Em Torres
Gnomos, sereias e paredões formados na separação dos continentes: trilhas mostram o Parque da Guarita sob um novo olhar
Com acompanhamento de um guia, visitantes podem conhecer a área percorrendo quatro trilhas recém inauguradas
Um novo olhar para o Parque Estadual da Guarita: esta é a proposta da Secretaria Municipal de Turismo de Torres ao criar quatro trilhas gratuitas no local, oferecidas com acompanhamento de guia e diferentes níveis de dificuldade. O roteiro, inaugurado no final de janeiro, vai além das belezas naturais já conhecidas por quem costuma visitar a área verde. É possível saber mais sobre a história e a biologia do lugar, e até sobre as lendas que passam de geração em geração.
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Segundo o turismólogo e guia de turismo Francisco Reis, o principal propósito é trabalhar a educação ambiental dentro do parque, ação já incluída no plano municipal de turismo.
— Resolvemos dar um novo olhar para o parque da Guarita. A intenção é que os turistas venham, conheçam, amem e nos ajudem a preservar — explica Francisco.
Hoje, o Parque Estadual da Guarita é um sítio geológico com relevância internacional. Até por isso, Torres integra o grupo de sete cidades — três gaúchas e quatro catarinenses — que fazem parte do projeto Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul. O projeto está na última etapa de análise da Unesco para ser reconhecido como um geoparque mundial — uma área onde sítios e paisagens de relevância geológica internacional, aliados a bens culturais e naturais, recebem estratégias de desenvolvimento sustentável com o foco na conservação do patrimônio.
As novas trilhas foram divididas em níveis de dificuldade, extensão e tempo de percurso, indo do fácil ao difícil. Há uma agenda com dias e horários e as inscrições podem ser feitas no pórtico da entrada do Parque. Os grupos têm, no máximo, 15 pessoas. É aconselhável que os interessados usem roupas leves, bonés, tênis adequado, levem água e usem protetor solar. Também são seguidos os protocolos vigentes de prevenção à covid-19. Conforme Reis, o roteiro ocorrerá durante a temporada de verão, mas a ideia é mantê-lo também durante o inverno, nos finais de semana e nos feriadões.
Na companhia de Francisco e do oceanólogo e guia de turismo Geraldo Medeiros Lima, a reportagem de GZH fez nesta semana o roteiro mais longo — a Trilha Vermelha — e destaca os principais pontos da experiência.
Início
Carregando uma mochila repleta de conhecimento — com folderes informativos, entre outras curiosidades apresentadas ao longo da trilha —, o oceanólogo Geraldo Medeiros Lima é empolgação pura e uma enciclopédia humana. Ele é um dos guias dos visitantes e inicia a trilha já apresentando a importância do geoparque.
— Temos dois geomonumentos específicos: a sentinela, que é a torre menor, também chamada de Pirâmide ou Guarita, e o conjunto de rochas que vamos vislumbrar mais adiante — comenta, deixando certa curiosidade entre os visitantes.
Primeira subida
A caminhada inicia, de fato, subindo os 124 degraus da Torre Sul, em meio a um caminho coberto por árvores. Apesar de curta, a escadaria é íngreme e exige fôlego e esforço físico. Sem pressa, o trajeto recebe de bebês a idosos. Cada um respeitando o tempo de subida do outro.
Na chegada ao topo, pausa para água e, principalmente, para contemplar a paisagem única: de um lado, a praia da Guarita. Se caminhar mais alguns metros, do outro lado se vê a praia de Fora e, mais adiante, o Parque Estadual de Itapeva — única área protegida do Estado que conserva o cordão de dunas interiores e reúne grande diversidade de ecossistemas da Mata Atlântica.
A Guarita
Depois de passar pela Torre Sul, seguimos em direção à pedra da Guarita, a torre que fica no meio da praia. Na parada de observação, Geraldo aproveita para falar sobre os tipos de rochas que formam a Guarita. A parte mais avermelhada da base se chama arenito Botucatu e a parte superior é a formação basáltica com origem nos eventos vulcânicos ocorridos durante a separação dos continentes africano e americano.
— Esta área onde hoje se encontra o Estado, o Sul do Brasil como um todo, era o grande deserto de Botucatu. Ele foi coberto pelas lavas e transformou estas areias de dunas em uma rocha chamada arenito Botucatu, onde está inserido o aquífero guarani — explica o oceanólogo, que segue distribuindo conhecimento durante a trilha.
