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Os impactos da catástrofe ambiental do RS na saúde mental das mulheres 

Colunista Giordana Cunha escreve sobre o universo feminino todas as quintas-feiras

30/05/2024 - 05h00min


Giordana Cunha
Giordana Cunha
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Camila Hermes / Agencia RBS
Especialista afirma que o público feminino é um dos mais afetados em casos de catástrofes

O impacto na saúde mental das mulheres gaúchas a partir da catástrofe que assola o Rio Grande do Sul não pode ser estimado pois, infelizmente, ainda se vive a maior tragédia climática do Estado. Porém, não dá para negar que isso já está gerando diversas consequências no bem-estar delas.

Segundo a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS Luísa Habigzang, o público feminino é um dos mais afetados em situações de desastres socioambientais, e a razão disso está na desigualdade de gênero, que se agrava em momentos como esse.

– Existem diferenças em relação às expectativas que se tem entre os homens e as mulheres na sociedade. Quando analisamos a situação das mulheres que estão nos abrigos, há uma forte preocupação atrelada a essa responsabilidade de cuidado dos outros, da limpeza e reconstrução da casa, o que é muito vinculado ao público feminino socialmente – afirma.

De acordo com Luísa, a sobrecarga que recai sobre elas deve ser acompanhada de perto, pois problemas de depressão, ansiedade, e outros transtornos do estresse pós-traumático podem vir a aparecer. 

– Pode-se dizer que são aspectos comuns de surgirem depois de uma experiência de um evento traumático como esse que a gente está experienciando. 

O que a maior parte das pessoas está demonstrando hoje são sintomas de estresse agudo – relata.

Minimizar efeitos

Pensar em uma solução para tentar amenizar os efeitos na saúde mental das mulheres parece impossível neste momento. A psicóloga diz que um dos fatores que tendem a ser positivos em momentos como esse é o senso de comunidade e de pertencimento. Porém, ela ressalta que, em primeiro lugar, o atendimento aos direitos humanos fundamentais devem ser garantidos para que a discussão de cuidados pós-catástrofe possa ser iniciada. 

– A gente precisa de uma organização do Estado para que essas pessoas voltem a ter a sua casa. Esse é um direito importantíssimo, que precisa ser garantido – diz Luísa, que conclui: 

– É preciso garantir direitos de moradia, segurança alimentar, renda, saúde,  prevenção à violência doméstica e comunitária para que possamos contribuir de forma efetiva na minimização dos efeitos desta experiência traumática.

E a situação se agrava para o público feminino, porque “quando tu tem os teus direitos violados pelo fato de ser mulher, isso te vulnerabiliza muito em vários aspectos, inclusive na saúde mental”.

A hora de buscar ajuda

– Se não está se sentindo bem, muito desanimada, desesperançosa ou tendo outras reações e sintomas, é importante buscar ajuda na rede de saúde para uma avaliação e atendimento psicossocial – alerta Luísa.

Pensando em auxiliar a população, muitas iniciativas foram criadas e instituições mobilizadas. A ShortMed Sos Enchentes (shortmed.com.br/home/enchente/sos-enchente/) é um exemplo e pode ser uma alternativa na busca de apoio psicológico. 

Criada em 48 horas e desenvolvida por 12 pessoas, a solução foi lançada no último dia 10 pela startup gaúcha WebMed, que faz parte do Tecnopuc. A solução é uma triagem, onde o paciente preenche um questionário online, explicando o que está sentindo, quais são os sintomas etc. Depois disso, as respostas são enviadas ao sistema da TeleDoc, gerenciada pelo Grupo Doc. 

Nesta segunda etapa, o profissional voluntário cadastrado na plataforma da TeleDoc assume o atendimento e entra em contato com o paciente para realizar a consulta. Tudo de forma gratuita. Existem várias especialidades médicas disponíveis, como psiquiatria e pediatria.

– Quando Luciano (sócio proprietário da WebMed) trouxe a ideia para nós, ninguém quis ficar de fora (do desenvolvimento). O momento é de tristeza, mas eu, estando aqui, trabalhando nesse projeto, e sabendo quem é que vai ser atingido com isso – falando no senso positivo da situação –, me causa felicidade e gratidão por estar podendo fazer isso – diz a gerente de operações da WebMed, Gislaine Lorenz.

Ela garante, ainda, que o atendimento é rápido, demorando, no máximo, uma hora. Da data de lançamento até a última terça-feira, quase 1,5 mil pessoas preencheram o formulário. Destas, 553 eram mulheres.

Confira outros locais de atendimento aqui.

Na linha de frente

Arquivo pessoal / Arquivo pessoal de uliana Mazuhy Colussi
Juliana Mazuhy atende cerca de cem mulheres vítimas das enchentes

Em Canoas, cerca de 15 psicólogos voluntários estão realizando atendimentos nos abrigos do município. O gerencimento destes profissionais é feito pela diretora de saúde mental da Secretaria de Saúde, Renata Marin:

– A gente verifica a disponibilidade deles e os direciona para os mais próximos de suas residências. Nos maiores abrigos, existe um voluntário fixo para o local. 

Uma destas psicólogas é Juliana Mazuhy Colussi, que atuou na linha de frente durante a pandemia e agora repete o gesto solidário. Porém, ela afirma nunca ter visto uma situação igual a que está sendo vivenciada:

– Foi muito pior, vendo pela perspectiva mental.  As pessoas perderam tudo. Não foi só a casa. São sonhos que foram deixados para trás, o que não aconteceu no covid-19.

Juliana afirma que a falta de perspectiva e lapsos de memória são os casos mais recorrentes nos atendimentos que ela realiza nos dois abrigos que voluntaria.

– Elas estão com medo de adoecer, do futuro. Como, em sua maioria, são donas de casa, é o local delas que foi devastado. Diferentemente dos homens, que estão mais preocupados com a perda do trabalho – conta a psicóloga, que finaliza: 

– É isso que mais se escuta: “O meu sonho foi deixado pra trás. A minha casa...”.

Empatia

Juliana faz um alerta às mulheres que não foram vítimas diretas da catástrofe, pois, mesmo assim, a saúde mental pode ser afetada. Segundo ela, isso acontece porque existe empatia entre a comunidade.

– Todas as pessoas que podem, devem buscar uma ajuda para conversar, desabafar e botar para fora tudo o que sente. A gente tem empatia, o que nos faz sentir, se colocar no lugar do próximo, o que acaba nos deixando mal. Os estragos podem ser vistos na rua, não é algo invisível – orienta.


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