DELAS
Iniciativa fornece assessoria jurídica e psicológica gratuita para vítimas de violência doméstica em Porto Alegre
Colunista Giordana Cunha escreve sobre o universo feminino todas as quintas-feiras
O ciúme doentio permanece sendo mascarado como um sentimento de preocupação e cuidado. Maria de Lourdes* sabe muito bem disso. E, infelizmente, ela não é um fato isolado.
O namoro dela com Roberto*, o homem que, futuramente, seria pai de seus dois filhos, começou com este controle obsessivo. Com o passar do tempo, ele passou a agredi-la. Proibição já havia se tornado situação corriqueira. Ligações? Só no alto-falante, para que o sujeito também pudesse ouvir o que era falado.
Outras inúmeras violências foram provocadas por ele durante os anos em que estiveram casados, até chegar ao ponto de Maria ser ameaçada com uma arma de fogo engatilhada e mirada para sua cabeça. “Se gritar, eu atiro”, amedrontava o indivíduo.
O pior momento deste casamento, relatado por Lourdes durante entrevista, foi o de ter de contar aos seus filhos o fato descrito a seguir, após ter saído da delegacia por ter denunciado Roberto.
— Teve um dia em que ele pediu para que eu listasse todos os homens com quem eu já havia me relacionado. Eu disse que não queria fazer aquilo, por não querer mesmo e temer pela atitude dele. Ele apertou meu braço e me obrigou. Depois de ler os nomes, me chamar de p*** e outras coisas, me levou até uma rua, conhecida por ter mulheres se prostituindo, chamou um homem qualquer que passava por ali, levantou minha saia e fez com que ele passasse a mão no meu corpo — relata, às lagrimas.
Depois disso, Roberto a obrigou a ter relações sexuais com essa terceira pessoa, enquanto ele olhava, bebia e a insultava.
Fuga
Maria teve forças para “sair” de casa quando a situação começou a ficar mais grave aos seus filhos.
O ex-marido de Lourdes não estava satisfeito com as inúmeras dívidas que viria deixar para ela. Agora, queria endividar o filho mais velho, tirando um empréstimo no nome do guri.
— Ele já sujou o meu nome, não vou deixar ele sujar o de Leo*.
Os dois meninos sempre ficaram ao lado da mãe. Inclusive, não soltaram a mão calejada da matriarca em nenhum momento – inclusive na, possivelmente, decisão mais valente dada por ela.
— Amanhã nós vamos fugir! — Anunciou aos filhos durante uma noite, a qual teve o relógio e o sono como seus inimigos.
Os primeiros raios de sol apontaram no céu e Maria já estava em pé, pronta para mudar sua vida. O trio estava saindo de casa quando viu Roberto cochilando no sofá da sala, local de passagem até a porta de saída.
— Onde vocês vão? — Questionou o homem.
A discussão começou e, nervosa, Lourdes anunciou o que estava planejado. Ele disse que “deixaria” a fuga acontecer, mas não antes de os ameaçar de morte. Afirmou ter de dar uma saída rápida, “coisa de uma horinha”, pois tinha um compromisso.
A mãe e os dois filhos fugiram nesta oportunidade, com duas malas embaixo dos braços, as quais armazenavam as peças de roupas que foram puxadas aleatoriamente do armário no desespero de sair logo. O plano havia sido arquitetado, sob muito sigilo e cuidado, algumas semanas antes com conhecidos de Maria. Não saiu como o planejado, mas em janeiro de 2022 uma nova vida começou para esta família.
Esperança
Em uma nova cidade, Maria e seus filhos tiveram um recomeço complicado, mas em nenhum momento expressou tristeza ao falar dessa parte de sua vida. Eles dependeram por muito tempo de doações para tudo, ela conta:
— Nós dormimos por um bom tempo no chão, sem colchão sem nada, fazíamos cobertor de travesseiro, comíamos sentados no chão... até hoje não temos TV. A gente vai comprando as coisas aos pouquinhos...
