Transporte público
Antes prevista para 2022, privatização da Carris deve ficar para o ano que vem
Poder público da Capital tenta superar cumprimento de etapas para desmunicipalizar empresa de ônibus no menor prazo legal possível
A prefeitura de Porto Alegre trabalha para acelerar o trâmite das etapas em seu projeto de privatização da Carris, única empresa pública de ônibus da Capital. Com avaliações patrimoniais concluídas ou próximas da efetivação, o Executivo municipal pretende encaminhar o mais breve possível sua proposta de edital para aprovação do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). No entanto, a projeção é de que o documento seja analisado somente no início do ano que vem e, caso aprovado, o edital poderá ser apresentado à sociedade e aos potenciais investidores entre março e abril de 2023, e o leilão deve ficar para o segundo semestre. Antes, a previsão era de que a venda ocorresse ainda este ano.
Apesar de a companhia de transporte estar constituída como uma sociedade de economia mista, o controle acionário da Carris pertence à prefeitura de Porto Alegre, que detém praticamente a totalidade das ações. A empresa é executora direta da prestação de serviços de transporte coletivo aos porto-alegrenses. Transportou pessoas, conforme relatório da própria Carris, em 3.304.418 deslocamentos realizados entre janeiro e junho deste ano. O faturamento nos últimos 12 meses foi de R$ 114.156.895,68. A receita líquida em junho de 2022 superou R$ 10,54 milhões.
Atualmente, é responsável por 21 linhas de ônibus em operação na Capital e 549 paradas de ônibus, representando 24,7% do sistema. Tal abrangência se deve, em parte, pela manutenção das importantes Linhas Transversais (T1 ao T13), as quais percorrem longos trechos urbanos, cruzando diversos bairros para fazer a conexão entre Norte, Sul, Leste e região central.
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No caso da privatização, o mesmo serviço, em tese, deverá ser prestado por uma concessionária, que poderá assumir a operação dos coletivos por 20 anos, de acordo com a proposta da administração municipal. Além disso, a mesma empresa deverá comprar o patrimônio da Carris, composto pela propriedade onde funciona sua sede e por veículos e equipamentos. A frota possui 244 veículos, com idade média de uso em torno de oito anos. A projeção é de que sejam necessários 98 novos ônibus para manter a frota adequada à legislação até 2034.
— Serão dois objetos em um único edital, pelo qual vamos vender a empresa e conceder 20 anos de operação. São elementos indissociáveis. Estamos buscando ser rigorosos nas avaliações econômicas para que o processo seja encaminhado ao TCE com mínimas chances de apontamentos para correções. Queremos aprovar o modelo e cumprir o trâmite no menor tempo possível — pontua a secretária de Parcerias da Capital, Ana Pellini.
Além dos bens patrimoniais, estão em análise itens importantes. Um deles é um potencial passivo ambiental que deverá integrar o eventual processo de privatização. Trata-se da suspeita de contaminação do solo no terreno da sede, localizado no bairro Partenon, onde funcionou um posto de combustíveis cuja desativação teria ocasionado a deterioração de tanques de armazenamento e, posteriormente, vazamento de poluentes.
A prefeitura quer descartar ou confirmar e dimensionar o dano para incluir o impacto de recuperação do ambiente eventualmente afetado na futura negociação.
— Não sabemos qual é a amplitude desse dano nem mesmo se temos uma questão ambiental concreta. Por isso, está em andamento uma perícia que vai nos trazer essas respostas — pondera a secretária.
Empresa tem mais de 1,1 mil empregados
Outro item relevante acerca da proposta de privatização da Carris são os ativos e eventuais passivos de ordem trabalhista. A empresa, segundo a prefeitura, reduziu seu corpo funcional em 370 trabalhadores, os quais aderiram ao plano de demissão voluntária promovido pela empresa. Esse grupo não produzirá impactos financeiros futuros, pois abriu mão de contestar a relação contratual com a adesão ao programa.
Contudo, restaram 1.198 funcionários na ativa. Somente no corpo operacional, composto por motoristas, cobradores, mecânicos e demais técnicos de manutenção, são 963 empregos. Além deles, trabalhadores da administração, fiscalização e gestão operacional somam mais 235 postos de trabalho existentes.
— Os trabalhadores estão organizados e acompanham esse processo desde o início. Também estamos aguardando o lançamento do edital para sabermos quais são as reais intenções da administração. Daí, vamos poder formar uma posição sobre a privatização — alerta Marcelo Weber, 44 anos, 18 deles dedicados à profissão de motorista.
Integrante de grupo organizado para mobilizar a ação de funcionários, Weber alerta que podem ocorrer protestos, mas admite que parte dos funcionários não se opõe totalmente à privatização, considerando razoável a eventual migração do contrato para uma futura concessionária. Ele afirma que a principal preocupação da maioria é com a manutenção dos empregos.
Modelagem define que passivos seriam encargos públicos
A modelagem preliminar com a qual trabalha a prefeitura define que o "processo passivo trabalhista e ambiental fica a cargo do município". Trecho de comunicado elaborado pelo Executivo também indica que será "definido no edital critério de ajuste no corpo funcional, cujo ônus será bancado pelo município."
Essa versão, no entanto, tinha como base a projeção de concessão por 20 anos a partir de 2016, terminando em 2036. Portanto, poderá ser revisada e atualizada, assim como as avaliações econômicas atuais irão substituir cálculos superados em virtude das diversas alterações de cenário ocorridas nos anos recentes.
Segundo a secretária de Parcerias da Capital, a expectativa é de que o exame do TCE-RS ocorra em um prazo de três meses, permitindo a publicação do edital até abril do ano que vem. Com isso, o leilão da Carris poderá ocorrer entre outubro e novembro de 2023.
Primeiro mulas, depois bondes elétricos
Em 1872, o Brasil ainda era uma monarquia regida pelo imperador Dom Pedro II. A sociedade enfrentava a questão abolicionista e estava ensaiando passos na direção de se tornar uma república. Porto Alegre completava cem anos. Uma cidade ainda jovem, que contava com uma população de 44 mil habitantes circulando por ruas ainda precárias. Uma viagem de ida e volta dos locais mais distantes até o Centro poderia levar um dia inteiro.
Foi por um decreto assinado por Dom Pedro II que esse cenário se alterou de forma significativa. Ele concedeu "autorização para funcionar" à Carris de Ferro Porto-Alegrense (Decreto nº 4.985). "A partir daí, o transporte coletivo da cidade foi evoluindo, dinamizando o contexto urbano e alterando o aspecto das ruas e até mesmo dos futuros bairros", descreve o texto do velho portal da Carris.
Inicialmente, a Carris operou bondes tracionados por mulas. Em 1895, ocorreram em Porto Alegre as primeiras experiências com a eletricidade. Em 1906, as duas empresas de transporte de bondes – Carris de Ferro e Carris Urbanos, fundada em 15 de janeiro de 1893 – se uniram e formaram a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense, responsável pelo transporte elétrico e também pelo fornecimento de energia para a Capital. Em 1908, passaram a circular os primeiros bondes elétricos, nas linhas Menino Deus, Glória, Teresópolis e Partenon.