RS que é Exemplo
"Cavalos mecânicos" substituem veículos de tração animal na coleta de lixo em Tapes
Trabalhadores de cooperativa receberam em setembro da prefeitura micro tratores adaptados
Impasse há anos em muitos municípios gaúchos, o uso de veículos de tração animal para a coleta de lixo chegou ao fim em Tapes, no sul do Estado. A solução para retirar as carroças de circulação se deu com a compra, pela prefeitura, de 18 “cavalos mecânicos” — micro-tratores, normalmente usados na agricultura, adaptados com reboques.
A ideia vinha sendo alimentada pelo atual prefeito, Luiz Carlos Coutinho Garcez, há mais de 10 anos. Nas eleições de 2012, chegou a lançar essa proposta em seu plano de governo, mas não venceu a disputa. De volta à prefeitura para um terceiro mandato (o primeiro foi nos anos 1990 e o segundo nos anos 2000), conseguiu pôr em prática.
— Como a nossa cidade é plana, não precisamos de um trator de grande porte para esse trabalho, então compramos esses. Felizmente está agradando a todos. Foi uma saída salomônica: resolvemos o problema da sujeira dos animais nas ruas, os maus tratos deixaram de existir e o trabalho do pessoal da cooperativa continuou — relata Garcez.
Os recicladores contemplados fazem parte da Cooperativa Mista de Carroceiros e Recicladores de Tapes (Coopercare), que atua por meio de convênio com a prefeitura desde 2008 na coleta de lixo da área urbana da cidade. Segundo o presidente da entidade, Flávio Luiz Ribeiro Ferreira, a mudança reduziu o custo e o tempo gastos com manutenção.
— Com o cavalo, a gente levantava às 6h para pegar às 7h30min para trabalhar, porque tinha que ir lá no campo buscar o animal. Com o tratorzinho melhorou pra gente, porque a gente só se levanta de manhã, pega o tratorzinho e sai trabalhando. Fora a economia. Com o cavalo, a gente gastava o dobro — destaca o presidente.
A estimativa de Ferreira é de que o gasto com o animal, que envolvia alimentos e ferraduras, por exemplo, era de cerca de R$ 400 por mês. Com o cavalo mecânico, basta o diesel e uma eventual troca de pneus, com custo que gira em torno de R$ 120 mensais. A troca gera a expectativa, entre os cooperativados, de que o lucro seja maior.
A economia é ressaltada também por Robison da Silva, que trabalha há nove anos na coleta e faz a supervisão dos recicladores:
— Gostei. Cavalo eu não quero mais, Deus o livre. A gente gastava bastante com o cavalo. Para cuidar do cavalo em dia de chuva, é tudo ruim.
Com a mudança, 36 cavalos foram aposentados. A prefeitura não requisitou a entrega dos animais, como já foi feito em outros municípios — muitos dos recicladores os venderam ou os levaram para propriedades rurais. O investimento municipal foi de aproximadamente R$ 200 mil, entre a compra dos tratores e dos reboques. Dois veículos foram adquiridos no ano passado, para serem testados, e os outros 16 foram entregues em setembro deste ano. Também foi feita uma capacitação com os 18 trabalhadores que fazem a coleta para dirigir os veículos.
— Houve uma autoescola, demos a orientação. Com cada um que ganhou o tratorzinho, ia alguém que já sabia usar, para eles irem se adaptando, porque eles têm rotas fixas. Todos se adaptaram muito bem — comenta o cooperativado.
Uma das recicladoras é Luciara Ribeiro Ferreira, que já vendeu um de seus cavalos e pôs o outro também à venda. Considera que a substituição pelas tobatas, como também são conhecidos esses micro-tratores, deve ajudar as 34 famílias que trabalham na cooperativa a melhorarem de vida.
— Está sendo muito bom, a gente já se adaptou bastante. É melhor para se locomover e é mais rápido. A tendência é só melhorar — comemora Luciara.
Organizada, a trabalhadora possui um grupo de WhatsApp com moradores da região da cidade em que faz a coleta. O grupo é usado para avisar, em caso de algum imprevisto, e também para pedir que eles recolham em um saco materiais como grama e galho, depois da poda — os recicladores recebem um valor extra da prefeitura para fazer esse serviço.
— Quando tem lugar suficiente na caçamba, faço toda a minha rota, passo de volta e pego os sacos com as podas. Se é grama, já enrolo ou coloco numa bag. A gente se comunica bastante, eu e os moradores. São umas pessoas bem boas, bem queridas — conta a recicladora, lembrando que, no primeiro dia em que saiu com o trator, demorou a voltar para a cooperativa, pois todos a paravam para ver de perto como era o veículo.
Beleza e limpeza
Com uma população de cerca de 17 mil habitantes, Tapes tem o tamanho perfeito para o uso dos cavalos mecânicos na área urbana — na rural, são utilizados caminhões da prefeitura. No entanto, cidades maiores, como Montenegro, já teriam buscado informações com o município para saber se a implementação seria possível em outras realidades. No entendimento do prefeito de Tapes, em cidades de porte médio ainda seria viável o uso do veículo.
— Uma cidade de grande porte teria seus problemas, mas em uma de médio porte, principalmente nas vilas, isso é interessante. Em uma cidade com declive, talvez fosse necessário colocar um trator com mais força. Foi uma feliz ideia. Em uma cidade pequena e com poucos recursos, temos que ser criativos — comenta Garcez.
Quem comanda a implementação da mudança é o secretário de Meio Ambiente, Eliézer Munhoz. O gestor salienta que a possibilidade é debatida há anos com os recicladores e veio como parte de um projeto para gerar renda para os catadores.
— Desde 2008, quando a cooperativa foi fundada, a ideia sempre foi trazer renda para o pessoal das carroças e os recicladores, e isso tem acontecido cada vez mais. Agora, o projeto continua, para estabelecer na comunidade esse senso ambiental, de separar o lixo e cuidar dos animais — pontua o secretário.
O próximo passo deve ser dado no ano que vem: implementar a coleta seletiva em Tapes. Para isso, a prefeitura já tem, com os tratores, a infraestrutura necessária. O que falta é um trabalho de conscientização da população, que está sendo iniciado nas escolas.
— Vemos que os alunos estão educando os pais. Eles veem na escola como deve ser feito e depois cobram que o mesmo seja feito em casa. É um processo ostensivo para disciplinar a população — afirma Garcez.
Além do fim do uso de veículos de tração animal e da implementação da coleta seletiva, o município tem criado hortas comunitárias em comunidades que demonstram interesse em ter um espaço como esse, e premiações para quem cuida de seus jardins e os mantém limpos.
— Quando entramos em uma cidade com jardins bem cuidados, é outro visual. É comum irmos para a Serra e ficarmos maravilhados com a beleza de cidades como Nova Petrópolis, Gramado, Canela. Por que não fazer o mesmo aqui? — questiona o prefeito.
Os cavalos mecânicos foram adquiridos através de recursos provenientes do Fundo Municipal de Proteção ao Meio Ambiente e com verbas próprias da prefeitura.