Habitação
Áreas irregulares na Grande Porto Alegre têm 350 mil pessoas
Aumento no número de invasões urbanas coloca em evidência a dificuldade histórica dos municípios de gerenciar o uso do solo, deixando principalmente famílias de baixa renda à margem de serviços básicos
A região metropolitana de Porto Alegre vive uma explosão de ocupações urbanas, com pelo menos 40 simultâneas, a maioria iniciada nos últimos dois anos, somando 15 mil famílias. Mas a habitação irregular não é novidade. Muitas vilas hoje consolidadas foram fundadas sobre áreas invadidas há décadas e continuam na informalidade.
Dados apurados por ZH mostram que cerca de 350 mil pessoas - 25% da população da Capital - não têm CEP. Por não terem um endereço reconhecido, um quarto dos porto-alegrenses está à margem de serviços básicos de urbanização como água, esgoto, energia e coleta de lixo, além de não poderem aprovar um financiamento.
Enquanto o poder público se esforça para regularizar e urbanizar bairros nessa situação, movimentos de luta por moradia ressurgem fortalecidos, com assessoria jurídica e discurso afinado em prol do uso de "vazios urbanos", como é o caso do Fórum das Ocupações Urbanas da Região Metropolitana, que ganhou notoriedade no início da semana ao parar o trânsito na Capital em protesto contra uma reintegração de posse. Organizados em cooperativas, os novos ocupantes veem mais próxima a conquista de um terreno escriturado nessas áreas.
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Para a professora Luciana de Oliveira Royer, que desenvolve pesquisa com ênfase em políticas habitacionais na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, os vazios urbanos decorrem de um processo histórico:
- Os vazios acabam se formando pela trajetória de crescimento das cidades que, no Brasil, ocorreu de forma muito rápida e excludente.
Onde a administração pública deixa um vácuo, o direito encontra um nicho. Advogados especializados em legislação urbanística têm conseguido derrubar medidas liminares de reintegração de posse, com base na função social do imóvel, prevista no Estatuto das Cidades, aprovado em 2001. Embora tenha beneficiado ocupantes em alguns casos, a questão é controversa no Judiciário.
- O Estatuto tem de ser interpretado em relação à reurbanização, mas não legitima uma conduta ilícita (uma invasão) - diz o juiz Alex Gonzalez Custodio, que determinou reintegrações em casos recentes.
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A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Betânia de Moraes Alfonsin, atribui o protagonismo desse nicho jurídico às questões de fundo que a disputa entre direito à propriedade e à moradia trazem, como a retenção especulativa, que encarece os imóveis para famílias de baixa renda.
- Acaba que os movimentos de ocupação exercem um papel de denúncia - comenta.
Em meio a tudo isso, proprietários mobilizam todo tipo de ação para recuperar a posse de terrenos invadidos, inclusive com a obrigação de patrocinar meios para retirar os pertences das famílias instaladas, arcando com prejuízos.
Com apoio do Fórum das Ocupações Urbanas da Região Metropolitana, ZH mapeou 20 invasões na Capital e arredores. Veja há quanto tempo foi instalado e o número de famílias em cada área.
Alvorada
Três Pinheiros
Av. Frederico Dihl, 4.480
100 famílias, 3 anos
Alto da Colina
Av. Frederico Dihl, 1.920
500 famílias, 4 anos
Porto Alegre
Império
120 famílias
Sete de Setembro
Avenida Sertório, ao lado do Big
170 famílias
21 de abril
300 famílias, 3 anos
Associação dos Moradores da Vila Dois Irmãos
400 famílias, 3 anos
Morro Santana
300 famílias, 2 anos
Marcos Klassmann
450 famílias, 2 anos
Cooperativa Habitacional Morada dos Ventos
250 famílias, 1 ano e 6 meses
Porto Seco
250 famílias, 2 anos e 6 meses
São Luiz
300 famílias, 5 anos
Baltazar
Professor Augusto Osvaldo Thiessen, 285
20 famílias, 8 anos
Fazendinha
Estrada Antônio Severino com a Avenida Baltazar de Oliveira Garcia
300 famílias, 3 anos
Nossa Senhora Aparecida
250 famílias, 3 anos e 6 meses
Oscar Pereira
200 famílias, 2 anos
Jardim Continental
400 famílias, 2 anos
Capadócia
150 famílias, 1 ano e 6 meses
Carioca
Av. Francisco Silveira Bitencourt, 1.712
100 famílias, 2 anos
Viamão
Santo Onofre
Rua Narciso Goulart de Aguiar, 1.157
400 famílias, 2 anos
Sapucaia do Sul
Ocupação Sapucaia do Sul
Rua Anália Teixeira
30 famílias, 2 anos
Casas de madeira dão ares de vila à ocupação na Hípica
Onde termina o asfalto da Rua Marcírio da Silva Barbosa, no bairro Hípica, zona sul de Porto Alegre, abre-se uma porteira para uma vila em plena expansão. Dezenas de casas de madeira já foram erguidas nos cerca de 200 lotes demarcados pela Cooperativa Habitacional Morada dos Ventos, e outras tantas estão em fase de construção.
As ruas A, B, C e assim por diante estão sinalizadas com placas. Postes de madeira dão suporte a cabos de rede, que levam energia elétrica às residências, por meio de "gatos". Há quem tenha TV por assinatura. Carros, motos e cavalos circulam pelas ruelas da vila que começou a se formar há seis meses, sobre um terreno particular.
A proprietária da área, Hele Nice Bernardes Petkov, entrou com ação de reintegração de posse na Justiça, teve a liminar concedida, mas a medida acabou suspensa por tempo indeterminado. Enquanto isso, a vila segue crescendo. Segundo a vice-presidente da Cooperativa, Daiane Wolski, todos os dias alguém procura um lote.
A cooperativa cobra uma mensalidade para bancar a assessoria jurídica, que lhes dá suporte na luta pela permanência no local. Fazem planos de construir um salão de festas, e até delimitaram lotes para creche e posto de saúde. Daiane afirma que pretendem comprar a terra, não querem de graça.
Celine dos Santos, 29 anos, que chegou grávida à área e passou o final da gestação morando em uma barraca, está confiante.
- Não tinha mais como pagar o aluguel. Quando procuramos a cooperativa, vimos que tinha como dar certo - conta.
A casinha onde hoje cuida da pequena Leandra, de um mês e meio, foi feita pelo marido, que trabalha como auxiliar de obras. Foi trabalho noite adentro por uma semana.
Marteladas na madrugada são o menor dos incômodos relatados por vizinhos da ocupação. Alguns informaram terem sofrido ameaças, reclamam de música alta, festas, brigas, foguetórios e tiroteios. Um loteamento que faz divisa com a ocupação levantou um muro.
VÍDEO: como vivem os ocupantes da Morada dos Ventos
Habitações informais na Capital
479 áreas de ocupação (núcleos ou vilas fundadas sobre terrenos invadidos), das quais 200 estão no Programa de Regularização Fundiária do Demhab.
245 áreas entre loteamentos irregulares (proprietário inicia o processo na prefeitura, mas desiste e, mesmo assim, vende lotes) e vilas clandestinas.
80 processos de regularização fundiária foram analisados no último ano, dos quais 13 aprovados, contemplando 1,7 mil famílias.
350 mil pessoas é a população estimada que vive nesses locais.
18 meses é o tempo médio para aprovação de um projeto de regularização fundiária.