Música
Serranos, Tchê Barbaridade, dupla com Enzo, livros e acidente: Rodrigo Munari relembra 30 anos de carreira
Gaúcho faz dois shows, neste sábado e neste domingo, para celebrar três décadas de estrada
Com três décadas de carreira, Rodrigo Munari, 45 anos, tem tanta história para contar que daria um livro. Ou mais de um. Ele assinou sua carteira na Ordem dos Músicos do Brasil aos 15 anos, quando integrava o grupo Vozes do Vento, sua primeira experiência profissional na música, ao lado de amigos de Osório, sua terra.
Em seguida, passou por dois dos principais grupos do Rio Grande do Sul: Tchê Barbaridade e Os Serranos. Com 25 anos, saiu de Os Serranos, formou dupla com o irmão Enzo, percorreu o país em shows e teve música em novela. Mas nem tudo são flores, e Rodrigo sofreu um acidente jogando futebol, quando teve traumatismo craniano. Ao terminar a dupla, apostou no voo solo e lançou mais livros. Essas são só algumas histórias de um dos personagens mais queridos da música gaúcha. Neste fim de semana, ele celebra a data com dois espetáculos na Capital.
Duas noites de romantismo
Em duas noites, neste sábado (19) e neste domingo (20), no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa, Rodrigo Munari celebra 30 anos de carreira com o show As Histórias por Trás das Canções, acompanhado de Diego Banega (baixo), Gilberto Oliveira (violão e guitarra), Tiago Lewis (piano) e Vaney Bertotto (bateria). O gaúcho apresenta faixas como Meu Retorno, do período em que integrou Os Serranos, Romance das Duas Flores, Diferenças, Traz de Volta a Minha Vida, da trilha da novela da Globo Paraíso (2009), além de inéditas, como Teu Love e Rumo Certo.
Pai inspiração
Teu Love foi composta para a filha, Sofia, 16 anos, que participa do show interpretando ao lado do pai No Azul do Teu Olhar. A menina também cantará uma faixa de sua autoria, que está sendo mantida em segredo.
— Para completar três décadas de trabalho totalmente dedicado à música, é preciso ter a capacidade de ainda se emocionar com cada criação. Perceber que não somos seres estáticos, principalmente o artista. É fundamental estar em movimento constante — diz Rodrigo.
Também nas duas noites, ele lança o seu terceiro livro, As Histórias por Trás das Canções (editora Munari Produções, R$ 30). Nele, recupera o contexto em que suas músicas foram criadas.
De um drama, a nova faceta nas letras
"A quebrada de cabeça", como se refere ao acidente que lhe causou um traumatismo craniano, fez surgir a veia de escritor em Rodrigo:
– Eu não tinha como fazer show e não me permitia ficar em casa sem trabalhar.
Quando a dupla com Enzo acabou, terminou de escrever Romance das Duas Flores (editora Munari Produções, R$ 30), o seu primeiro livro.
– Se dependesse de mim, da tiragem inicial (2 mil livros), teria 1,9 mil em casa e teria dado cem aos amigos. Aí, entra a Dani (Daniela Bitencourt, 42 anos, esposa, que trabalha com ele). Graças a esse trabalho em conjunto, já vendemos 4 mil exemplares e 6 mil do Diferenças (editora Munari Produções, R$ 42) – fala, sobre o seu segundo livro que aborda a empatia nas crianças.
Por isso, já foi patrono de feiras do livro, como a de Torres e a mais recente infantil de Rio Grande, em setembro.
“Olhando para trás, a gente estava na marca do pênalti”
Tens histórias interessantes, como ter saído, aos 25 anos, de um dos principais grupos do Rio Grande do Sul: Os Serranos.
Entre 1991 e 1993, eu integrei o Tchê Barbaridade. Gravei com eles o segundo disco, que tem Moça Fandangueira. Tocava contrabaixo. Tinha chegado a Porto Alegre, aos 16 anos, e já era contrabaixista do Tchê, pisando no barro e passando muito trabalho. Mas o tempo dá uma isenção boa pra gente. Quando eu estava vivendo aquilo, era dolorido. Mas, lembrando hoje, me ferrei durante só dois anos. Em 1993, eu entrei em Os Serranos e fiquei sete anos (no grupo).
Vivi muita coisa bacana. Fomos na Hebe, no Programa do Jô, ainda na época do SBT. Àquela época, aconteceu uma coisa muito engraçada. Aqui, no Rio Grande do Sul, todo mundo sabia que o Edson Dutra era o líder do grupo e tal. Mas, em São Paulo, as pessoas não sabiam quem era quem. Sempre chegavam em mim, que era o cantor (risos). E o Edson falava (Rodrigo emposta a voz para imitar o timbre de Edson Dutra): “Gurizinho, tu és bem articulado, isso é importante. Posso não ir mais dar entrevistas nas rádios e tu podes ir. Estaremos bem representados”.
Parece o cenário ideal para um jovem músico vindo de Osório.
Claro! Eu não me furtava de ir para o Interior, pras rádios, dar entrevista e tal. Mas, com 25 anos, em 2000, resolvi sair. Eu não podia estar no ápice da minha carreira com aquela idade. Eu sabia que, se eu ficasse mais um pouco nos Serranos, eu não iria sair nunca mais, porque era muito bom, zona de conforto total. Eu ganhava uma grana boa, me divertia.
