Outubro Rosa
Promover a autoestima por meio das lentes
Instituto Camaleão realizou um ensaio fotográfico com pacientes oncológicos em hospital de Porto Alegre

Na manhã da última quinta-feira, a enfermeira Elisabete Storck chegou ao Espaço de Convivência do Centro de Oncologia e Hematologia da matriz do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre.
Frequentar a unidade faz parte da sua rotina – já que atua como coordenadora de enfermagem do setor –, mas ela não desempenharia nenhuma de suas funções habituais naquele dia. Em um estúdio improvisado, mas bem equipado, ela seria modelo fotográfica em uma ação alusiva ao Outubro Rosa, promovida pelo Instituto Camaleão, associação sem fins lucrativos que apoia pessoas com câncer, seus familiares e cuidadores.
Elisabete conheceu o instituto durante a pandemia de coronavírus, quando ocupava um cargo de gestão em outro setor do hospital e foi diagnosticada com câncer.
– Isso fez com que eu desenvolvesse uma ansiedade muito grande, e o Instituto Camaleão me ajudou muito por meio de conversas por vídeo, com psicólogas, com enfermeiros – relembra.
Falar sobre o câncer e driblar a solidão do tratamento são focos da organização desde que surgiu como um blog chamado Além do Cabelo, de Flávia Maoli, 38 anos. Sem rede de apoio, ela começou a escrever quando descobriu um câncer aos 23 anos. Suas publicações formaram uma comunidade. Em 2016, ocorreu a primeira sessão de fotos que, nove anos depois, já virou tradição.
Exposição
A sessão mais recente, realizada na última quinta-feira, reuniu pacientes curadas e em tratamento, e vai resultar em uma exposição e em um calendário. O desdobramento mais relevante, porém, não é material.
– Essa ação serve para melhorar a autoestima das pacientes, para dizer a elas que continuam lindas, que a vida continua – diz Elisabete.
Ela comenta que ver seus cabelos caindo, enquanto sua prima passava a máquina zero sobre sua cabeça, foi um momento que marcou suas memórias.
Um momento que não tem preço
Ana Ávila, 44 anos, também participou do ensaio no dia 16 de outubro. Assim como Elisabete, ela foi marcada pela perda dos cabelos. Além disso, precisou retirar as mamas e, por causa de um câncer que teve aos nove meses, também perdeu um olho.
Trabalhando com moda há mais de 20 anos, ela diz que só encontrou forças para reconstruir sua autoestima quando utilizou seu ofício a serviço do bem-estar em meio à doença.
– Eu tinha um embate interno: achava a moda muito fútil. Só que, como eu tive que retirar um olho, tive que construir a minha autoimagem sem exemplos. Eu não tinha exemplos para me guiar. Não tinha nenhuma modelo, atriz, capa de revista com visão monocular – diz ela. – Então, eu pensei: “Poxa, espera aí, tá tudo aqui agora, toda essa bagagem (de moda) que eu tenho, posso usar para mim” – complementa.
Ana foi a capa da primeira edição do calendário do Instituto Camaleão, recordação que guarda com carinho.
– Quando tu tens câncer, tu nunca vais imaginar, por exemplo, que vais ser modelo, que vais trabalhar com a beleza ou que vão te querer, sabe? E quando vem o convite, quando tu tens essa importância, que tem o teu momento na cadeira do maquiador, do cabeleireiro. Depois tu vais para a luz profissional, com um fotógrafo profissional. Eu até me arrepio. Tu te sentes abraçada – diz ela.
Emoção
No ensaio do dia 16, Ana estava atrás das câmeras, como consultora de moda. Foi ela a responsável por vestir as 15 modelos, entre elas Maria de Fátima Chesini, 67 anos. Moradora de Viamão, ela vai ao GHC mensalmente para consultas e sessões de quimioterapia. Ela não esperava ser modelo por um dia. Foi ao espaço de convivência para solicitar uma peruca, mas acabou sendo convidada para a ação do Instituto Camaleão. Assim, raspou o cabelo, ganhou uma peruca e foi fotografada por Raul Krebs, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Para ele, a fotografia gera uma “rede de impacto” na sociedade.
– A fotografia funciona para a autoestima como uma pedrinha na água: começa no convite, depois tem a maquiagem, o figurino e o momento do retrato. Primeiro, tem esse círculo aqui, mas certamente começa a impactar depois, com a foto pronta ou com a experiência que elas compartilham com outras pessoas – explica.
Quando terminou de ser fotografada, Maria de Fátima abraçou Raul e disse:
– Isso que vocês fazem não tem preço.
Outubro Rosa
A iniciativa promovida pelo Instituto Camaleão não é a única desenvolvida pela organização no Espaço de Convivência do GHC. Ela também promove atividades como reiki, massoterapia e oficinas de artesanato.
Segundo a diretora do espaço, Desiree Simon, o local ainda vai receber outras atividades relacionadas ao Outubro Rosa esta semana. Todas são ministradas por uma equipe voluntária, que contabiliza 58 pessoas.
– Pela manhã e pela tarde, a gente vai ter várias oficinas, voltadas para pacientes, ex-pacientes e acompanhantes: oficina de amarração de lenços, aulas de automaquiagem, yoga, palestras voltadas a quem cuida e oficinas de crochê, pensando em oferecer alternativas para as pacientes complementarem a renda, já que muitas perdem o emprego – diz Desiree.
*Produção: Breno Bauer