Gnomo trabalhador
O passeio continua pela praia, em meio aos banhistas. Neste ponto, Francisco faz questão de contar uma lenda local. Diz ele que em noites de luar, o visitante pode ir ao parque e se deparar com um ser pequenino e muito simpático, conhecido na Guarita como " O Homúnculo". Ele vive pela praia em busca de tesouros deixados pelos piratas, em outros séculos, e também ajuda a conservar a praia limpa.
— O Homúnculo é o guardião do parque para que possamos nos deslumbrar com estas lindas paisagens. Recomendamos que se, numa noite de luar, o visitante decidir ir ao parque e encontrar o gnomo, deixe ele trabalhar porque a finalidade dele é manter este local preservado e lindo — relata.
Vento Norte
Depois da passagem pela orla da praia, chega a hora de subir mais 116 degraus rumo ao topo da Torre Centro ou do Meio. É um dos pontos mais disputados pelos "instagramers". A orientação é jamais se aproximar da borda dos paredões de pedras próximos do oceano, pois, em dias de mar agitado, as ondas mais fortes chegam a cobrir parte do trecho rochoso. Geraldo conta que a Torre Centro já foi cenário de filmes brasileiros, como o primeiro longa metragem gaúcho: Vento Norte, em 1951.
A sereia e o pente
A lenda sugere que, nas noites de sexta-feira de lua cheia, se o visitante estiver circulando pela Torre Centro, pode acabar encontrando uma sereia de longos cabelos, próxima à furna do diamante. Se a pessoa decidir se aproximar da sereia, ela pedirá um pente. Se a perguntar o motivo, a sereia desaparecerá.
— Se o visitante não perguntar e der um pente à sereia, ela vai ajeitar os cabelos e, em seguida, indicar o local dentro da furna do diamante onde está escondida uma pedra preciosa. Que se saiba, até hoje, ninguém encontrou este tesouro. Se alguém entregar um pente a ela, que nos comunique. Não queremos um percentual da joia, é só para contarmos que a lenda se concretizou — comenta, aos risos, Geraldo.
Todos podem ajudar
Ao longo do trajeto, enquanto Geraldo se dispunha a responder qualquer curiosidade sobre o parque e a cidade de Torres, Francisco, munido de uma sacola plástica, aproveitou para ir recolhendo do chão guimbas, latas de alumínio, plásticos deixados ao longo do caminho pelos banhistas sem educação. Tudo seria descartado no lixo depois do final da caminhada.
— Pedimos que durante a trilha, as pessoas aproveitem o passeio e, ao identificarem lixo, nos ajudem recolhendo e dando o fim correto a eles — explica.
Presenças ilustres
Pouco antes de ingressarmos na ciclovia do parque, último trecho da trilha, paramos no alto da Torre do Centro, de onde era possível ver as ondas batendo próximas ao famoso "portão de pedra" da Guarita. Era hora de nos hidratarmos e contemplarmos mais a praia da Cal, logo à frente. Para nossa surpresa, três golfinhos saltavam próximo às pedras, sem se importarem com os surfistas.
Perto dali, um cardume se deslocava. Provavelmente, eles estavam se alimentando, sugeriu Francisco, que costuma pegar ondas na Cal. O turismólogo nos contou que é comum os golfinhos passarem algumas horas naquela região, principalmente, no período da manhã. Do alto, junto com outros turistas, ficamos alguns minutos observando o movimentar do trio. Um presente no final da trilha.
Saiba mais
/// Para mais informações, acesse o site da cidade.
O nome da cidade
/// A própria cidade ganhou o nome de Torres em homenagem às formações rochosas existentes na Guarita. Segundo Geraldo, os grandes paredões têm origem nos eventos vulcânicos ocorridos na época da separação dos continentes africano e americano. A pedra da Guarita tem sua base formada por arenito Botucatu e o ápice é composto por basalto, cujo derramamento tem origem no mesmo evento que formou a Serra Geral.
O parque especial
/// Considerado um dos principais geossítios do Projeto Geoparque Cânions do Sul, o Parque Estadual da Guarita foi declarado área especial de interesse turístico em outubro de 1981. Duas décadas depois, ganhou o nome de Parque Estadual José Lutzenberger, em homenagem ao engenheiro agrônomo e ambientalista que foi um dos maiores incentivadores da criação da área, colaborando na concepção e execução do parque.
As regras do Parque
/// Respeite as áreas com risco de queda
/// Permitido somente animais com guia
/// Esportes radicais somente com autorização
/// Respeite a fauna e a flora
/// Leve apenas imagens e boas lembranças
/// Mantenha o parque limpo
/// Proibido acampar
/// Proibido fogueiras e fogo para churrasco
/// Proibido som automotivo
/// Não leve animais para a areia
/// Não rabisque nas pedras
/// Proibido pescar com rede