Mobilidade
Transporte de passageiros com motos atrai por rapidez e preço, mas prefeitura de Porto Alegre não recomenda utilização
Em São Paulo, há embate entre as empresas operadoras e a administração municipal, que proíbe o serviço. Na capital gaúcha, não há legislação local a respeito e EPTC alerta para riscos do modal no cenário intenso do trânsito urbano
Porto Alegre, 15h, 35ºC. É quarta-feira (5) e Michele Gomes tem compromisso no Centro Histórico. Fará exame admissional. Moradora do bairro Partenon, a auxiliar de serviços gerais de 40 anos revela estar animada pela conquista do novo emprego. Em seu deslocamento para a consulta, optou pelo transporte por aplicativo em uma motocicleta.
— Era a forma mais rápida de chegar e mais barata do que o carro pelo app. Deu R$ 15. De carro seria R$ 24 — compara.
O serviço, que é alvo de polêmica em São Paulo, não tem lei específica para sua regulamentação na capital gaúcha, onde é ofertado, desde 2022, pelas empresas Uber e 99Moto.
Ambas as provedoras de conectividade entre usuários e trabalhadores afirmam atender às normas estabelecidas nas legislações federais que autorizam o exercício desta modalidade de serviço. Sustentam manter critérios para admissão dos motociclistas prestadores e garantem proporcionar seguro para reparação de danos em eventuais acidentes, tanto para usuários quanto para os trabalhadores.
O serviço nas motocicletas, assim como se constituiu com os automóveis, atrai trabalhadores em busca da alternativa para geração de renda com liberdade na gestão de horários e da fração do dia dedicada ao trabalho.
— Na moto, eu ganho o mesmo salário ou mais do que receberia na função anterior, de vendas. Ainda tenho a vantagem de gerenciar meu tempo, definir o momento do descanso, aumentar ou reduzir a jornada conforme o resultado do dia — confirma Bruno Trindade, 30 anos, condutor da Michele nesta quarta, que diz realizar de 20 a 25 corridas a cada dia.
EPTC desaconselha uso
Em São Paulo, o debate ganhou destaque diante da determinação da prefeitura em proibir a atividade, enquanto as empresas se baseiam na legislação federal para operar. Em Porto Alegre, porém, não existe disposição declarada pelo poder público para tal restrição. Contudo, por conta da ausência de regulamentação municipal, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) desaconselha a utilização do serviço.
"A EPTC e a Secretaria de Mobilidade Urbana entendem que a prática apresenta muitos riscos para os passageiros e não recomenda o uso do serviço pela população", diz o texto enviado em resposta ao pedido de informações da reportagem (leia, na íntegra, abaixo).
Conforme a autoridade de trânsito na Capital, as estatísticas demonstram que motociclistas são as principais vítimas de acidentes nas ruas e avenidas de Porto Alegre. Em 2024, ocorreram 4,8 mil acidentes de trânsito envolvendo motocicletas na Capital, que causaram 42 mortes.
A EPTC afirma que intensificou ações educativas e de fiscalização para reduzir os acidentes envolvendo motos, mas que, por falta da regulamentação, não fiscaliza o serviço de transporte. A "EPTC só pode fiscalizar no que se refere ao Código Brasileiro de Trânsito (CTB), para verificar as condições dos veículos e a documentação dos condutores", diz a empresa pública.
Acidentes em crescimento
Dados da EPTC demonstram uma trajetória crescente na quantidade de acidentes e mortes de motociclistas na Capital. A escalada (veja no gráfico abaixo) ocorre há cinco anos, com única exceção na queda, de 40 para 39 óbitos, na comparação entre os anos de 2022 e 2023.
Desde 2023, a EPTC faz um recorte na sua estatística, indicando se os motociclistas vítimas de acidentes estavam no exercício de atividade profissional. Entre os dois anos em que houve o registro do dado, o movimento foi de alta, de 10 para 13 óbitos de condutores descritos pela empresa pública com motoboys.
Como não há norma municipal para transporte de passageiros em motos, o dado específico sobre acidentes neste tipo de atividade ainda não existe.
Legislação federal tem lacunas
Há pelo menos três leis federais que tratam do tema. A Lei 12.009, de 2009, regulamenta a atividade de mototaxista e define especificações de documentação e requisitos a serem observados. A Lei 12.587, de 2012, institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelecendo conceitos, parâmetros e normas, inclusive para o transporte de passageiros em motocicletas.
