Primeira Pauta
Após décadas de mobilização popular, Territórios Negros são reconhecidos como patrimônio cultural de Porto Alegre
Lugares como a Ponte de Pedra receberão elementos visuais com informações sobre a presença preta nesses locais ao longo da história
Esta reportagem foi produzida por Lucas Tillwitz, aluno de Jornalismo na UFRGS e vencedor da edição 2022 do projeto Primeira Pauta RBS, uma iniciativa do Grupo RBS.
Quem passar por endereços como o Mercado Público e o Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre, terá a chance de entender melhor a importância da herança negra para a cidade. Isso porque a Câmara Municipal aprovou, em novembro deste ano, o projeto de lei que integrou 22 lugares marcados pela presença de pessoas negras ao patrimônio cultural da Capital. A lei é de autoria das vereadoras Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PcdoB) e Karen Santos (PSOL) e segue para sanção do prefeito Sebastião Melo.
Chamados Territórios Negros, os 22 locais se caracterizam por uma forte participação dessa população nesses lugares ao longo do tempo, segundo Daniele Machado Vieira, geógrafa e pesquisadora da presença negra nos espaços urbanos.
— Eles podem ser espaços de trabalho, como o antigo Largo da Quitanda, atual Praça da Alfândega, espaços de festividades e lazer, como a Redenção, ou espaços residenciais, como a antiga Colônia Africana, atual Rio Branco e Bom Fim — afirma Daniele.
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Para a pesquisadora, o reconhecimento a esses espaços permite à população conhecer a contribuição de negras e negros à história da Capital.
— Esses territórios revelam uma cidade diversa, formada por vários grupos. Porto Alegre é, sim, açoriana. Mas é também negra, é indígena. Porto Alegre foi construída por muitas mãos — ressalta.
Para a vereadora Karen Santos, a aprovação do projeto de lei, além de resgatar essa história, representa avanços jurídicos e políticos.
— O que nós fizemos foi gravar esses territórios como patrimônio cultural, permitindo assim não só sua valorização, mas também dando mais proteção jurídica frente a processos de especulação imobiliária — destaca a vereadora.
A proposta ainda determina que o poder público do município deve atuar para dar visibilidade aos territórios negros por meio do desenvolvimento de atividades culturais, educacionais e turísticas nesses espaços, de sua identificação no mapa oficial da cidade e da instalação e manutenção de elementos visuais que informem sobre a presença de negros ao longo da história nesses pontos da cidade.
Busca pelo resgate dos territórios negros é antiga na Capital
A responsável pela Coordenação de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) de Porto Alegre, Adriana Santos, explica que a demanda existe ao menos desde a década de 1970, com o Grupo Palmares, de Oliveira Silveira. Na década de 2000, projetos como o Museu do Percurso do Negro em Porto Alegre e o Territórios Negros: Afro-Brasileiros em Porto Alegre foram desenvolvidos em parceria com órgãos oficiais.
Segundo Adriana, a recente aprovação da proposta só foi possível devido à maior representatividade da parcela negra da população entre os atuais legisladores de Porto Alegre.
— O projeto de lei é fruto, sim, desses movimentos todos, mas principalmente da atuação de parlamentares preocupados em visibilizar essa temática. A existência desses lugares não é novidade. O que é novidade é colocar na agenda porto-alegrense a presença negra nesses espaços — avalia Adriana.