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Papo Reto

Manoel Soares: "Fiquei medroso"

Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados 

12/10/2024 - 05h00min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho
Victor Pollak / TV Globo Divulgação
Colunista fala sobre a coragem.

Quanto mais minha barba vai ficando branca, menos corajoso tenho ficado, mas meus medos não têm a ver com pessoas, mas com situações. Me transformei no cara que tira foto para ver onde deixou o carro estacionado. Virei o chato que coloca casaco nas crianças ao sair de casa, que não deixa atrasar o plano de saúde ou o seguro do carro. 

O cara que prefere comer coisas assadas e não fritas, que fica calculando se bebeu 3 litros de água no dia. Virei o que fica lendo contrato de plano de saúde, quem anda abaixo do limite máximo de velocidade, que sabe o nome dos filhos do guarda da rua, daqueles que acorda à noite para ver se os filhos estão respirando. Já até me peguei cheirando o abacaxi na feira para saber se ele estava doce. 

Virei o cara que põe o lixo na rua antes de anoitecer, que olha se o prato que serviu tem pelo menos três cores. Virei o cara que faz cotação de seguro de vida, que quando a previsão do tempo anuncia que vai fazer frio tira as roupas de inverno para tomar um ar e tirar o cheiro de mofo. Que conta a idade dos cachorros pelos dentes, que gosta de plantas. Virei o cara que tem medo de morrer dormindo, que evita assistir filmes de demônios para não atrair energia ruim para dentro de casa. 

Os medos fizeram de mim um homem cheio de cuidados, que acredita que a vida é frágil e que se eu cair da escada posso quebrar a perna. Meus medos não são sobre mim, mas por entender que a coragem que eu sempre bati no peito dizendo que tinha colocava em risco tudo que era importante para mim. 

Coragem

Não abandonei minha coragem, deixo ela ao lado do quarto onde dorme minha inocência. Porque para sermos corajosos temos que ser um pouco inocentes, temos que desacreditar das leis da física, temos que achar que sair na chuva à noite não vai nos fazer ter um resfriado, que pedir demissão do emprego que nos faz infeliz não vai ser algo arriscado para nossa vida financeira. Temos que acreditar que a vida não é tão perigosa. 

Mas depois que você fica de cabelos brancos, que assiste pessoas sendo feias por dentro só pela ilusão de poder que o mal traz, você começa a ter medo, um medo que resguarda, que te faz ficar mais aqui nesse plano, perto de quem você ama. Meu medo às vezes me faz parar e ficar olhando cemitérios à tarde, não por um desejo mórbido, mas para me lembrar que muitos corajosos estão enterrados ali.




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