Solução para o lixo
Coleta automatizada da Capital terá contêineres com aberturas menores; catadores não poderão mais retirar material de dentro
Novo serviço começará a funcionar a partir de novembro em Porto Alegre. O Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis no RS desaprova mudança e prevê redução na reciclagem dos resíduos
O novo serviço de coleta de lixo automatizada começará a funcionar a partir de novembro em Porto Alegre. Serão mais de 2 mil novos contêineres fabricados na Itália. Desses, 500 terão a abertura menor, o que impede qualquer pessoa de entrar ou retirar resíduos descartados dentro do equipamento. Os representantes dos catadores não aprovam a futura mudança (leia mais abaixo).
Além disso, outros 500 contêineres serão destinados exclusivamente para resíduos recicláveis e possuem semelhanças com os existentes para o recolhimento de vidros na Capital. Também apresentarão aberturas menores e dificuldades para a retirada de lixo de seu interior. Os demais recipientes serão iguais aos atuais, mas com composição de material mais resistente.
O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) não antecipa detalhes sobre os modelos em fabricação, mas afirma que a substituição será realizada de forma gradual. Atualmente, são 2,4 mil contêineres espalhados por 19 bairros da cidade, sendo 12 desses locais com atendimento integral. Em maio do ano passado, a possibilidade de troca dos equipamentos foi tema de reportagem de Zero Hora.
— Nossa equipe técnica de engenharia fez alguns estudos, até mesmo em outras localidades onde existe esse tipo de coleta automatizada. Então, vamos fazer esse teste para ver se vai funcionar na cidade. Se der certo vamos ampliar isso para outras áreas — assegura o diretor-geral do DMLU, Carlos Alberto Hundertmarker.
No ano passado, os contêineres destinados ao lixo orgânico amanheceram lotados e com detritos nas calçadas em mais de uma oportunidade. Em setembro de 2023, a prefeitura chegou a rescindir o contrato com a empresa encarregada do serviço.
Porto Alegre conta com coleta seletiva e 17 unidades de triagem. A Equipe de Gestão e Educação Ambiental (EGEA) do DMLU realiza palestras nas escolas e nas comunidades para a conscientização em relação ao destino correto do lixo, além de outras ações com o mesmo propósito. Equipes de educação ambiental deverão reforçar a importância da separação do lixo.
— O problema que nós temos hoje é a mistura que muitos habitantes fazem desses resíduos orgânicos com os seletivos nesses contêineres. Vamos continuar trabalhando com as unidades de triagem, mas os contêineres bocas de lobo são para o lixo reciclável e para trazer melhorias para a cidade — avalia o diretor-geral.
Saiba mais
O trabalho da coleta automatizada ficará sob responsabilidade do consórcio Porto Alegre Ambiental, que assinou contrato com a prefeitura em 3 de julho e tem 120 dias para dar início ao processo. Neste momento, a empresa Conesul ainda realiza a tarefa de forma emergencial.
Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis no RS prevê redução na reciclagem na Capital
O Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR) no Rio Grande do Sul não aprova os equipamentos com aberturas menores.
— A alternativa dos contêineres não é muito eficiente. Têm um alto custo para os cofres municipais e fazem um trabalho de deseducação da população. Porque as pessoas colocam todo o seu resíduo lá dentro — compartilha o representante do MNCR no Estado, Fagner Jandrey.
Segundo o representante, seria necessário haver um programa permanente de educação ambiental em Porto Alegre. Em sua avaliação, a mudança na abertura dos equipamentos será um problema para os catadores:
— Além de restringir o acesso dos catadores a esse resíduo, vai fazer com que se diminua a reciclagem na cidade.
De acordo com seu relato, existe uma negociação com a prefeitura sendo mediada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) para as cooperativas terem contratos mais dignos e para os catadores poderem ser incluídos no programa de limpeza urbana.
— Até agora a prefeitura ainda não foi capaz de apresentar uma proposta do contrato. Fomos surpreendidos por essa ação desses novos contêineres, onde serão investidos milhões para uma alternativa que não funciona — critica.
Conforme o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis do RS, as unidades de triagem contam com cerca de 500 pessoas. Nas ruas da Capital, a estimativa é da presença de 7 mil catadores em atividade.
— Tu não tens educação ambiental, as pessoas vão misturar o resíduo dentro dos contêineres. Ele (equipamento) será destinado teoricamente para as unidades de triagem. O material vai chegar com péssima qualidade e vai aumentar o índice de rejeito — prevê.
Questionado sobre os catadores que acessam ou abrem os equipamentos e espalham o lixo no lado de fora, sujando as calçadas, Jandrey toca no tema da inclusão social.
— Os catadores só catam nos contêineres porque não têm outra opção. Se eles fizessem parte do sistema de limpeza urbana, com apoio e investimento, com certeza isso iria diminuir muito ou não acontecer — pensa.
Pesquisadora da área de resíduos sólidos cita necessidade de campanha de educação ambiental
A professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pesquisadora da área de resíduos sólidos há mais de três décadas, Luciana Paulo Gomes, ressalta que tudo começa pela educação ambiental das pessoas responsáveis por descartar o lixo nos equipamentos.
— Por que os catadores informais entram dentro ou tiram para catar as embalagens? Porque as pessoas colocaram o lixo errado lá dentro. Não era para ter esse resíduo lá — ilustra.
De acordo com a docente, é preciso fazer uma campanha de educação ambiental junto à população. Além disso, a pesquisadora traz para debate a situação dos catadores:
— Eles (catadores) deveriam estar de alguma forma incorporados na atividade da coleta e do serviço de triagem da prefeitura. Catador tria resíduos nas centrais de triagem, não nos contêineres.
Para Luciana, os catadores poderiam ser utilizados em ações com compostagem, que deveriam existir. Em relação aos equipamentos com aberturas menores, a pesquisadora acredita se tratar de uma decisão correta por parte do poder público.
— A limpeza da cidade está horrível. Se esse modelo vai evitar a abertura dos equipamentos para a retirada do resíduo, eu acho ótimo. A solução vai passar pela população e pela prefeitura, que precisa achar uma solução de atividade para essas pessoas (catadores) — conclui.