Desabastecimento
Falta de água: a realidade enfrentada por moradores e o que diz o Dmae sobre um problema histórico da Capital
Uma das obras apontadas como solução deve ser entregue apenas em 2026; bairros das zonas Leste, Sul e Extremo-Sul são os mais afetados
O verão porto-alegrense chegou acompanhado, mais uma vez, dos episódios de falta de água. Um problema que já faz parte da rotina de milhares de pessoas, principalmente de comunidades mais carentes. Basta o consumo aumentar por causa do calor que o desabastecimento volta a ser registrado em diversas partes da cidade.
A Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, é uma dessas partes. De acordo com estimativas da prefeitura, o bairro tem 61 mil habitantes e ocupa uma área de quase 30 mil metros quadrados - um pouco maior que a cidade de Esteio, na Região Metropolitana.
Desde que se mudou para a região, há aproximadamente 15 anos, Vângela Maria Freitas Garcia não sabe o que é consumir água sem preocupação. Poupar faz parte do cotidiano, pois nunca se sabe quando ela irá faltar.
— A gente não esbanja água, não bota água fora. Nem piscina, essas coisas para deixar com água, a gente tem. Como se diz, água é vida. Poder tomar um banho, que coisa bem boa. Recém tomei, que coisa bem boa. A água de chuveiro faz falta, né — comentou a mulher.
No começo do mês, a Lomba foi uma das áreas prejudicadas por um desabastecimento que durou mais de uma semana. Um serviço programado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), em 12 de dezembro, somado a um desligamento operacional de energia elétrica pela CEEE Equatorial no mesmo dia e ao elevado consumo de água na ocasião, teria desarranjado o sistema abastecido pela Estação Belém Novo.
Além da Lomba do Pinheiro, foram afetados os bairros Aberta dos Morros, Agronomia, Belém Novo, Belém Velho, Boa Vista do Sul, Campo Novo, Cascata, Chapéu do Sol, Espírito Santo, Extrema, Hípica, Ipanema, Lageado e Restinga.
Um conjunto de ações foi anunciado pela prefeitura para minimizar os efeitos do problema. Entre elas: manobras hidráulicas e uso de caminhões-pipa.
Obra principal deve ser concluída em 2026, diz Dmae
No entendimento da gestão atual do Dmae, esse problema histórico se mantém devido à falta de investimentos do próprio órgão ao longo de vários anos. À medida que o tempo passa, as dificuldades para manutenção do sistema aumentam, considerando o crescimento desordenado da cidade nas área formais e informais.
— Houve esse déficit de investimentos do Dmae, o poder público não conseguiu acompanhar o crescimento populacional e isso vem se refletindo agora — argumenta o diretor-geral do departamento, Maurício Loss.
A reportagem de GZH questionou o gestor sobre as perspectivas para que esse problema seja resolvido de uma vez por todas. Apesar de não dar garantias, Loss afirma que as perspectivas são positivas e passam pelo Complexo Ponta do Arado, uma obra de grande complexidade, que deverá ser entregue em 2026.
— É um projeto de muitos anos atrás e que se deu a ordem de início apenas em 2021. Vai ajudar muito porque, hoje, são produzidos 1 mil litros por segundo lá no Belém Novo e somando a Ponta do Arado, quando ela entrar em operação, vamos ter mais 2 mil litros por segundo. Vamos triplicar a produção de água para Zona Sul, Extremo Sul e para a Lomba do Pinheiro.
O complexo é dividido em sete obras: uma já está pronta, outras quatro devem ser entregues entre janeiro e março de 2024, mas a mais expressiva deve ficar para 2026. O investimento total é de R$ 250 milhões.
O diretor-geral ressalta que a Lomba do Pinheiro faz parte da ponta de dois sistemas: Belém Novo e Menino Deus. Além disso, o bairro fica situado a cerca de 140 metros de altitude - considerando o nível do Lago Guaíba. Em outras palavras, para que a água chegue a uma parte tão distante e elevada, a pressão e o bombeamento suficientes são fundamentais.
Problema com altitude não é exclusividade da Lomba
O Morro da Cruz, no bairro São José, também sofre bastante com a falta d'água. O ponto mais alto, segundo Maurício Loss, fica a 238 metros. Por mais que o abastecimento se dê pelo sistema Menino Deus, na região Central, ainda assim, os moradores têm de aguardar por mais tempo pela normalização.
A produção de água acontece distante das grandes periferias, passando por diversas estações de bombeamento. O Dmae estuda a instalação de novas casas de bombas e adutoras.
Uma obra que pode beneficiar a comunidade deveria ter saído do papel ainda neste ano, mas acabou ficando para janeiro de 2024 devido a um erro de venda do fornecedor da prefeitura. A empresa responsável adquiriu tubulação de medidas diferentes das necessárias. O investimento prevê o desvio de água do sistema localizado no Moinhos de Vento para o bairro Jardim Botânico, hoje atendido pelo Menino Deus.
— A gente vai conseguir trazer mais água do Moinhos de Vento, descomissionando um pouco o sistema do Menino Deus em torno de cem litros por segundo. Essa água do Menino Deus sobra para que a gente tenha mais força para colocar num ponto alto, que é o Morro da Cruz.
O município também estuda a instalação de uma estação de tratamento provisória na barragem Lomba do Sabão - uma solução temporária para as áreas mais altas da cidade até a conclusão de obras mais complexas. Mas essa nova estrutura ficaria apenas para o próximo verão.
O que já foi feito?
Segundo o Dmae, desde 2021 foram instalados 24 quilômetros de novas redes de água, beneficiando cerca de 50 mil pessoas. Esse mesmo contrato prevê a extensão de mais cinco quilômetros. Também está prevista a realização de uma licitação para mais 35 quilômetros até 2025.
Em 2022, novos reservatórios foram entregues em dois pontos da cidade, ampliando a capacidade de reserva de água em 50%. Os investimentos aplicados somam R$ 9,8 milhões e alcançaram os bairros Aberta dos Morros, Agronomia, Campo Novo, Hípica, Ipanema e Partenon.
O Dmae atribui ainda a redução das paradas no fornecimento de água em parte da Zona Sul à entrega de uma adutora. Pouco mais de 10,5 mil moradores foram alcançados nos bairros Belém Novo, Cascata, Glória, Nonoai, Teresópolis e Vila Nova.
Enquanto a solução não chega
Dona Vângela e moradores de outros bairros afetados frequentemente pela falta d'água aguardam por uma solução definitiva para o problema. Enquanto isso, a cidade cresce e vai sobrecarregando o sistema existente.
Ciente de que há muita coisa a ser feita, o líder comunitário Igor Costa Jardim recomenda à vizinhança que mantenha os baldes sempre preparados para o próximo desabastecimento.
— Todo dia estou lembrando todo mundo de deixar as caixas d'água, os baldes cheios. Quem tem piscina, precisa aproveitar. As crianças podem fazer uso, claro, mas se faltar de novo a água da piscina pode ser usada no vaso sanitário. A gente não sabe a hora que vai faltar — explica o morador.
— Temos água guardada ali. Peço pra Deus que não falte no Ano Novo. Que tenha água pra gente fazer as coisas: tomar banho, lavar a louça, fazer o que tem que fazer — afirma Vângela.