Refrescante (até demais)
Medição aponta mar gaúcho mais gelado que a média nesse fim de semana; entenda os motivos
Menos banhistas têm se arriscado no mar, segundo guarda-vidas, o que reflete em uma redução nos salvamentos
O petroleiro aposentado Sebastião dos Santos Maia, 65 anos, tem na memória a última viagem que realizou antes da pandemia de coronavírus força-lo a ficar em isolamento social. Há dois anos, esteve em Torres. Relembra, saudosista, de ter tomado um banho morno em meio às ondas do balneário mais ao norte do Estado.
LEIA MAIS
Venda de água mineral duplica no RS com calorão e alteração de gosto na água
Em meio ao calorão, instabilidade na rede elétrica causa problemas no abastecimento de água em Porto Alegre
RS pode ter pancada de chuva e rajadas de vento neste domingo
— Hoje tá bem mais gelado, né? — comenta, um pouco decepcionado.
A lembrança afetiva não tem fundamento científico, mas a percepção de que a água está mais fria do que o normal bate com o monitoramento do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar). Medição realizada pela Doutora em oceanografia física, química e geológica, Cacinele Mariana da Rocha apontou 21 graus no oceano, em Imbé. A aferição foi realizada na manhã deste sábado (15).
Segundo a especialista, apesar de variável, a média costuma ficar entre 23 e 24 graus, chegando a picos de 25 graus no período atual.
— Fria assim o meu guri não quer entrar - complementa o aposentado, arrepiado após um caldo na praia da Guarita.
Química no Ceclimar, Cacinele aponta uma série de possibilidades para o oceano ter perdido o calor de outrora: entre os mais sensíveis ao público, estão as noites frias e brisa intensa geradas pelo fenômeno La Niña.
— A temperatura atmosférica está mais baixa em alguns momentos, como no início da manhã e final da tarde, e assim o oceano perde temperatura gradual à noite. Quando tem vento também a pessoa sente mais frio ao sair da água, mesmo não sendo uma atribuição da água nesse caso — explica.
A costa do Rio Grande do Sul é definida como uma "zona de convergência", abastecida por duas correntes marítimas: as descargas subterrâneas das Malvinas, que vêm do sul e carrega água fria, e a Corrente do Brasil, com água de temperatura superior - esta, destaque no mar gaúcho nos últimos dias de 2021, com predominância de uma bacia morna e de tons cristalinos.
Mas o turista que fugiu do mergulho gélido poderá ser recompensado por uma mudança repentina.
— A Corrente do Brasil, na virada do ano, teve mais força e agora isso acabou se invertendo. Mas também pode mudar repentinamente, pois é assim, bem dinânico — complementa a pesquisadora do Ceclimar.
Menos banhistas
Os guarda-vidas dizem sentir o efeito do mar menos atrativo, nas primeiras duas semanas de 2022.
— Percebemos a água mais gelada do que o habitual. E durante a semana, principalmente, é perceptível também a redução dos banhistas, principalmente de crianças — informa o Tenente Coronel Isandre Antunes, Chefe de operações do Comando de Bombeiros Militares do Estado (CBMRS).
Em Torres, Tramandaí, Imbé, Cidreira e Quintão, nenhum afogamento que necessitasse de socorro foi registrado na sexta-feira (14) e no sábado (15). As queimaduras por águas-vivas também têm sido menos frequentes na semana atual, de acordo com o comandante.
— Os últimos dias tiveram redução nas lesões, apesar de um aumento desde o início da Operação Verão, em comparação com a do ano passado — alerta, a fim de evitar uma exposição descuidada do público.
Com o resfriamento do oceano, o ambiente se torna mais favorável à ocorrência da "Medusa-Mármore", água-viva com menos potencial de causar problemas aos banhistas, segundo a professora do curso de Biologia Marinha da Ufrgs, Carla Penna Ozorio.
— A sorte é que a toxina que ela tem, no geral, não causa uma lesão tão perigosa quanto a caravela, e outras águas-vivas de água mais quente — compara.
A bióloga vai ao encontro da tese dos guarda-vidas, de que o mar frio possa ter impacto no número de pessoas queimadas pelos invertebrados. Contudo, reitera o mesmo alerta de outros especialistas.
— Acho bem razoável esta hipótese, lembrando que o sistema marinho costeiro do RS é bem dinâmico e pode mudar a qualquer momento. Novos ingressos de águas quentes poderão ocorrer, trazendo para o litoral norte novamente as espécies de cnidários que causam os acidentes - prevê.
Com a coragem dos seus oito anos de idade, Manuela Ribeiro Vieira decidiu encarar a água de qualquer forma.
— Tá um pouco gelada. Mas tá bom — diz, pouco preocupada.