No adeus
Adotada por Vó Maria, vira-lata permanece ao lado de idosa durante o velório
Milka foi acolhida por assistente social de 102 anos que ajudava na recuperação de presos e morreu neste domingo
Dezenas de amigos foram, na manhã desta segunda-feira, dar seu adeus à Vó Maria, a assistente social que dedicou a vida a ajudar na recuperação de presos que morreu aos 102 anos, neste domingo.
Mas nenhum deles chamou tanto a atenção no velório quanto Milka.
Não só porque Milka é uma vira-lata. Mas porque, desde a madrugada, não saiu do lado do caixão de Maria Ribeiro da Silva Tavares, sua dona, que foi sepultada no Cemitério Jardim da Paz, por volta das 11h.
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Deitada sobre o tapete estampado, mirando os visitantes humanos, Milka lembrou a história de Hachiko, o cão japonês que esperava diariamente em uma estação de trem pelo dono que havia morrido. A cadelinha passou toda a noite acampada na sala de reuniões da Fundação Patronato Lima Drummond, criada pela idosa em 1942 para abrigar presos do semiaberto, onde foi velado o corpo da idosa. Funcionários e presos que passaram pelo local após a morte da "vó", como era chamada, contaram que o animalzinho não desgrudava do caixão.
- Nós tentamos retirá-la lá de dentro, mas ela não queria sair - disse a assistente social Marta Santos Rocha.
Milka só saiu de perto de dona Maria quando o número de visitantes aumentou. Deixou a sala mas, em minutos, voltou, para observar as mais de 20 pessoas que estavam ali naquele instante. Farejou em busca do cheiro da dona, deu a volta no caixão e deitou-se - como quem esperava o afago daquela que se foi.
Encontrada há cerca de quatro anos em frente à Fundação Patronato Lima Drummond e vive no pátio do local. Os funcionários explicaram que todos cuidam dos animais que vivem no Patronato, e prometeram: assim vai continuar.
Dona Maria adotava e protegia animais no patronato
O carinho entre o animal e Dona Maria tem explicação. Além de se dedicar às questões ligadas aos direitos humanos e trabalhar para a reinclusão dos condenados ao regime semiaberto, a senhora de 102 anos adorava bichos. Além de Milka, outros quatro cachorros vivem no local. Gatos e um periquito também tinham a amizade da vó.
- Ela não deixava ninguém maltratar os animais. Tinha vários cachorros e dois gatos que ela adotou - disse um dos presos.
Ritinha, um periquito levado por outro detento há seis meses para o local, também era um dos "xodós" da idosa.
Dona Maria com Ritinha, o periquito de um dos detentos
Foto: Roberto Sotello/Arquivo Pessoal
- Um dia eu trouxe o periquito para cá, ele tinha uns três meses, aí a vó gostou e começou a brincar - explicou o preso.
Roberto Sotello, 50 anos, cuidador de Dona Maria desde o ano 2000, lembrou que a idosa sempre teve cachorro, e adorava a todos - animais e pessoas:
- Ela era um sinônimo de amor. Não sei se eu cuidava dela ou ela de mim.
Veja as imagens de Milka no velório: