esclareçam as atribuições de todos os órgãos, buscando uma maior clareza na atuação, para que não existam conflitos desnecessários nas comarcas". Conforme o órgão, "a próxima reunião será com a área de segurança pública, Polícia Civil e Brigada Militar".
Segundo a promotora Luciana Cano Casarotto, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do MPRS, "a articulação com a Aconturs busca construir um protocolo de atuação para todo o Estado, uma cartilha esclarecendo o que de fato é atribuição do Conselho Tutelar":
— Outra ideia é organizar uma capacitação regionalizada, onde se apresente o trabalho conjunto nos consensos possíveis com a associação e também com os órgãos de segurança pública.