Prejuízo na arborização
Estudo avalia quase 400 árvores de Porto Alegre e mostra que 10% morreram e 5% desapareceram após a enchente de 2024
Pesquisa feita pela prefeitura analisou plantas no Centro Histórico e no 4º Distrito. Percentual de vegetais em bom estado caiu de 78,7% para 21,3%


Um estudo elaborado pela prefeitura de Porto Alegre apontou o impacto da enchente de maio de 2024 na arborização urbana. Foram avaliadas as condições de 383 plantas no Centro Histórico e no 4º Distrito que antes da tragédia tinham estado considerado bom ou regular. Após a inundação, 10,4% delas estavam mortas e 5,3% nem existiam mais. Outras 5,9% estavam em condição ruim.
Antes da enchente, em abril de 2023, 78,7% dos exemplares analisados estavam em bom estado, percentual que caiu para 29,6% em novembro de 2024.
Entre os objetivos do estudo estava identificar se determinadas espécies são mais resistentes a enchentes, a fim de planejar a arborização. Neste sentido, os resultados não foram conclusivos.
— Nós tínhamos uma ideia de que pudesse haver árvores nativas que fossem mais resilientes a essa enchente, mas de maneira geral afetou nativas e mais exóticas da mesma forma — aponta Veronica Riffel, coordenadora de arborização urbana da Capital.
Apesar disso, avaliou-se que os exemplares mais afetados eram de espécies exóticas: arália, alfeneiro e ipê-de-jardim.
A pesquisa também apontou que sofreram danos maiores árvores consideradas de menor porte, com até 9m de altura. Outro fator que influenciou foi o chamado DAP, que é o “diâmetro à altura do peito”: 77% das árvores afetadas tinham o DAP menor do que 40 centímetros.
— As árvores maiores que têm raízes mais profundas e que podiam pegar oxigênio mais longe da água acabaram sobrevivendo — explica Veronica.
Danos causados
O estudo buscou identificar problemas que a inundação pode ter causado às árvores. Foi percebida presença de sedimentos no solo e até contaminação em alguns pontos. Também foi identificada ausência de oxigênio no chão. Esses problemas podem, conforme a pesquisa, representar danos à estrutura das plantas.
Quanto às 20 que foram analisadas em abril de 2023, mas não mais encontradas em novembro de 2024, a prefeitura afirma que podem ter sido arrancadas pela água da cheia, mas também que podem ter sido cortadas sem autorização prévia.
O Executivo municipal garante que uma política pública de manejo arbóreo pós-enchente está sendo desenvolvida. A administração adianta que pretende estabelecer um “replantio estratégico” com espécies mais resistentes a alagamentos e o fortalecimento do monitoramento digital das árvores.
O professor de ecologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida na PUCRS, Pedro Maria de Abreu Ferreira, ressalta a importância deste acompanhamento:
— (O que deve ser feito) É detectar se é viável a manutenção, especialmente, das árvores que tiveram uma piora grande em relação ao estado pré-enchente. No local onde elas estão, pode ter algum risco para a população, porque árvores grandes, quando elas estão em estado fitossanitário problemático, podem cair ou prejudicar a população.
Uma boa conservação da arborização pode, conforme Pedro Maria, evitar novos alagamentos:
— Sabemos que o nosso sistema de esgotamento pluvial não dá conta de um volume muito grande. A gente tem um alto percentual de regiões da cidade impermeáveis, com asfalto, calçada. Então, quando tem permeabilidade do solo e plantas junto, esse solo estruturado tem um papel importante em reter a água.
Problema anterior
O biólogo Flávio Barcelos Oliveira trabalhou por mais de 40 anos na área de arborização da prefeitura de Porto Alegre. Atualmente aposentado, ele integra a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU). Para Oliveira, a mortandade de árvores durante a enchente também tem relação com a infestação da erva-de-passarinho, uma planta parasita que atinge árvores de grande porte, podendo ser considerada uma praga.
— Pessoalmente, acho que a prefeitura poderia e deveria contratar uma equipe para fazer desinfestação de erva-de-passarinho. E acho que o serviço não devia ser só disso. Devia ser em defesa da “fitossanidade” da arborização, que é a saúde da árvore. Aí inclui também galhos secos, podres e lascados — avalia o biólogo.
Para ele, a recuperação plena das árvores e retomada de bons índices de conservação só serão alcançadas se houver planejamento a longo prazo:
— Acredito que um plano perfeito de recuperação deve englobar no mínimo de oito a 10 anos. Isso porque quando você faz o primeiro serviço, alguma coisa da erva-de-passarinho vai rebrotar. Então tem condições de fazer isso nos primeiros quatro anos e depois mais quatro para fazer a limpeza geral.
Como foi feita a pesquisa
O trabalho elaborado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smamus) mapeou as árvores do Centro Histórico e da região do 4º Distrito.
De um total de 6.285 árvores, foi feito um primeiro recorte que se limitou a 4.499 exemplares que estavam na área onde a inundação atingiu a cota máxima de 5m35cm. Por fim, foi definida a amostra, de 383 árvores, contemplando uma boa diversidade de espécies, que estavam categorizadas, até então, com estado geral bom ou regular. Entre elas, 25% estavam em praças e 75% em vias públicas.
A pesquisa foi liderada pelo professor Marcelo Machado Leão, engenheiro agrônomo da Universidade de São Paulo (USP). Para elaborar o estudo, um censo digital das árvores urbanas foi utilizado como base, para entender como as espécies resistiram (ou não) à inundação.
O mapeamento começou em abril de 2023. Os dados foram utilizados para comparar com a situação após a enchente, em novembro de 2024.