Exemplo de determinação
Filho de ambulantes, ex-flanelinha e catador: a história do empreendedor que administra quiosques na Orla
Josué Oliveira Silva possui três pontos comerciais e 10 funcionários; ele conta que acompanhou os pais no trabalho desde cedo
Aos 29 anos, Josué Oliveira Silva, morador de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, tem muita história para contar. Filho único, os pais sempre atuaram como vendedores ambulantes na orla do Guaíba. Não tinham com quem deixá-lo durante o trabalho. Dessa maneira, levavam o menino junto. O vaivém de clientes em busca de saborosos churros com doce de leite e de bebidas refrescantes nos dois carrinhos da família despertou a paixão do garoto pelo comércio.
— Meus pais trabalham há 30 anos como ambulantes na Orla. Desde os meus quatro anos, me levavam junto. Fui vendo eles trabalharem e gostei — conta Josué, que estudou apenas até a oitava série na Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint Hilaire, no bairro Lomba do Pinheiro.
No último mês de dezembro, ele inaugurou o Tropical Bar e Lancheria, um quiosque no trecho 1 da Orla que oferece drinks, sucos naturais, água de coco, petiscos e lanches.
Josué já possuía outro quiosque, chamado Oliveira Bar e Lanches, também na Orla, porém na parte inferior e de frente para o Guaíba. Tem ainda uma tenda de coco, localizada perto do Anfiteatro Pôr do Sol. Os três pontos ficam na Orla, onde o garoto cresceu, conheceu a esposa Wanessa Marques da Silva, 34, e prosperou. E tudo isso a custo de suor, muito suor. E um pouco de sono.
— Não sei se é bom botar na matéria, mas eu não durmo aos finais de semana — revela o empreendedor, justificando que os motivos são o excesso de trabalho e o movimento intenso da clientela.
A trajetória de Josué é recheada de dificuldades. Ele passou a infância em Porto Alegre, onde morava com os os pais. Anos mais tarde, mudou-se com a mulher para Eldorado do Sul. O primeiro passo em direção a um futuro melhor começou com oportunidades retiradas de dentro das lixeiras.
— O negócio de catar latinha foi mais para ter uma rendinha para comprar coisas para mim — explica, citando que também auxiliava os pais empurrando os carrinhos.
Dos 12 aos 15 anos, guardou o dinheiro que ganhava vendendo as latas retiradas do lixo e recolhidas do chão. Com o passar do tempo, decidiu ir trabalhar como flanelinha de carros. Sempre na região da orla do Guaíba.
— Fui praticamente criado na Orla — reflete, não sabendo dizer quanto juntou com a venda de latinhas ao longo dos anos, mas garante que foi pouco.
Josué diz que aprendeu a aproveitar as chances desde cedo. Conta que nos eventos que atraíam público à Orla, ele se tornava flanelinha temporário.
— Na época do Mix Bazaar (feira que une moda, música eletrônica e eventos culturais), eu conseguia ter uma rendinha. Fazia um pouquinho de tudo na Orla para conseguir dinheiro — comenta, salientando que não podia ficar parado.
O tempo foi passando e, em parceria da prefeitura com a Gatorade, foram criados quiosques. A família de Josué começou a trabalhar em uma das barraquinhas.
— Toda a renda que a gente arrumava era para a nossa família. Sempre foi esse o meu pensamento: se eu ajudasse eles, o dinheiro retornava para mim em roupas e em outras coisas — conta.
Josué trabalhava com a mãe em um dos pontos de comércio. Pela ajuda, ela lhe pagava salário. Quando houve remanejo dos comerciantes em função da remodelação da Orla, o ponto da família foi para perto do Anfiteatro Pôr do Sol. Naquele momento a mãe deixou o negócio e ficou tudo nas mãos do filho.
— Os primeiros meses que trabalhei no anfiteatro foram cruéis. Trabalhava lá o dia inteiro, gastava e não tirava nem para a gasolina. Até fazer uma clientela foi difícil — lembra, ponderando que após um ano o cenário melhorou.
Nessa época, Josué conta que estava se equilibrando financeiramente. Foi naquele período também que conheceu a esposa, que trabalhava como funcionária em outro quiosque na Orla. Então, o destino pregou uma peça nele. Nele e no resto do planeta. Começou a pandemia da covid-19.
— Passei sete meses em casa com a minha esposa. Gastamos praticamente tudo o que tínhamos conseguido juntar — lamenta.
Ele considera a pandemia o pior momento de sua vida. Diz que a situação quase o levou à falência.
— Nos olhamos e dissemos: "Se a gente não voltar a trabalhar e abrir de novo, não teremos dinheiro para pagar as contas" — relembra.
Era preciso começar tudo praticamente do zero. Josué pegou um equipamento de fazer crepe do pai Jorge, que ainda atua como ambulante, e foi à luta com a esposa. Voltaram à Orla e começaram a vender crepe, desta vez perto da Rótula das Cuias. A ideia era juntar dinheiro para reabrir o quiosque no Anfiteatro Pôr do Sol.
Em seguida, a prefeitura contemplou Josué com um quiosque, que virou o Oliveira Bar e Lanches, em função de a família trabalhar há décadas na área.
Pouco depois, o quiosque localizado no Anfiteatro Pôr do Sol teve de ser fechado. Mas, em seguida, Josué conta que ficou sabendo que a GAM3 Parks, concessionária que administra o trecho 1 da Orla e o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, pretendia abrir novos quiosques.
— Fui lá conversar, contei a minha história e eles gostaram. Então fechamos contrato — relata.
Desde dezembro, o Tropical Bar e Lancheria está aberto durante a semana das 10h até a meia-noite. Aos finais de semana, começa ainda mais cedo, às 8h. Aos domingos, a partir das 18h, ainda acontece uma roda de samba no local.
Agora, o empreendedor administra três pontos e conta com 10 funcionários. Mas garante que ele próprio e a esposa colocam a mão na massa diariamente. Questionado sobre o que pensa das transformações da Orla, Josué compara o passado e o presente:
— Desde moleque, sempre andei sozinho pela Orla. Naquele tempo, não era feio, mas era diferente. Agora ficou mais iluminado e seguro andar por aqui.
Josué conta que quer mais. E compartilha qual é o seu sonho.
— Quanto maior a gente fica, maiores são as oportunidades. Estou procurando sócios para outros empreendimentos — antecipa, acrescentando: — Tudo isso graças à Orla. Não foi nada fácil, tudo foi muito suado. Sempre achei que aqui era o meu lugar.
Na tarde desta quarta-feira (4), o ex-catador de latinhas e flanelinha atendia clientes que estavam em busca de uma cerveja gelada. A temperatura nos termômetros digitais era de 36ºC. Ao lado dele, a esposa ajudava e elogiava.
— É um guerreiro.
Modesto, Josué retrucava:
— Sem ela não conseguiria fazer nem a metade do que fiz.