Zona Leste
Beco da Morte: de olho nas pedras, estado de alerta é constante
Trajeto entre as ruas Alfazema e Seis, no Morro Santana, é considerado de risco "muito alto" para corrida de detritos, deslizamento planar e queda de blocos, de acordo com relatório da prefeitura
— O que eles estão fazendo aqui? — pergunta uma menina de sete anos.
— Estão fazendo um trabalho para ver condições de uma moradia melhor para a gente — responde a educadora social Edina Graziela Mattos dos Santos, mais conhecida como Grasy, 42 anos.
O diálogo ocorreu no dia em que um grupo de alunos da pós-graduação de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fazia uma visita guiada por servidores do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) ao Beco da Morte, na zona leste de Porto Alegre. Beco da Morte é como é chamado o trajeto entre as ruas Alfazema e Seis, no Morro Santana. O local é considerado de grau "muito alto" para corrida de detritos, deslizamento planar e queda de blocos, de acordo com relatório da prefeitura, divulgado no mês passado, o primeiro elaborado desde 2013, quando 119 pontos haviam sido mapeados. Atualmente, são 142.
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O apelido do trecho, no entanto, não faz referência a mortes causadas por desastres naturais, mas à criminalidade.
— Nossa maior preocupação aqui é o desmoronamento. Eu me preocupo muito mais porque muitas dessas famílias são de educandos meus — detalha a educadora.
Da Associação Madre Teresa de Jesus, na Rua Alfazema, onde Grasy trabalha, até sua casa, são poucos metros. O caminho é composto por subidas e descidas, mas o que demanda maior atenção são as pedras. No trajeto, ela relata alguns costumes do dia a dia, como ir trabalhar de chinelos quando chove.
— À noite, eu nem ando assim (como de dia), ou, se tenho que sair, vou com a lanterna, porque morro de medo de cair com tudo. Já cai outras vezes — diz.
Um dos fatores que agrava o risco de deslizamentos e erosão é toda a água das casas ser despejada diretamente no solo. Grasy aponta para essas vasões enquanto mostra o caminho.
— Ninguém pede para viver na situação em que está. Há 20 anos, eu vim de Eldorado do Sul, e nunca tinha visto situações assim. Quando eu vim morar para cá, tinha casas marcadas com numerações vermelhas, que já eram áreas de risco, e as pessoas vieram construindo e construindo — explica.
Estar em alerta é um estado constante para Grasy. Há poucos dias, um estrondo atrás de sua casa causou medo, mas não passou de um susto:
— Foi um vizinho que estava fazendo um buraco para construir também, porque tem mais casas sendo construídas. Mas dá muito medo.
A moradora é um dos contatos de Tatiana Valenci, coordenadora da Subprefeitura Leste, para possíveis emergências. Os gestores das subprefeituras fazem pontes entre lideranças, moradores, agentes públicos regionais, 156 e Defesa Civil.
— Geralmente, as demandas chegam pelos moradores e por lideranças locais, principalmente na parte mais baixa da região, onde tem uma bacia que acaba represando água. Mas, nesta região, por causa do deslocamento de pedras, também acionamos alguns moradores para saber se sentiram algo diferente ou se está tudo bem. Algumas demandas chegam pelo 156, porta de entrada da prefeitura. Mas esse contato com o pessoal da região é para saber se precisam de um auxílio da prefeitura — explica Tatiana.
Campo propício para pesquisa
Acompanhados do professor de Geografia Luis Eduardo Robaina, o grupo de pós-graduandos da UFRGS visitava o Beco da Morte para um trabalho da disciplina no mesmo dia em que a reportagem esteve no local. Os estudantes que não conheciam a região opinavam e questionavam as ações do poder público aos representantes da secretaria de Habitação e Regulação Fundiária (SMHARF).
— Temos países diferentes dentro de Porto Alegre. Tem Suíça no Moinhos de Vento e tem qualidade de vida parecida com a do Sudão aqui. Acho que essa desigualdade é a principal impressão — afirma o pós-graduando Felipe Casanova.