Há, ainda, a Lei 13.640, de 2018, que atualiza a Lei 12.587 acerca de definições sobre tributação, inscrição na seguridade social e documentação dos veículos e dos condutores.
Entretanto, nestas duas últimas normas a previsão de permissão para condução de passageiros para portadores de Carteira Nacional de Habilitação da categoria B — para carros de passeio. Nenhuma delas prevê o habilitado na categoria A — que permite a condução de motocicletas.
É esta a atualização que está tramitando na Câmara dos Deputados. O projeto de lei 271 de 2023, de autoria do deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), teve parecer aprovado na comissão de Desenvolvimento Urbano. Aguarda análise nas comissões de Viação e Transportes e de Constituição e Justiça.
Na avaliação do engenheiro e pesquisador Rafael Rocco de Araújo, professor da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a legislação existente no Brasil é inconsistente.
— Basicamente, é uma permissão para o transporte de pessoas em motocicletas. O que temos, de fato neste serviço, é um atrativo de comodidade e agilidade para usuários e um espaço de renda para mão de obra sem qualificação — descreve.
Para Rocco, o transporte de passageiros na carona de motos amplia a exposição a risco de acidentes com graves consequências. O especialista também destaca o que considera ausência de conhecimento técnico por parte das empresas que operam aplicativos.
— As donas dos aplicativos, efetivamente, não entendem nada sobre mobilidade urbana e estão ausentes nas relações de trabalho e garantias aos prestadores de serviço. São, objetivamente, desenvolvedores de ferramentas de conectividade. Ligam o interesse de alguém que tem veículo e precisa de renda a pessoas que querem se deslocar nas cidades. Apenas isso — pontua o pesquisador da PUCRS.
O que dizem as empresas
As empresas Uber e 99Moto, provedoras dos aplicativos que ofertam deslocamentos em motos, foram procuradas pela reportagem da Zero Hora para posicionamentos.
A 99Moto aponta que mantém a operação desde 2022 em Porto Alegre e que não possui dados regionalizados sobre volume de acessos, quantidades de trabalhadores e usuários vinculados ao seu serviço.
"Para a 99, segurança é um compromisso inegociável que sempre está sendo reforçado. (...) Assim que um acidente é registrado em sua Central de Segurança, a 99 disponibiliza uma equipe especializada que busca contato com o passageiro e/ou seus familiares para acolhimento e a disponibilização de informações sobre o acionamento do seguro e do auxílio psicológico", indica o texto da 99Moto.
A Uber não remeteu respostas específicas ao pedido de informações da reportagem. A empresa restringiu-se a enviar links de textos publicados em seu portal. Em trecho do posicionamento, a Uber destaca que a modalidade de motos foi lançada no país em 2022.
Em sua manifestação, a companhia argumenta que segurança é uma prioridade e que, desde as contestações em São Paulo, implementou dispositivo de alerta de velocidade no aplicativo que notifica se os parceiros ultrapassarem o limite legal definido nas vias urbanas.
Leia a íntegra da nota da EPTC
A Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC) informa que o serviço de transporte de passageiros com motos, conhecido por mototáxi, não é regulamentado na cidade de Porto Alegre.
A EPTC e a Secretaria de Mobilidade Urbana entendem que a prática apresenta muitos riscos para os passageiros e não recomenda o uso do serviço pela população.
As estatísticas mostram que os motociclistas são as principais vítimas nas ruas e avenidas de Porto Alegre. Em 2024, ocorreram 42 mortes com envolvimento de motocicletas e mais 4.800 sinistros de trânsito com este tipo de veículo.
A EPTC acompanha constantemente os índices de acidentalidade - que são um dos principais indicadores que norteiam ações de educação, infraestrutura e fiscalização, e intensificou as ações educativas com motociclistas, como o Programa Motociclista Seguro, realizado nos bolsões de motos e nos cruzamentos com maior registro de ocorrências.
Em relação à fiscalização, como não existe regulamentação para este serviço de transporte, a EPTC só pode fiscalizar no que se refere ao Código Brasileiro de Trânsito (CTB), para verificar as condições dos veículos e a documentação dos condutores.