Drama perto do fim
Homem é preso no lugar do irmão
Preso há dez dias, Julio Cesar Sanguinet aguarda liberdade
Por seis anos, Julio Cesar Sanguinet, 33 anos, assistiu à romaria da mãe visitando na cadeia seu irmão, Sandro Sanguinet, 34 anos. Ele nunca quis a acompanhar. Tinha pavor do lugar.
Por ironia, desconfia que foi um crime de Sandro (que teria usado a carteira de identidade de Julio) que o levou à cadeia há dez dias. Desesperada, Maria Salete Sanguinet, 54 anos, tenta provar que prenderam o filho errado:
- Sou mãe, mas nunca acobertei eles. Errou? Vai pagar. Mas esse é inocente.
Sem recursos, a família conta com a Defensoria Pública. Diante das súplicas da mãe, o defensor Fábio Nery já havia feito o pedido de liberdade na semana passada, sem sucesso.
Conforme o tempo passa, a angústia da mãe aumenta. O Diário acompanha o drama, avisado por Maria. Ontem, o jornal testemunhou um passo decisivo para a possível reviravolta.
Com nova prova em mãos, o coordenador das casas prisionais da Defensoria Pública, Irvan Antunes Vieira Filho, foi ao Presídio Central. Conversou com Julio e prometeu encaminhar hoje um pedido de liberdade. Afinal, percebeu a sutileza: Julio não tem a mancha no pescoço que Sandro tinha.
Policial considera hipótese de troca
Faz quatro meses que o drama começou a se desenhar. Depois de cumprir pena por assalto, Sandro foi ao semiaberto e sumiu. Voltou a atacar ônibus. E se apresentaria nas abordagens policias como sendo Julio. Em abril, Sandro foi detido. Na DP, tiraram fotos e chamaram as vítimas. Dois o apontaram e a 20ª DP pediu a preventiva. Só que o documento saiu no nome do irmão errado. Assassinado em abril, Sandro deixou uma herança amarga. Ao menos três assaltos foram atribuídos a Julio.
O policial da 20ª DP Jorge Fraga Antunes considera:
- É possível que ele (Sandro) tenha se passado pelo irmão.
Julio que é caseiro e servente de obras seguia sua vida até o dia 14 passado. Era seu aniversário. Ele se arrumou e saiu para ver amigos. A metros de casa, foi abordado por PMs à paisana. Acabou no Presídio Central.
"Chamem as vítimas"
Diante do defensor público, Julio não escondeu a angústia: "Quanto tempo vou ter de ficar aqui? Meses? Anos?". Ao ouvir um "talvez até amanhã", suspirou aliviado.
Diário Gaúcho - O que aconteceu?
Julio Sanguinet - Foi o meu irmão! Ele pegou a primeira via da minha identidade e colocou uma foto dele. Ele conseguia enganar todo mundo, até a polícia.
Diário - Como foi a prisão?
Julio - Perguntaram meu nome. Eu disse. Eles (policiais) sabiam que procuravam meu irmão e, mesmo assim, me prenderam. Fiquei desesperado. O Sandro é bem diferente de mim, ele é baixo e tem uma cicatriz no pescoço. Chamem as vítimas aqui, elas vão ver.
Diário - O que disse aos policiais?
Julio - Eu disse que foi meu irmão. Mas eles responderam que eu ia ter que ir no lugar dele.
Diário - Como te sentiste?
Julio - Perdido, em um pesadelo.
Sinais viram esperança
Com ajuda da 20ª DP, o Diário encontrou a foto do assaltante que foi mostrada às vítimas. Quem aparece é Sandro: é visível a mancha no pescoço.
- É relativamente comum um inocente ser preso por reconhecimento equivocado, e a Defensoria fica muito preocupada com esse tipo de assunto - frisou Irvan.
Com as fotos, a Defensoria buscou ontem um atendimento emergencial com Julio, no Central. As fotos do pescoço sem mancha ou cicatriz serão anexadas ao novo pedido de liberdade.
- Sandro está cadastrado com a informação da mancha no pescoço, e o Julio não tem essa marca registrada - resumiu o defensor.
Deboche na delegacia
Doméstica, Maria trabalha há 30 anos na casa da mesma família. Criou cinco filhos sozinha. Trabalhava quando, às 11h do dia 14, o telefone tocou. O genro parecia estar brincando: Julio estava preso.
Ela largou as panelas e correu à delegacia. Encontrou o filho suplicando:
- Diz pra eles que isso é coisa do Sandro, mãe!
Atordoada, ela procurou um policial no balcão. Ouviu um deboche:
- Morto não fala, senhora. Como vai provar? Agora, ele vai ficar aí mesmo.
Ela engoliu o choro e seguiu atrás da Defensoria Pública.
- Ver meu filho daquele jeito chega a me dar dor no peito.
O caso
- Sem que Julio soubesse, Sandro teria pego a primeira via da identidade do irmão e colocado uma foto sua.
- Em abril, policiais prenderam Sandro. Segundo a Defensoria, ele se apresentou com o documento do irmão e a prisão preventiva pedida pelos policiais saiu em nome de Julio.
- O inquérito foi concluído pela 20ª DP e encaminhado para a Justiça com três assaltos a ônibus (dias 21 de março, 7 de abril e 8 de abril deste ano).
- Nos dias 9 e 11, dois cobradores reconheceram a foto de Sandro na delegacia. Mas o nome constava como Julio. No dia 12, a Justiça decretou a prisão. Em 27 de abril, Sandro foi assassinado. Julio seguiu a vida normalmente até o dia 14 de agosto.
Julio Sanguinet está preso há dez dias. Garante ser inocente. Culpa o irmão de ter usado sua identidade para cometer crimes. Desesperada, a mãe tenta provar o erro. Pedido de liberdade será encaminhado hoje.