O colega Erick Vieira complementa:
— Também vemos a ineficiência da prefeitura em colocar em prática alguma coisa que reverbere para a população. A gente fala em Porto Alegre, mas é alegre para quem?
Em conversa com os alunos, o coordenador da secretaria, Diego Dewes da Silva, explica que, por ser uma área de risco, é difícil o uso da área, e, por isso, ela fica suscetível a uma ocupação.
— Uma das estratégias do Demhab é evitar os reassentamentos. Por exemplo, se para construir cem casas o gasto é de R$ 10 milhões e com esse valor conseguimos fazer uma obra de remediação e mitigação da área degradada, a opção é a obra. Para captar recursos externos, são necessárias tecnologias mais verdes, pensando na sustentabilidade, evitando reassentamentos e remoções, estamos aderentes a isso; como fazer é o próximo passo — diz o coordenador.
Prioridade entre tantos riscos
Um grupo de trabalho composto por Demhab, Defesa Civil, Procuradoria-Geral do Município (PGM), Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE) e Secretaria Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV) foi criado para discussão e propostas de estratégias e ações de enfrentamento às áreas de risco de Porto Alegre. Nas reuniões, foram levantados planos emergenciais de prevenção, de mitigação, de remoção e de resposta.
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Conforme o secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária, André Machado, algumas medidas já estão sendo trabalhadas, como a comunicação nas comunidades. A ideia é apresentar o relatório para as pessoas e abrir um diálogo para que soluções sejam sugeridas. Machado também cita o aprimoramento de tecnologias que oferecerem dados mais precisos sobre meteorologia e incidência de eventos, a partir de prognósticos.
— Também já estive em Brasília para falar com a bancada gaúcha sobre a necessidade de uma previsão do tempo mais precisa para a Região Metropolitana de Porto Alegre. Hoje, o radar que temos é só em Canguçu. Isso beneficiaria todos os municípios da Grande Porto Alegre — afirma.
Para tirar do papel e partir para ações, Machado explica que foi preciso selecionar áreas de maior risco listadas pelo estudo:
— Nossa prioridade é a manutenção dos lugares onde as pessoas estão. Fizemos o corte dentre as 142 áreas, separamos as 51 de muito alto risco, que serão as primeiras que iremos trabalhar. De grupo, recortamos aquelas onde existe o risco de deslizamento, corrida de detritos, enxurrada e queda de blocos. Ou seja, tiramos as áreas que têm inundações neste momento, pois o risco de vida nesses lugares é menor, se comparado ao risco de uma rocha cair em cima de uma casa ou, como foi no Arroio Moinho, a enxurrada. O nosso principal mantra é salvar vidas.
Entre os pontos destacados para as primeiras mitigações, o secretário mencionou a Rua da Represa e o Beco da Morte, ambos revisitados pelas equipes recentemente.
— No Beco da Morte, vimos famílias que têm mangueira que joga água embaixo de suas casas, fazendo com que aumente a erosão. Morar em morro é algo que acontece no mundo inteiro, mas é preciso organizar o que é morar nessas regiões — afirma Machado.
Entenda os tipos de risco para esta região
- Corrida de detritos — Ocorre quando, por índices pluviométricos excepcionais, rocha/detrito, misturado com a água, tem comportamento de líquido viscoso, de extenso raio de ação e alto poder destrutivo.
- Deslizamentos — São movimentos rápidos de solo ou rocha, apresentando superfície de ruptura bem definida, de duração relativamente curta, de massas de terreno geralmente bem definidas quanto ao seu volume, cujo centro de gravidade se desloca para baixo e para fora do talude. Frequentemente, os primeiros sinais desses movimentos são a presença de fissuras.
- Queda de blocos — As quedas de blocos são movimentos rápidos e acontecem quando materiais rochosos diversos e de volumes variáveis se destacam de encostas muito íngremes, num movimento tipo queda livre.
Fonte: Tabela de Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade)