"Saber rodar"
Motoristas profissionais dizem que combustível consome 50% dos ganhos após aumento de gasolina e diesel
Transportadores de app admitem cancelar corridas que dariam prejuízo, enquanto taxistas reclamam de despesas extras nos veículos
O aumento dos combustíveis realizado pela Petrobras na última sexta-feira (11) impacta, naturalmente, os motoristas profissionais que atuam em aplicativos de transporte ou táxi. Nem mesmo os reajustes promovidos pelas empresas, como Uber e 99, fazem frente à alta de 18% na gasolina e de 25% no diesel nas refinarias. A estimativa corrente entre os condutores é de que 50% do que recebem das empresas acaba indo para o pagamento da gasolina.
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— Claro que R$ 8 mil em um mês é muito bom, mas metade disso vai para gasolina. E toda manutenção? Se não souber rodar, nem isso a gente tira. Fica um por um, gasta R$ 1 para cada R$ 1 ganho — diz o motorista de aplicativos Carlos Eduardo Silva da Silva, 22 anos.
Um dos efeitos desse aumento, que coloca o litro de gasolina perto de R$ 7 em postos de Porto Alegre, faz surgir uma nova máxima entre os motoristas: "saber rodar"
— Saber rodar é selecionar corrida. Escolher a que mais paga por quilômetro, se não a gente empata, não ganha nada — explica Silva.
Essa prática faz crescer as reclamações de clientes sobre cancelamentos, prática admitida por condutores. Para manter a renda, a casa e as duas filhas, o motorista Sandro Alex dos Reis, 46 anos, estendeu o turno de trabalho. Passa fácil das 10 horas e chega a 12 em alguns dias. Ainda assim, diz que é preciso focar em “saber rodar”:
— Em certas corridas a gente empata. Em outras, não vale a pena ir até o passageiro.
Outro setor afetado pelo aumento na gasolina é o de táxis, pois uma parcela dos automóveis não tem gás natural veicular (GNV) instalado. Na rodoviária, maior ponto de Porto Alegre, o movimento era fraco na manhã desta terça-feira (15). Enquanto aguardava o desembarque dos ônibus, Marcos Piva, 56 anos, listava os itens exigidos para não perder sua concessão:
— A gente faz exame toxicológico, tem que renovar o "carteirão" (documento que autoriza a atividade), os colegas que tem GNV pagam a vistoria. É muito gasto.
O litro da gasolina se tornou o vilão no orçamento de Piva.
— Tem que reduzir o custo, ou não tem viagem — diz.
Nem todos os táxis rodam com seguro total para danos e colisões devido ao valor alto para cobertura de veículos de transporte. João Luiz dos Santos, 54 anos, paga mais de R$ 3 mil por ano pela proteção.
— E o pneu? Também subiu muito. Um jogo de pneu está mais de R$ 1 mil — se queixa.
Encher o tanque de micro-ônibus passa de R$ 900
Os 24% de acréscimo nas refinarias para o diesel vão custar, a cada abastecimento, mais de R$ 200 para Valmor Espíndola da Cunha, 65 anos. O micro-ônibus com o qual leva e traz duas dezenas de alunos da rede de ensino infantil armazena 150 litros do combustível, e ele enche o tanque uma vez por semana.
— Como eu vou repassar esse custo todo para os pais, que também são trabalhadores? Se aumentar o preço, fico sem aluno para transportar — lamenta.
Trabalhar com a criançada é a vida do motorista, há 35 anos na direção. Durante o período sem aulas presenciais, ele se viu tendo de pagar contas com cartões de crédito, “empurrando” as dívidas com a barriga. Hoje, se mostra feliz por ter voltado ao convívio dos alunos. Já quando vai ao supermercado, a alegria se transforma em pavor.
— Nossa! Eu que faço as compras lá em casa, arroz, feijão, pão... Nossa Senhora, tudo sobe! O azeite, que custava R$ 7, está R$ 13. Dúzia de ovos que estava R$ 8 está R$ 14.