Agora, na ficção
Renato Dornelles lança o romance "A Cor da Esperança" nesta segunda na Capital
Narrativa tem o bairro Restinga como cenário
Mais de 10 anos depois do livro-reportagem Falange Gaúcha (editora RBS Publicações, R$ 20, preço médio), Renato Dornelles volta ao mundo literário. Desta vez, em formato ficcional - ou nem tanto - com A Cor da Esperança (Falange Produções, R$ 44, preço médio). A obra será lançada nesta segunda-feira (nove), às 20h, no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues (Erico Verissimo, 307).
Depois de adentrar as galerias do Presídio Central, tomadas por facções poderosas, Renato apresenta, agora na forma de uma crua ficção, as histórias de quem fica do lado de fora das grades, mas que são pessoas tão presas quanto aquelas que povoam os presídios. A história gira em torno de Dona Esperança, uma mulher simples da Restinga, figura carismática e reconhecida na região por sua preocupação com a comunidade. O coração da velha senhora abriga muito mais do que os filhos e amigos mais próximos. É o esteio de quem precisar, basta chegar para encontrar conforto.
Renatinho, como ficou conhecido entre os colegas de profissão, empresta à ficção muito de sua experiência na realidade como repórter policial, função que exerceu durante anos no Grupo RBS. Sabe como ninguém, devido aos seus mais de 30 anos de jornalismo, retratar todas as facetas da realidade. Sabe que, ao final de tudo, resta a incansável esperança, tão forte quanto a sua protagonista. Na Restinga - ficcional ou real, pouco importa, já que ambas se mesclam _ , os habitantes convivem com "vizinhos" nada amigáveis: violência, condições precárias de moradia, fome e miséria. Fora dali, as mazelas são outras, como desigualdade, racismo e preconceito. A cada vez que se afastam de casa, os jovens, principalmente, sentem o abismo que os separa dos outros moradores da Capital.
O círculo familiar de Esperança representa arranjos que se encontra aos montes na realidade. Famílias disfuncionais ou com configurações peculiares, mas agregadoras. Filhos - biológicos ou de coração - que dividem o mesmo espaço sem distinção. A esperança não é apenas o mote principal da história. Esperança, a personagem, é como uma estrela, ao redor da qual gravitam os personagens apresentados no livro.
Com seu coração imenso, Dona Esperança se empenha em resolver os problemas dos amigos, familiares e até da vizinhança mais afastada. Enquanto lida com as agruras do dia a dia, arruma tempo para contar suas histórias e as de seus antepassados. Assim, a realidade da família se confunde com o contexto histórico do povo negro em solo gaúcho. Enquanto isso, na comunidade, uma juventude perdida para o tráfico tira a paz dos moradores. Meninos e meninas entram em um caminho sem volta em troca de promessas de dinheiro "fácil".
Sem vilões
Um dos pontos mais interessantes da história é a ausência de maniqueísmo, ou seja, do bem e do mal delimitados. Não há mocinhos ou vilões, mas sim personagens que, de tão humanos, parecem reais. Poderiam, inclusive, ser nossos parentes ou amigos. Bandido bom é bandido morto? É uma discussão que nunca sai de moda. Ao humanizar, dar nomes e histórias a personagens que poderiam muito bem estar nas páginas policiais deste ou de outros jornais, Renatinho confirma o que muitos já sabem: às vezes, o crime é a única - ou, pelo menos, a mais atrativa - das opções para quem vive em meio a zonas conflagradas.
Sem oportunidades, tendo de um lado o preconceito das classes mais abastadas, e de outro, a oferta de dinheiro fácil do tráfico, muitos jovens entram em um caminho sem volta. A cadeia ou as balas - que são dezenas, para não haver dúvida de que o "recado" foi dado - são o destino de quem se deixa seduzir pelo crime.
Ao final da história, que passa como um sopro de tão envolvente, Esperança já nos parece uma amiga de longa data, ou até mesmo uma avó querida e amorosa. E é por acreditar que existem outras como ela nas zonas mais miseráveis do país, que nossa própria esperança permanece intacta.