Crise no sistema
Sem variação de valor nem cancelamentos: o que diz quem opta por usar lotação em vez de transporte por app em Porto Alegre
Com diminuição dos passageiros, setor alega não ter mais recursos e está pedindo auxílio para a prefeitura
Um modelo tradicional de transporte em Porto Alegre vive crise gerada pela diminuição no número de passageiros. A lotação vem sendo substituída por outras formas de deslocamento, em especial o uso de carros por aplicativo. Como consequência, o setor alega não ter mais recursos para sustentar o sistema e está pedindo auxílio para a prefeitura.
Na manhã desta quinta-feira (7), GZH circulou pela linha Menino Deus, que vai da Avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico, até a Rua Corrêa Lima, no bairro Santa Tereza, na Zona Sul. Em uma simulação feita em um aplicativo de transporte, no horário do deslocamento nesta manhã, o trajeto estava custando R$ 10,93. A passagem da lotação custa R$ 8. Com o tempo de viagem mais curto e a possibilidade de dividir o valor com vizinhos e colegas, a opção acaba sendo mais econômica.
Ainda assim, alguns usuários ainda acreditam que a lotação é alternativa mais viável. Entre os principais argumentos, está o fato do aplicativo ter um valor variável, que aumenta em horários de pico, enquanto do outro lado, o preço é sempre o mesmo. A produtora de cinema Letícia da Rosa conta que só utiliza o transporte privado quando está com pressa.
— Geralmente se eu tenho horário para chegar em algum lugar, eu olho o aplicativo, porque eu não sei os horários da lotação e não vem com tanta frequência. Mas geralmente eu vou com lotação, que é mais econômico que o aplicativo na maioria dos horários — explica a produtora.
A dona de casa Sílvia Regina dos Santos reforça esse argumento e diz ainda que o serviço por aplicativo tem sido cada vez mais instável.
— O aplicativo cancela, às vezes demora oito a 10 minutos — afirma Síliva, que diz se organizar melhor com os horários pré-definidos na tabela.
Outro fator que ainda faz os moradores da Capital à lotação é o conforto. A operadora de caixa Ivonete Ribeiro diz nunca ter cogitado usar as plataformas para ir ao trabalho, pois se sente contemplada com o modelo mais tradicional:
— Eu sempre pego ônibus, mas tem dias como hoje, que estou mais atrasada e prefiro a lotação (pelo trajeto ser mais curto). Às vezes, mesmo não estando atrasada eu também prefiro, por causa do conforto.
Veículo vazio em boa parte do trajeto
Durante uma hora de deslocamento — 30 minutos de ida e 30 minutos de volta — na manhã desta quinta-feira, apenas cinco passageiros embarcaram na lotação. O trajeto foi feito no horário das 9h às 10h. O motorista Alex Moraes diz que essa é uma realidade diária.
— Acontece inúmeras vezes. Temos aqui na (linha) Menino Deus cerca de 10 voltas para cumprir, metade delas tu vai ao Centro sem passageiro algum — afirma.
O motorista atua na área há 15 anos e relata situações que vem ocorrendo e refletem as dificuldades do setor:
— Muitas vezes cumpro duas, três voltas aí, rezando que entre o dinheiro para poder abastecer e dar continuidade no dia — complementa.
A Associação dos Transportadores de Passageiros Por Lotação de Porto Alegre (ATL) está pedindo que a prefeitura subsidie o sistema, alegando não haver mais recursos para cobrir os custos do transporte. O presidente Magnus Isse calcula que R$ 13 milhões por ano seriam suficientes. Para Isse, se nada for feito em 30 dias, as lotações podem deixar de circular. A prefeitura, por sua vez, alega que não a medida não é possível.
Conforme a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), a lotação se enquadra na modalidade de transporte seletivo e não coletivo, como o ônibus. Para aportar R$ 137 milhões por ano aos ônibus, o município usa como prerrogativa o fato de ser um serviço essencial para a população, ao contrário dos seletivos. No entanto, a pasta reforça que vem dialogando com a categoria para se chegar a uma solução.
Confira a nota da SMMU na íntegra:
A EPTC reforça que o transporte seletivo é um serviço muito importante, porém tem total independência para operar. Por ser um modelo diferente do transporte coletivo, não é possível o subsídio do governo. Entretanto, desde o começo da gestão, o governo tem dialogado com a categoria e auxiliado para que se possa melhorar o sistema. Uma das medidas adotadas foi a isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ao transporte seletivo por lotação pelo período de dois anos. Até 2022, os prestadores desse serviço pagavam uma alíquota de 2,5%. Também foi autorizada a ampliação das formas de pagamento para ampliar as alternativas ao usuário.