Mudança de hábito
Com pouco dinheiro, consumidores trocam botijão de gás de 13 quilos pelo de oito quilos em Porto Alegre
Revenda do extremo-sul de Porto Alegre zerou cilindros menores e sindicato da categoria confirma aumento na procura
Faz um mês que a moradora da Restinga, Zaira Souto, 55 anos, não come em casa. Não pela falta de alimentos — apesar da despensa ser escassa —, mas o que a impede de acionar uma das quatro bocas do fogão é o preço do gás. Vazio desde o fim do mês de março, o botijão só foi substituído nesta quinta-feira (28), quando a faxineira conseguiu juntar R$ 97 e comprar um cilindro de oito quilos, o chamado P8.
— Estou comendo na minha mãe enquanto isso. Aqui, estava há um mês sem gás, porque não tenho condições de comprar o botijão de 13 (quilos). Tá muito caro — explica Zaira.
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A procura pelo casco menor cresceu nos últimos meses, percepção confirmada pelo Sindicato das Empresas Distribuidoras, Comercializadoras e Revendedoras de Gases em Geral no Estado do Rio Grande do Sul (Singasul). De acordo com o presidente da entidade, Ronaldo Tonet, o volume de vendas do produto ainda é inferior se comparado ao mais tradicional instalado nas residências, o de 13 quilos (P13).
— É uma alternativa, mas não é o principal vendido. Com mais procura pode acontecer de ele faltar, porque também é produzido em menor volume — afirma o diretor.
A mudança de hábito parte especialmente das famílias de baixa renda, relato confirmado por cinco distribuidoras consultadas pela reportagem. Em todas, a compra do casco era “rara” e “quase zero” antes da pandemia de coronavírus ampliar a crise financeira.
Na residência de Zaira, já não existe mais o botijão de 13 quilos. No entanto, quando ela tiver recursos para adquirir tal cilindro, pode trocar pelo atual, que tem o mesmo formato, com diferença apenas na largura — um pouco mais fino, perceptível quando são colocados lado a lado. O Singasul confirma que ambos botijões são aceitos na substituição.
Vale-gás não paga 50% do valor do botijão de 13 quilos
A renda total da diarista — que atualmente diz ser cada vez menos acionada para limpezas — é de R$ 400, via Auxílio Brasil. Ela recebe ainda R$ 51 do vale-gás.
— O auxílio do governo deveria pagar metade do maior, né? Mas paga metade do P8. Assim não tenho condições de comprar o outro. Vai me durar menos, mas ou é isso ou terei que fazer uma fogueira na rua, o que atrapalharia os vizinhos — diz Zaira.
No site da Caixa Econômica Federal, o programa Auxílio Gás é definido como "correspondente a 50% da média do preço nacional de referência do botijão de 13 quilogramas de gás de cozinha”. O texto detalha o período analisado: “A Agência Nacional do Petróleo publicará, mensalmente, até o décimo dia útil do mês, o valor da média dos seis meses anteriores referente ao preço nacional do botijão de gás ao consumidor final, de acordo com o Sistema de Levantamento de Preços ou com outra fonte que a substitua”, informa a nota.
Não é a melhor opção
Na ponta do lápis, a compra do cilindro menor não é a mais econômica: cada quilo sai a R$ 12, enquanto que o P13 custa R$ 10 o quilo no posto de gás Restinga, que atende Zaira. No pátio da distribuidora, os últimos três botijões P8, já vendidos e esperando pelo transporte, contrastavam com a pilha de cascos "mais gordinhos".
— Vendemos cerca de 700 botijões P8 por mês. Há pouco pediram, mas tá em falta, estamos esperando chegar nova carga. Te garanto que só não vende mais porque muita gente não sabe dessa opção — diz o gerente da revenda, Rafael Soares.
A Porto Sul, distribuidora da Vila Cruzeiro, bairro Santa Tereza, também aumentou a procura pelo item mais barato, segundo o proprietário, Márcio Rocha dos Santos.
— A crise, com certeza, fez essa procura ser uma tendência. Se tá mais curta a grana, a pessoa opta pelo menor, uma forma de não ficar sem gás — comenta o comerciante.
Evangélica, Zaira não demonstra ter a fé abalada pela condição em que vive. Ela se emociona ao dizer que “Deus tem seus planos” e lembra do filho que morreu, em 9 de abril, vítima de um câncer. Os outros quatro ela criou sozinha, depois que o marido deixou a família.
— Preciso trabalhar de dia pra gente ter o que comer de noite, filho. Mas não desanimo, olha lá que linda minha neta, é minha vida — fala Zaira.