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Nova basílica

Como surgiu a lenda da "maldição" da Igreja de Nossa Senhora das Dores

Origem da história está relacionada a um crime que teria ocorrido durante obras de construção do templo católico

16/09/2022 - 10h47min

Atualizada em: 16/09/2022 - 10h48min


Vinicius Coimbra
Vinicius Coimbra
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Os quase cem anos que separam o início das obras da Igreja de Nossa Senhora das Dores e a inauguração do templo foram responsáveis pela criação de uma lenda. Nesta quinta-feira (15), às 19h30min, o prédio localizado no Centro Histórico de Porto Alegre será oficialmente transformado em uma basílica durante uma missa. O título foi concedido pelo papa Francisco neste ano por causa da importância do templo para a Capital e para a Igreja Católica.

A lenda relacionada com a agora basílica tem origem em uma história que envolve um escravizado de nome Josino, que supostamente trabalhava nas obras do templo. Acusado de um crime, ele disse ser inocente, mas foi condenado à morte. Antes de morrer enforcado, Josino teria rogado uma praga que comprovaria sua inocência: as obras no prédio nunca seriam concluídas. Uma pesquisa sobre o assunto mostra que a história tem diversas versões.

No livro Lendas gaúchas, de Pedro Haase Filho, há mais detalhes sobre o tema. Segundo o material, Domingos José Lopes, um senhor de escravos, teria emprestado Josino para trabalhar nas obras. Anos depois, quando a construção avançou, foi decidido que seria feita uma inauguração. Para isso, uma imagem de Nossa Senhora foi instalada no interior do templo "ricamente enfeitada, cheia de joias".

Em determinado momento, teria sumido uma das pedras preciosas que ador­navam a imagem. Houve discussão sobre quem teria sido o autor do crime ou se mesmo a joia tinha chegado ao local. No fim, o sumiço foi associado a Josino. Por isso, Domingos, que tinha a posse do escravizado, deveria escolher a sentença, que foi morte por enforcamento. Segundo o livro, no dia da execução, Josino teria dito:

— Vou morrer porque sou escravo, mas vou morrer inocente. A prova da minha inocência é que as torres da Igreja das Dores nunca vão ficar prontas!

De acordo com o autor, as torres quase concluídas balançaram diversas vezes "e se esfarelaram no chão como castelos de areia". Além disso, "o reboco desmoronava, perdiam-se as plantas, até raios caíam atingindo a construção". A história da "maldição" se espalhou pela cidade e se tornou uma lenda urbana de Porto Alegre desde então.

Em 1901, a praga de Josino teria terminado, quando a Igreja de Nossa Senhora das Dores recebeu um cruzeiro de ferro entre as duas torres. "E uma ironia histórica se completaria: o cruzeiro foi colocado pelo prior da irmandade na época, Aurélio Ve­ríssimo de Bittencourt, negro como o escravo Josino", relata o material do livro Lendas Gaúchas.

Outra versão está no livro de Walter Spalding Pequena História de Porto Alegre, de 1967. Nessa, há a indicação de um crime ocorrido devido ao desvio de material da obra, associado ao escravizado. Josino foi acusado e teria rogado uma praga ao seu senhor: o homem jamais veria o fim das obras das torres da igreja.

Caroline Zuchetti, museóloga da basílica, diz que é preciso ter cautela quanto à história, porque não há registros do fato e são muitas as versões que circulam na cidade. Uma pesquisa em andamento liga Domingos José Lopes, o senhor de escravos, à Igreja das Dores. Um dos escravizados dele teria cometido um homicídio e, por isso, foi condenado pelo crime. Conforme a museóloga, esse episódio ocorreu, mas pode ter causado mudanças na lenda "original".

— Esse crime, mais a demora das obras da igreja, deu bastante substância para o povo elaborar suas histórias. Encontramos muitas versões, muita especulação. A demora nas obras em nada tem a ver com a maldição. A igreja passou por dificuldades financeiras, tivemos duas guerras (Revolução Farroupilha e Guerra do Paraguai). Esses foram os fatores — afirma.

Entre versões diferentes, fatos e especulações, a museóloga assegura que a história é um episódio relevante dentro da trajetória da nova basílica:

—  Hoje nós entendemos a importância que a lenda tem para a identificação da própria igreja dentro da comunidade. Ela se perpetuou, envolve o imaginário popular da cidade, está relacionada com o cidadão de Porto Alegre.

André Ávila / Agencia RBS
Nesta quinta-feira (15), o prédio localizado no Centro Histórico de Porto Alegre é oficialmente transformado em basílica

Quase um século de obras

Porto Alegre tinha 12 mil habitantes quando foi decidida a construção da igreja. Naquele momento, os devotos faziam as celebrações religiosas na Matriz de Nossa Senhora Madre de Deus, atual Catedral Metropolitana.

Participavam das atividades a Irmandade de Nossa Senhora das Dores, que queria ter a própria capela. 

Para levar o projeto à frente, os religiosos juntaram fundos entre 1801 e 1807, assentaram a pedra fundamental da Igreja de Nossa Senhora das Dores, entre a antiga Rua do Cotovelo, atual Rua Riachuelo, e a Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, região onde é o Centro Histórico de Porto Alegre hoje.

O trabalho teve várias fases durante as décadas seguintes; entre as principais estão a inauguração a capela-mor, madeiramento do telhado e a abóbada da nave, a pintura do teto e a construção da escadaria. Cada etapa teve a coordenação de profissionais diferentes.

A obra foi concluída em 1901 pelo arquiteto de origem alemã Júlio Weise, a decoração interna e as talhas dos altares são obra do mestre português João do Couto e Silva. As pinturas dos forros foram feitas por Germano Traub. Há uma discordância quanto ao ano oficial de inauguração. No perfil oficial da basílica o ano indicado é 1903; já a museóloga do templo usa o ano de 1904. 

Em 1938, a pedido da comunidade, o templo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) por seu valor artístico e arquitetônico, na categoria de Sítio Histórico Urbano Nacional.


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