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Dama da dramaturgia

"Só segui meu coração", diz Fernanda Montenegro, em entrevista exclusiva

Atriz, a Mercedes de O Outro Lado do Paraíso, fala de fé, do culto a beleza e de política, neste especial que relembra um pouco das sete décadas de carreira.

18/11/2017 - 12h00min

Atualizada em: 18/11/2017 - 12h00min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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Raquel Cunha / TV Globo/Divulgação

Única atriz brasileira a concorrer ao Oscar por uma produção nacional. Poderíamos parar por aí para definir Fernanda Montenegro, e já se teria uma ideia do que a atriz, 88 anos, representa na história da dramaturgia brasileira. Mas ela é muito mais. Pioneira da TV nacional, conhecida como grande dama da dramaturgia brasileira, referência do teatro no país, a atriz se reinventa de maneira que poucos poderiam imaginar _ até como quando ganhou o Emmy por Dona Picucha, no especial da Globo Doce de Mãe, em 2012.

Agora, surpreende mais uma vez ao viver a rezadeira Mercedes em O Outro Lado do Paraíso. De cabelos brancos, quase sem maquiagem, deixa claro que o tempo passou para ela assim como passará para todos. Reveja a trajetória deste ícone e confira uma entrevista exclusiva com uma das estrelas máximas da história da televisão no país.

Papel desafiador  

Raquel Cunha / Globo
Com Clara, afinidade além do explicável

Com 71 anos de carreira, Arlette Pinheiro Esteves da Silva, seu nome de batismo, ou melhor, Fernanda Montenegro, aceitou mais um dos tantos papéis desafiadores de sua trajetória. Em O Outro Lado do Paraíso, vive a rezadeira Mercedes, uma espécie de curandeira que escuta vozes e transformou sua casa em Pedra Santa num grande abrigo para receber pessoas quando o fim do mundo se aproximar.

Ela mantém uma relação de carinho com Clara (Bianca Bin) e, apesar de pressentir as dores do caminho da menina, respeita suas decisões. 

Lição de vida 

Além do papel forte, uma das questões que mais chamam a atenção dos telespectadores desde o começo da trama é que sua personagem aparece praticamente sem maquiagem e de cabelos brancos. Inicialmente, Fernanda conta que se estranhou, mas, depois, se acostumou. E passa o recado sobre a eterna busca pela beleza a qualquer preço:

— Quanto mais você opera, passa por intervenções, mais fica deslocado do seu tempo. E, aí, não tem papel. Não é possível encenar a velhice. Daí, o cara não vai para lugar nenhum. Fica indefinido.

"Quase me ajoelhei" 

Cesar Alves / TV Globo/Divulgação
Walcyr criou na hora a personagem

Em sua coluna na revista Época, na semana passada, o autor da novela, Walcyr Carrasco, um dos mais consagrados dramaturgos do país, demonstrou surpresa ao contar que Fernanda queria trabalhar em uma novela sua. 

"Ainda vive em mim algo do menino de interior de São Paulo que fui um dia. Fico tímido diante de quem admiro. Em um evento da Globo, há dois anos, ela me abordou. Para minha surpresa, disse que gostaria de trabalhar comigo. Quase me ajoelhei. Explicou que já tinha mais de 80. Seria bom não demorar muito tempo, avisou. Óbvio, criei um papel para ela na minha novela atual, O Outro Lado do Paraíso " contou ele, em sua coluna.

Colega

Em um elenco com mais de 60 atores, tirando os figurantes, Fernanda elogia o trabalho do autor.

— São muitos personagens ricos, todos empenhados em levar o melhor para quem está em casa. Estamos em uma casa que é referência em teledramaturgia — afirma ela, que completa: 

— É uma trama que colabora para trazer de volta um tipo de história que faz falta, o melodrama, o folhetim, as grandes histórias do século XIX.




"Mercedes tem a fé do povão"

Em um elenco estelar, era impossível que os holofotes não tivessem boa parte de suas luzes direcionadas para uma das grandes estrelas da história da televisão nacional. Aos 88 anos, Fernanda se via cercada de repórteres por onde quer que caminhasse. 

César Alves / Globo
Fernanda, na festa de lançamento da novela

E, mesmo com a sua larga estrada, não se recusava fala sobre nenhum tema nem negava pedidos de entrevista.

Por cerca de dez minutos, a atriz conversou com o Diário Gaúcho, no Parque Lage, no Rio de Janeiro, durante a festa de lançamento da novela, no fim de outubro. 

Diário — Sua personagem na novela é muito mística. A senhora acredita em premonições
Fernanda Montenegro —
Eu acho que existem muitas maneiras de você usar seu misticismo, até mesmo quando você não crê em nada. Sempre tem alguma coisa que você se envolve e dá até a sua alma, não é isso? 

Diário — Atualmente, vemos tantos personagens cheios de glamour, supermaquiadas nas novelas. A Mercedes foge disso, não é?
Fernanda —
Ela é singela, simples, tem uma emoção simples. É bem descompromissada com qualquer sofisticação de ideologia. Mercedes tem a fé do povão. 

Diário — A senhora segue o seu coração?
Fernanda —
Olha, meu filho, passados tantos anos, acho que só segui o meu coração. Eu acho, não sei. A gente não se vê em terceira dimensão, não é? Porque, quando você está vendo de fora, é totalmente diferente, não? Mas, na medida em que eu possa me olhar, pensando hoje, só segui o meu coração.

Diário— A novela tem um grande viés voltado para o tema "aqui se faz, aqui se paga". A senhora acredita na lei do retorno?
Fernanda —
Se você não aceitar essa ideia do aqui se faz, aqui se paga, não estará em paz com o próximo, não vai conseguir absolutamente nada. E olha: estamos em um momento complicado neste país, o voto do povo sempre foi de paz, e olha o que essa cambada do Congresso está fazendo. Eles são absolutamente rasteiros. Então, aquele voto de paz e a caminho do melhor, que o povo depositou, não veio. Se situações assim acontecem com um país inteiro, imagina com as pessoas no dia a dia? 


Diário —  A cada novela, a senhora encara desafios diferentes. Como é viver personagens tão distintos, como a Bia Falcão (de Belíssima, 2005), Dona Picucha (Doce de Mãe, 2012 e 2014) e a Mercedes?
Fernanda —
Em uma carreira, existem desafios. Na sua vida de jornalista, você deve ter desafios todos os dias, eu imagino. Todo dia é um desafio, não existe paz de espírito, isso é no outro lado do mundo, além do paraíso (risos). Aqui nessa Terra, não há descanso. Você acorda e agradece a Deus que acordou e tem um dia pela frente.
Passa o dia e agradece a Deus que chegou no fim do dia. E vê o que vai fazer amanhã. Se é que terá algo para fazer amanhã. Às vezes, nesse país, não tem o que fazer no dia de amanhã. 

Trajetória admirável

— A atriz nasceu no dia 16 de outubro de 1929, no Bairro do Campinho Rio de Janeiro. 

— Pioneira da teledramaturgia nacional, foi a primeira atriz contratada da antiga TV Tupi, no Rio de Janeiro, em 1951.

— Pisou em um palco, pela primeira vez, aos oito anos, para participar de uma peça na igreja. Mas a sua estreia oficial no teatro ocorreu em dezembro de 1950, ao lado do marido Fernando Torres (1927 – 2008), no espetáculo 3.200 Metros de Altitude, de Julian Luchaire.

— Na extinta Tupi, participou, por dois anos, de cerca de 80 peças. Ganhou o prêmio de atriz revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1952, por seu trabalho em Está Lá Fora um Inspetor e por Loucuras do Imperador. 

— Mudou-se para São Paulo em 1954, onde fez parte da Companhia Maria Della Costa e do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Lá, com o marido, formou a sua própria companhia, Teatro dos Sete. 

— Logo na estreia, a sua companhia emplacou o sucesso O Mambembe (1959), de Artur Azevedo, no Theatro Municipal do Rio. 

— Em 1963, estreou na TV Rio, com as novelas Amor Não É Amor e A Morta sem Espelho, ambas de Nelson Rodrigues. 

— Na década de 70, se manteve afastada da televisão por nove anos, aceitando poucos papéis. Participou apenas do teleteatro A Cotovia (1971), de Jean Anouilh, da Tupi, e do Caso Especial da Globo, Medeia (1973).

— Estreou em novelas da Globo em 1981, a convite de Manoel Carlos, que preparava a nova trama das oito, Baila Comigo. A personagem Sílvia Toledo Fernandes foi escrita para ela. Antes do fim da novela, deixou o elenco para atuar na nova trama de Gilberto Braga, chamada Brilhante.

— Em 1983, em Guerra dos Sexos, viveu a inesquecível Charlô. Na cena mais famosa da trama, ela e seu primo Otávio (Paulo Autran) fazem uma guerra de comida durante o café da manhã na mansão onde moravam. 

Reprodução / TV Globo/Divulgação
Com Autran, na clássica cena de Guerra dos Sexos

— Em 1999, com Central do Brasil (1998), Fernanda disputou o Oscar. Porém, a estatueta ficou com a norte-americana Gwyneth Paltrow pela performance em Shakespeare Apaixonado (1998). No Globo de Ouro, Central do Brasil faturou o prêmio de filme em língua estrangeira.

Ver Descrição / Agencia RBS
Em Central do Brasil, com Vinícius de Oliveira

— Em 2012, estrelou o especial de fim de ano Doce de Mãe. A atuação como dona Picucha rendeu-lhe o prêmio de melhor atriz no Emmy (Oscar da TV) Internacional. 

— Em 2014, foi novamente indicada para o Emmy de melhor atriz, na mesma competição em que Doce de Mãe, já como série da Globo, foi escolhida como a melhor comédia.

* Fonte: Memória Globo.






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