63,5 mil a mais
População que mora de aluguel aumenta após pandemia em Porto Alegre
Alta foi de 28% em três anos, e total chegou a 286 mil pessoas, o maior da série histórica; 70 mil comprometem 30% ou mais da renda
O número de pessoas pagando aluguel para morar em Porto Alegre aumentou 63,5 mil entre 2019 e 2022, uma alta de 28,5%. É como se toda a população de Capão da Canoa passasse a alugar moradia na Capital no período. O cenário foi demonstrado pela Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), divulgada no início de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O órgão mapeia este dado por meio da Pnad Contínua desde 2016. A pesquisa, no entanto, não aconteceu em 2020 e 2021, por causa da pandemia.
Conforme os registros do IBGE, em 2022 eram 286 mil pessoas morando de aluguel em Porto Alegre, o maior número apurado desde o início do levantamento. O dado representa quase 20% — ou um quinto — da população da Capital, e é maior que a população de 493 municípios gaúchos — o Estado tem 497 cidades.
Dentre os mais de 60 mil novos moradores de aluguel em Porto Alegre está o vendedor Bruno Costa da Silva, 21 anos. Há dois anos, o porto-alegrense decidiu sair da casa da mãe e ter o seu próprio lugar para morar:
— Inicialmente morava com a minha mãe. Obviamente, queria ter o meu canto, minha experiência, minha vivência e tudo mais, e procurei um lugar para morar sozinho.
Os dados revelam que, além das decisões pessoais, o aumento de moradores de aluguel no município teve influência da pandemia. Isso porque até 2019 o cenário poderia ser considerado estável. Os quatro primeiros anos da pesquisa apresentaram resultados similares, com máxima de 16,6% da população, ou 244 mil pessoas, vivendo de aluguel, em 2016, e mínima de 15%, ou 222,8 mil, em 2019.
Apesar da Pnad Contínua não ter sido realizada em 2020 e 2021, este intervalo sem informações não responderia o aumento do percentual de 15% para 19,1%. Conforme especialistas, o salto é resultado de diversos fatores que afetaram o mercado imobiliário nos últimos anos.
Causas da alta
O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), descreveu o crescimento pós-pandemia em Porto Alegre:
— Fenômeno nítido, pois não tem alterações nos anos anteriores.
Ele também elenca fatores que contribuíram para o aumento de moradores de aluguel em Porto Alegre:
- alta da taxa de juros;
- encarecimento dos materiais de construção; e
- conforme o professor, a renda da população não subiu na mesma proporção que a inflação, deixando mais distante o imóvel próprio.
A economista-chefe do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS), Lucineli Martins, apontou o aumento da taxa de juros como um dos principais fatores para esse salto:
— O que houve pós-pandemia foi a elevação da taxa básica de juros. O aumento da taxa de juros, embora não seja repassado na totalidade aos financiamentos, dificulta na hora de tomar o financiamento bancário porque o custo do crédito fica mais caro. Tanto para as construtoras tomarem empréstimos para a produção do empreendimento, quanto para o comprador que teria que pagar essas parcelas.
Martins explica que o aumento da taxa de juros também refletiu na maneira como o brasileiro investe seu dinheiro, com migração da poupança para modalidades com rendimento maior.
— E o dinheiro disponibilizado pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) para financiamentos vem da poupança. Assim, quanto menos se tem em poupança, menos será disponibilizado para financiamentos pelo SBPE — explica a especialista.
Ela também acrescenta que as incertezas do período eleitoral, a demora no anúncio das novas condições do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, o aumento dos custos dos materiais de construção e a escassez de terrenos em áreas bem localizadas contribuíram para o cenário:
— Tudo isso entra na composição de um novo preço. Quando aumenta o preço dos novos, a tendência é que se puxe também, embora em proporção menor, o preço dos usados.
Comprometimento da renda
Com a piora do cenário econômico para compra de imóveis, houve um aumento na demanda por imóveis para alugar e, consequentemente, os preços aumentaram. Essa é a percepção do Ajzental, mas também do enfermeiro Felipe Adonai, 26 anos, que mora na Capital desde 2015:
— Já me mudei sete vezes em Porto Alegre, basicamente uma vez por ano eu me mudava. E está ficando mais difícil de achar apartamento bom que tu consiga pagar e que seja bem localizado.
Para driblar o cenário dos altos valores de aluguel e se manter perto do local de trabalho e onde criou laços, Adonai recorreu à indicação de uma amiga que estava desocupando o imóvel. Atualmente ele mora em um apartamento próximo à Redenção, alugado diretamente com o proprietário. O local é considerado um "achado", em comparação a outros valores de aluguel na região, mas compromete mais de 25% da renda do enfermeiro.
Conforme o IBGE, cerca de 70 mil moradores de Porto Alegre comprometem 30% ou mais da sua renda com o aluguel. O vendedor Bruno Silva é um deles. Recebendo pouco mais do que um salário mínimo, atualmente ele paga R$ 600 de aluguel em uma casa no bairro Restinga.
— É ruim, é meio sugado. É um dinheiro que eu poderia investir em outras coisas, porém o aluguel come junto na mesa. Mas no momento está cômodo para mim — avalia.
Assim como o número de moradores de aluguel, a quantidade dos que comprometem demais a renda com a moradia também aumentou na Capital. De acordo com o IBGE, eram 21,3% dos locatários em 2019, índice que passou para 24,5% em 2022.
— Boa parte desse salário vai para o aluguel, então não sobra muito para conseguir fazer uma coisa diferente, dar um passeio, de repente, não sobra muito — comenta o vendedor.
O professor Alberto Ajzental explica que o cenário econômico, com o aluguel subindo mais que a renda da população, contribuiu com o aumento da parcela que tem gastos excessivos (mais que 30% da renda) com o aluguel e, consequentemente, com o déficit habitacional de Porto Alegre.
Déficit habitacional é um indicador que busca estimar a falta de habitações e a existência de moradias em condições consideradas inadequadas, utilizando dados sobre coabitação familiar, custo do aluguel, quantidade de moradores por dormitório, entre outros. Em 2019, conforme a Fundação João Pinheiro (FJP), a Região Metropolitana de Porto Alegre tinha 93.073 domicílios com déficit habitacional, sendo que 54,4% deles eram de moradias com aluguel considerado muito alto.
— Em tese, um contrato de aluguel só é aprovado se comprometer menos de 30% da renda, mas diversos fatores podem impactar nisso — explica a economista Lucineli Martins.
Ela elenca situações que podem acontecer após a contratação do aluguel, como mudança de emprego e separação de cônjuges, que podem resultar na queda da renda familiar.