Mas o que te levou a sair?
Eu compunha outras coisas, diferentes do que Os Serranos tocavam. Fiquei um ano ou dois me ferrando, em carreira solo. As gravadoras me ofereciam grana, queriam que eu gravasse de bombacha. E não aceitei.
E a dupla com Enzo (de 2003 a 2014)? A impressão que se tinha é que iria longe: eram dois caras cantando músicas românticas...
Foram bons momentos. Estivemos no Domingão do Faustão, tivemos música em novela. Mas, em 2008, passei pelo momento que virou uma encruzilhada na minha vida. Fazia uns 30 dias que a gente tinha gravado a última cena do DVD, e eu tive um traumatismo craniano. Bati a cabeça em um poste, jogando futebol de salão. Estávamos em crescimento, a Som Livre lançaria o primeiro DVD (depois, viria a ser lançado pela Posto 9). E os primeiros neossertanejos não tinham estourado.
Era a hora de vocês?
Claro! Os primeiros neossertanejos que pintaram eram tocadores de vanerão. E todos os caras tocavam violão “batendo vanera”. Pegaram a nossa música, deram uma maquiada mais pop, tiraram um pouco o “ranço” e ficaram milionários. Depois, teve uma galera de Goiás que misturou o arrocha, que é mais nordestino, com um pouco de sertanejo. Mas eu aplaudo. Eles entenderam o mercado e o que as pessoas queriam ouvir. Olhando para trás, a gente estava na marca do pênalti pra fazer o gol. Seríamos empresariados pelo pessoal da Posto 9, empresários de gente como Barão Vermelho e Kid Abelha.
E veio o acidente...
Sim. Quando me acidentei, perdi toda a agenda de shows. Fiquei 14 dias internado na Santa Casa. Desses 14, não me lembro de nada em 11 dias. Não cheguei a entrar em coma, porque os médicos não me deixavam. Estimulavam a cada duas horas. Na época, o neurologista que me tratou me dizia que, todos os dias que abria a porta do meu quarto, achava que eu não estaria mais lá.
Meu cérebro era só coágulo, não tinha o que fazer. No sexto ou sétimo dia de internação, ainda estava vivo, tinha reduzido muito (o coágulo), tipo milagre. Em 11 dias, fiquei com o cérebro zero bala. Tem uma frase dele, que guardo até hoje:
"Não sei quais são as tuas crenças, mas, na minha, Deus deve ter reservado algo pra ti." Fiquei sem sequela.
Depois dessa situação surreal, a dupla seguiu. Em 2014, vocês se separaram. Como foi?
Quando a dupla acabou, eu estava prestes a fazer 40 anos. Sabe quando tu estás em um casamento, no qual a relação está boa pra ti, mas, para a outra, está uma m...? E tu, boca-aberta, chegas dizendo pra pessoa um monte de coisas, e ela te dá um pontapé (risos)? Foi isso que rolou. O Enzo chegou e me disse que queria fazer trabalhos paralelos. Eu falei:
"Não funciona, o Chitão não larga o Xororó para brincar com os Fevers".
E ele disse: “Não vim discutir contigo, vim te comunicar”. Eu falei: "Cara, tu vai nos matar". E ele falou: "Paciência, se isso for o preço".
E saiu aliviado, como sai quem acaba uma relação que não quer mais.
E como ficou a relação de vocês?
Ótima, pois somos irmãos. Não há mais papo profissional. A gente segue com amor de irmão, fraterno. Quando estamos juntos, fazemos as coisas que as famílias fazem. Mas, ao mesmo tempo, também não falo de trabalho com a minha irmã, que é médica nem com o meu outro irmão, que é publicitário.
Hoje, estás cantando o que gostas, o que querias quando saíste de Os Serranos?
Eu queria fazer o que estou fazendo hoje: um som romântico, latino, mais pop, ligado à geografia daqui de baixo (do Sul). Gosto disso. Quando o Fito (Paez) grava Parte Del Aire, é um chamamé. Tá, não é um chamamé do Tarragó Ros (cantor argentino), mas é do Fito. Assim como eu acho que o Jorge Drexler é um milongueiro. Assim como eu me considero um tocador de qualquer coisa aqui do Sul.
É possível notar a presença da tua família em diversos momentos. Sofia canta contigo, Daniela trabalha em parceria. Qual é a importância da família para ti?
A família é um porto seguro onde construímos afetos e valores. É onde aprendemos o sentido de sermos mais do que um só. É referência para a vida.
Serviço
— O quê: show: As histórias por trás das canções _ 30 anos de carreira de Rodrigo Munari
— Quando: neste sábado (19) e neste domingo (20), às 20h
— Onde: Teatro do Centro-Histórico-Cultural Santa Casa, Independência, 75
— Quanto: ingressos a R$ 50, à venda no site do artista e no local, a partir das 16h. No local, ainda, estará à venda o novo livro de Rodrigo As Histórias por Trás das Canções (editora Munari Produções, 112 páginas, a R$ 30).