Alta transmissão
Covid-19 de novo? Subvariantes da Ômicron podem provocar reinfecção em curto intervalo de tempo
Especialistas observam pacientes com novos testes positivos em até 45 dias ou menos, mas sintomas costumam ser leves
Altamente transmissível, a variante Ômicron vem se transformando em uma “grande família”, com diversas subvariantes desafiando especialistas a desvendar o tempo de imunidade do organismo pós-infecção e também o impacto na ação das vacinas — ainda que os imunizantes em uso no mundo não se destinem ao impedimento do contágio, e, sim, do agravamento da covid-19 e das mortes.
Médica infectologista, Rosana Richtmann, diretora do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, ilustra o cenário atual recorrendo a um exemplo bem didático. Imagine uma árvore, cujo tronco é a Ômicron — identificada pela primeira vez na África, em novembro — em sua apresentação inicial. Cada galho representa uma variante, e deles partem ramificações. Um galho pode ser muito parecido com outro, mas não igual geneticamente. Daí a possibilidade de um indivíduo ser exposto a uma subvariante diferente e se reinfectar em breve período — 45 dias, conforme registros, ou até menos.
Para Rosana, considera-se plausível acreditar que se trata da chamada imunidade cruzada. A pessoa é exposta ao vírus A, muito parecido com o vírus B, e o sistema imunológico o reconhece, de certa forma, e o combate: “Não sei exatamente quem você é, mas estou te reconhecendo”.
— Esses pacientes que estão se reinfectando em curto espaço de tempo têm quadros clínicos leves — destaca a infectologista.
Cada nova variante do coronavírus desacomoda o conhecimento construído pelos cientistas até então. Estudos publicados recentemente apontaram distintos tempos de proteção para quem passou pela infecção (até um ano) e para aqueles que receberam vacinas (diminuição da imunidade a partir de seis meses após duas doses de Pfizer, por exemplo) — mas as pesquisas foram realizadas na época em que predominavam outras variantes.
— Antes (da Ômicron), quando estávamos construindo o nosso raciocínio, falávamos em três meses de imunidade. Agora, estou vendo que não é bem isso. O mínimo que vi (entre uma infecção e a seguinte) foram 45 dias, em torno de seis semanas. Pessoas que pegaram a BA.1 e logo positivaram de novo. A esposa vai testar porque o marido positivou e vê que está positiva de novo. Será que é o mesmo vírus? Não, não deve ser o mesmo. Deve ser outro “galhinho” — comenta Rosana.
A médica frisa que não se trata de dizer que a proteção contra novas infecções teve o intervalo reduzido a um mês e meio:
— O que dá para afirmar é que as pessoas que estão tendo o segundo episódio de covid em um espaço curto é que o quadro é bem mais leve. Para a imensa maioria das pessoas, de fato, será mais leve.
O papel fundamental das vacinas
Atualmente, segundo o infectologista Alexandre Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o mais comum é que ocorra um episódio de covid-19 de cinco a seis meses após a última dose de vacina recebida — o que pode ser subvertido pela família da Ômicron.
— Essas subvariantes vêm, exatamente, para se adaptar e fazer um escape vacinal, um escape imunitário. O jeito de elas sobreviverem e se perpetuarem é sendo mais atenuadas. Causam casos mais leves e mais rápidos, mas, ao mesmo tempo, elas têm um escape do sistema imunitário. Ou seja, os anticorpos, em vez de durarem cinco ou seis meses, pelo menos, dependendo da pessoa, podem durar só três meses. Há recidivas mais frequentes — diz Schwarzbold.
Outro aspecto a ser considerado é o afrouxamento de medidas de proteção como uso de máscara e respeito ao distanciamento. Assim, metade dos indivíduos expostos acaba por se infectar.
— A diferença é que aí age a nossa imunidade a partir da vacina, do ponto de vista de doença pulmonar, de processo inflamatório. Isso não impede que muitas pessoas tenham sintomas chatos, desconfortáveis, e eventualmente covid longa (persistência de sintomas por semanas ou meses), mas que não causarão doença respiratória grave ou matar — comenta o professor.
Com o novo aumento da circulação viral — mas não como nos piores momentos da pandemia —, quem corre mais risco são as parcelas mais vulneráveis da população, como idosos e imunossuprimidos, além dos parcialmente vacinados (quem não completou o número de doses previsto para seu grupo ou faixa etária).
— A vacina teve esse impacto belíssimo em queda de casos, principalmente casos graves, e hospitalização, mas não impede a contaminação. Ela é voltada para proteger o corpo da doença inflamatória. Estão em desenvolvimento, em fases pré-clínicas e clínicas, tentativas de vacinas em spray ou inalação para evitar contaminação — complementa o infectologista.
Schwarzbold chama a atenção para outro fator: quem se infecta potencializa a função dos imunizantes.
— Não podemos recomendar “se infecte porque a ação da vacina fica ainda melhor”, é claro que não. Mas, nas pessoas que se infectaram, as vacinas ficam ainda mais potentes. Associam-se esse reforço e a imunidade natural de exposição.
Fernando Spilki, virologista e professor da Universidade Feevale, também relembra a importância do cumprimento do esquema vacinal para impedir os piores desfechos.
— Ainda não temos os dados sobre a quarta dose, mas, até a terceira dose, na população mais vulnerável, um dos melhores índices é de proteção que dura entre quatro e seis meses. Claro que, toda vez que se repete uma vacina, isso tende a se prolongar. Duas doses, no contexto atual, para adultos, têm índice de proteção muito baixo. Por isso, a importância da terceira dose — salienta Spilki.
Além da utilização de boas máscaras em ambientes fechados e aglomerações, Rosana apela para que a população procure a terceira dose — e a quarta, para aqueles que já estão habilitados.
_ O melhor recado que tenho para dar: o esquema básico de vacinação de covid, na minha opinião, são três doses. Duas doses iniciais e pelo menos um reforço depois de quatro meses. Quem não tem isso corre mais risco. Todo mundo terá de ter duas mais uma — recomenda a médica.