Eu Sou do Samba
No retorno da coluna "Eu Sou do Samba", Neguinho da Beija-Flor fala da emoção de ser homenageado pela Vila Isabel, de Viamão, no Carnaval de 2024
Colunista Alexandre Rodrigues escreve sobre Carnaval e samba todas as sextas-feiras
“Olha a Beija-Flor aí, gente!” Difícil lembrar do grito de guerra da escola de Nilópolis sem vir automaticamente à cabeça a voz de Neguinho da Beija-Flor, 73 anos. Com mais de cinco décadas dedicadas ao Carnaval carioca, o cantor e compositor está se preparando para, em 2024, ser também o Neguinho da Vila Isabel. Ele será homenageado pela atual vice-campeã da série Ouro do Carnaval de Porto Alegre e desfilará pela primeira vez na passarela do Complexo Cultural do Porto Seco. A escola de Viamão chega para defender o enredo Neguinho do Mundo, Flor que a Vila Beija.
– Tínhamos a ideia de falar sobre um artista, fazer uma homenagem. Estávamos com dois nomes para tentar contato. Mas nosso diretor Paulo Feijão sugeriu o Neguinho da Beija-Flor. Ele passou a ser nossa prioridade por ser um legítimo representante da nossa cultura, uma estrela negra que tem no samba e no Carnaval sua raiz e legitimo reconhecimento. A Unidos de Vila Isabel prepara um grande desfile para 2024. Após o vice-campeonato neste ano, a comunidade sonha com o título do Carnaval de Porto Alegre. Além da presença do Neguinho, teremos outras surpresas. Será um grande espetáculo – afirma o presidente da escola, Jorge Correa (Preto).
Leia mais
Veja como foi a primeira noite de desfiles das escolas da série Ouro do Carnaval de Porto Alegre
Como foi a segunda noite de desfiles das escolas da série Ouro do Carnaval de Porto Alegre
Conheça os integrantes da nova Corte do Carnaval de Porto Alegre
Tive a oportunidade de conversar com o Neguinho para saber o que ele espera desse momento, e já aproveitei para perguntar sobre carreira e a visão dele a respeito do atual cenário do Carnaval.
Curiosidade de bastidores: combinei a entrevista com o próprio Neguinho, que, ao contrário de muitos artistas inacessíveis, se mostrou totalmente disponível do início ao fim. Minha total gratidão.
Como você descreve a importância de ser homenageado pela Vila Isabel?
Me sinto privilegiado e realizado em ser enredo num Estado que batalha tanto pelo direito de fazer Carnaval. Há muita luta em Porto Alegre para que os desfiles das escolas de samba sejam realizados. Estou extremamente feliz. Já fiz vários shows (na Capital gaúcha), mas nunca estive no Carnaval daí, pois o compromisso que tenho na avenida do Rio de Janeiro é muito grande, toma todo o meu tempo. Vai ser a primeira vez, o povo é muito acolhedor. Obrigado Vila (Isabel) por essa honra.
Desde a sua estreia na avenida (na década de 1970) até hoje, o que pode destacar como mudanças mais relevantes do Carnaval?
Uma das grandes mudanças foi no sistema da composição dos sambas-enredo. Antigamente, o samba era escrito por compositores da agremiação. Hoje, qualquer pessoa pode concorrer, não é mais tarefa exclusiva da ala de compositores. Também mudou a forma como são avaliadas as escolas de samba, com destaque para os integrantes do júri. O samba é de origem negra: podemos destacar Tia Ciata, Donga, Sinhô, Pixinguinha e muitos outros. Mas não temos julgadores negros, principalmente no Rio de Janeiro (na cidade, 36 jurados são responsáveis por avaliar as escolas de samba do Grupo Especial). Na concepção de quem faz o Carnaval hoje parece que o negro não entende mais de samba.
Em fevereiro deste ano, Ludmilla estreou como intérprete da Beija-flor ao seu lado. O convite significa uma confiança sua na nova geração do samba?
O objetivo do meu convite para que a Ludmilla participasse do Carnaval comigo foi porque ela representa o jovem na música. Tenho uma filha de 14 anos e, quando perguntei qual a opinião dela caso eu convidasse a Ludmilla, foi super favorável. Apesar de atuar em outra modalidade, que é o funk, ela é uma excelente sambista. A minha intenção foi que ela agregasse juventude e, consequentemente, trouxesse mais adesão ao Carnaval. O samba é o segmento mais antigo, agoniza mas não morre. Precisa dessa renovação.
Você tem uma carreira marcada por inúmeras conquistas. O que ainda almeja?
Quero dar prosseguimento na minha trajetória de levar o samba para fora do Brasil. Todo ano eu faço isso. O objetivo é, em 2024, passar uma boa temporada na Europa.
Peço licença
Queridos leitores, é com muita honra que me apresento a vocês. Prazer, sou Alexandre Rodrigues, e a partir de hoje comandarei todas as sextas-feiras esta coluna dedicada ao samba de Porto Alegre e Região Metropolitana. Aqui, vocês vão ficar por dentro de notícias, agenda de eventos, novidades das escolas, além de desfrutar de entrevistas e matérias especiais.
Um aspecto que sempre chamou a minha atenção no mundo do samba é a reverência aos que fizeram história. Assim, gostaria de prestar uma pequena homenagem a duas pessoas que os leitores conhecem bem: os jornalistas Renato Dornelles e Liliane Pereira. Renatinho comandou por anos no DG a coluna pioneira, Chora Cavaco. Tempos depois, Lili lançou e conduziu Eu Sou do Samba.
– O Carnaval gaúcho é uma realidade e o Diário Gaúcho é uma grande prova disso. Um editor de um grande jornal brasileiro, em visita ao Diário, se surpreendeu ao saber que mantínhamos uma coluna sobre Carnaval o ano inteiro. Tempos depois, soube que o mesmo editor desafiava seus repórteres: “Se um jornalista consegue manter uma coluna de Carnaval o ano inteiro em um jornal gaúcho, nada é impossível”. Pois o DG e eu mostramos que existe Carnaval e jornalismo carnavalesco por essas bandas – lembra Renatinho.
– Estar no time do Diário Gaúcho falando de samba e de Carnaval foi como fazer uma autobiografia. Foi dentro das escolas de samba que comecei a curar as feridas causadas pelo racismo, e compreender quem eu era. Para além das minhas questões pessoais, o Carnaval é uma forma de aquilombamento e de disseminação de conhecimento – declara Liliane.
Tive o prazer de conviver com ambos. Espero transmitir da melhor forma tudo que absorvi deles para dar continuidade a esta bela missão.