Leo tem ensino superior e já está empregado. O filho mais novo, menor de idade, conquistou uma bolsa de estudos em uma escola privada. Maria, que trabalha em um meio no qual já tinha experiência, conta estes fatos com a boca cheia de orgulho, sabida de que o futuro reserva coisas boas aos três.
*Por solicitação da entrevistada e questões de segurança, os nomes são fictícios
MEERS
Um apoio muito importante que Maria está tendo nesse processo de recomeço é o do Projeto de Extensão Continuada Mulheres Empreendedoras e Empoderadas da Estácio Porto Alegre (MEERS). A ação realiza atendimentos psicológicos e jurídicos gratuitamente às mulheres da Região Metropolitana que estão passando e/ou passaram por algum tipo de violência doméstica.
O projeto é formado por três núcleos, os quais contam com cerca de 10 alunos de cada curso participante (Gestão, Psicologia e Direito) e um docente responsável. As mulheres assessoradas pela ação chegam por meio de indicação das instituições estaduais ou por um simples pedido de ajuda virtual por elas mesmas.
O acolhimento é realizado, em um primeiro momento, na maioria das vezes, pelo WhatsApp (51) 99253-2072 – referente à assessoria psicológica – e (51) 99160-3133 – referente à assessoria jurídica.
São cerca de 10 mulheres atendidas por cada núcleo, com acolhimento e trabalho de qualidade. Sabrina Zasso, coordenadora da parte jurídica, conta que, infelizmente, a demanda é maior do que a oferta. Mas ninguém fica sem amparo.
— Nós vamos pegando os casos novos a partir da finalização daqueles que estavam em andamento. É um atendimento que demanda muita atenção e tempo, pois são feitos encontros com as vítimas, acompanhamento em audiências, além de toda a elaboração dos processos jurídicos — diz Sabrina.
Eventos externos
Além de toda a ajuda personalizada que o projeto proporciona às participantes, o grupo desenvolve eventos sociais e rodas de conversas em bairros de Porto Alegre, com o intuito de divulgar o trabalho, além de conscientizar a população sobre a violência doméstica.
— Entregamos, por exemplo, em algumas ocasiões, panfletos sobre os tipos de violência, alertas e explicações sobre quais são os comportamentos abusivos. São informações básicas, que muitas pessoas não têm acesso e conhecem — comenta Sabrina.
A coordenadora do núcleo de psicologia, Simone Frichembruder, conta que esses encontros são muito importantes para a disseminação dos direitos das mulheres:
— Às vezes, alguém pega o folder, lê, lembra de alguém que está passando por uma situação que está ali e diz: “Vou levar para fulana”.
Sabrina e Simone disseram, em entrevista, que o MEERS está aberto para parcerias com pessoas públicas ou empresas, a fim de ter mais recursos para a realização destes eventos externos.
É o grupo que atua na iniciativa quem desenvolve os conteúdos informativos, as exposições, o planejamento das ações comunitárias, coordena as redes sociais entre outras demandas.
— Se tivermos parceiros, podemos ajudar mais muitas mulheres — afirma Sabrina.
Acompanhe MEERS no Instagram: @meers.direito e @meers_psicologia
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve telefonar ao 190.
Central de Atendimento à Mulher 24h – Disque 180
Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e sobre os locais de atendimento. A denúncia será investigada e pode ser anônima. Funciona todos os dias, 24h, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Polícia Civil
Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente, à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o B.O. e solicitar as medidas protetivas.
Delegacia Online
É possível registrar pelo site (delegaciaonline.rs.gov.br), sem ter que se locomover a delegacia (física).
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
Presta orientação e a defesa em juízo das vítimas de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade. Orienta pelo Disque Acolhimento: 0800-644-5556.
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à vítima. Funciona das 8h às 18h.
Fonte: site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul