Descaso público
Desaparecido na vida real e esquecido na burocracia
Polícia não encontra a investigação de 1999 que pode relacionar Carmem Topschall ao sumiço de Gabriel Nogueira. Se retomar o caso, DP partirá quase do zero
No dia em que o sumiço do menino Gabriel Guimarães Nogueira, em Cachoeirinha, completa 13 anos, a nova esperança de que ele seja encontrado a partir das investigações que envolvem Carmem Kieckhofer Topschall, por enquanto, se limita ao sentimento da família. O caso, que poderia ter sequência policial a partir das novas suspeitas, se for reaberto, começará quase do zero.
E com uma desvantagem: a avó materna de Gabriel, Judite Mendes, que em 1999 foi a pessoa mais obstinada a encontrá-lo, morreu em agosto.
Todos os dados estão perdidos
Quando desapareceu, Gabriel tinha cinco anos. Hoje, se estiver vivo, está com 18.
- Quando há novidades possíveis, um caso de desaparecimento sempre pode ser reaberto - admitiu o delegado da 1ª DP de Cachoeirinha, Rafael Liedtke.
Tudo o que foi reunido na época sumiu, literalmente, entre a burocracia e as trocas de comando político da Polícia Civil.
DP desativada gerou o problema
Em 2001, a Delegacia de Desaparecidos, que funcionava no Palácio da Polícia, foi desativada. Pela estrutura da corporação, os arquivos deveriam ter sido entregues ao Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) e, na sequência, à delegacia local, responsável pelo caso.
Passados 13 anos, esses papeis não estão na 1ª DP de Cachoeirinha. Os policiais acreditam que não chegaram ou, então, foram extraviados na delegacia.
"Esse caso não é exceção"
- Infelizmente, esse caso não é exceção. A especializada foi fechada de maneira abrupta e nunca mais soubemos dos nossos arquivos. Foram investigações perdidas. Sabia que mais dia, menos dia, esse problema apareceria - disse o então chefe de investigação da Delegacia de Desaparecidos, o comissário aposentado Renato Souza.
Na semana passada, a equipe de investigação de Cachoeirinha fez a procura. Só encontrou, no sistema digitalizado, o registro de ocorrência e duas movimentações no caso - eram dois registros de informações levadas pela família -, mas sem maiores detalhes sobre o caso.
Chefe de Polícia resolve se calar
A reportagem do Diário Gaúcho procurou ontem o chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Júnior, que por meio de sua assessoria de imprensa disse que não falaria sobre o caso. A assessoria de imprensa informou, ainda, que o DPM vai averiguar a situação.
"Deve estar em um lugar"
Em 1999, depois que foi feito o registro da ocorrência de desaparecimento na 1ª DP de Cachoeirinha, o caso foi repassado à delegacia especializada que cuidava do assunto. E desde 2001, quando supostamente os dados da investigação foram entregues à polícia de Cachoeirinha, houve até mudança de endereço da DP.
Diretor do DPM tem esperança
Hoje, para os policiais, é quase impossível a localização das anotações que foram feitas na época pelos policiais civis que trabalharam no caso. Mesmo sem informações precisas, o diretor substituto do DPM, delegado Cléber Ferreira, não acredita na perda dos documentos.
- Nós não temos um arquivo centralizado, mas isso deve estar em um lugar - afirmou.
Projeção do rosto do menino Gabriel
Caso esteja vivo, como será o rosto de Gabriel aos 18 anos? Para tentar responder a essa pergunta, que pode ajudar na identificação do menino desaparecido, o Diário Gaúcho recorreu ao programa de computador do site www.faceofthefuture.com.uk, especialista em projetar feições de como as pessoas ficarão no futuro.
Mãe de Gabriel, Simara Guimarães, 42 anos, teve uma nova esperança de encontrá-lo após o Diário e o programa Fantástico revelarem que a gaúcha Carmem Topschall está sendo investigada pela CPI do Tráfico de Pessoas, como intermediária de adoções ilegais de crianças na Bahia - Carmem era vizinha de familiares de Gabriel, em Gravataí.
Quem tiver alguma pista do paradeiro do menino, deve entrar em contato com a polícia pelo telefone 0800-510-4701.
Memória de policial é a pista
A estrutura da Delegacia de Desaparecidos funcionava com 13 agentes. E como desaparecimento não é crime, muitas vezes, os registros não resultavam em inquéritos numerados e catalogados. Foi o que aconteceu nas buscas a Gabriel.
O então chefe de investigação, Renato Souza, conta que mantinha uma pasta com toda a papelada envolvendo esse caso, incluindo a íntegra dos depoimentos prestados, listagens de testemunhas e suspeitos, anotações feitas pelos policiais com pistas sobre o possível paradeiro do menino e resumos de diligências até 2001:
- Aquele arquivo, sem dúvida, daria um norte para qualquer retomada - afirma
Quem ainda se interessar pela investigação, vai depender da memória privilegiada do comissário. Mesmo aposentado, ele nunca desistiu do caso de Gabriel e manteve-se como interlocutor entre a polícia e a família.
"Foi um caso preocupante"
Renato garante ainda ter alguns papeis guardados.
- Foi um caso muito preocupante, porque pode envolver ainda outras duas crianças desaparecidas no mesmo período - conta Renato.
Carmem, hoje apontada como peça-chave em um suposto esquema de adoções irregulares na Bahia, em 1999, era vizinha de familiares de Gabriel, no Bairro Passo do Hilário, em Gravataí. Um homem de 24 anos na época chegou a ser detido, foragido em Tramandaí, em janeiro de 2000, como suspeito pelo sequestro do menino, mas foi liberado por falta de provas.
Polícia não sabe se ela já era suspeita
Conhecido como Jorginho, ele também era vizinho de Carmem. O que a polícia não sabe mais é o que Jorginho disse na época ou se o nome "Carmem" chegou a aparecer naquelas investigações.
Entenda o caso:
Gabriel Guimarães Nogueira, na época com cinco anos, desapareceu da casa da mãe, em Cachoeirinha, na manhã de 13 de novembro de 1999. Naquele dia, ele deveria ter sido levado por uma tia até a casa da avó paterna, no Bairro Passo do Hilário, em Gravataí.
Um homem conhecido como Jorginho, com 24 anos em janeiro de 2000, foi detido em Tramandaí como principal suspeito pelo sumiço de Grabiel. Acabou liberado por falta de provas.
Com a revelação de que Carmem Kieckhofer Topschall, atualmente vivendo em Pojuca, no interior da Bahia, pode estar envolvida com uma rede de tráfico de crianças no país, a família de Gabriel entrou em alerta. Em 1999, ela acabara de voltar da Alemanha e era vizinha de familiares do menino no Passo do Hilário.
Os problemas
O que a polícia fez e pode ter perdido:
Foram tomados depoimentos de parentes, vizinhos e amigos da família. Daí, surgiram as primeiras suspeitas, todas relatadas em documentos.
Buscas foram feitas em Cachoeirinha, Gravataí, Morro Reuter e Tramandaí, com testemunhas ouvidas.
Um suspeito foi detido no Litoral Norte. Foi tomado o seu depoimento, assim como de outras pessoas.
Investigações sobre desaparecidos:
Até 2001, a Delegacia de Desaparecidos respondia à Divisão de Capturas e Registros Policiais do Deic e centralizava casos da Capital, Região Metropolitana e parte do Interior. A estrutura foi dividida em 2001.
O Deca criou, a partir de então, um setor na Delegacia para Criança e Adolescente Vítima para investigar casos de crianças e adolescentes desaparecidos na Capital.
Os adultos desaparecidos passaram a ser responsabilidade da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos. O Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) distribuiu entre as DPs locais os casos de cada cidade.
CPI pretende ouvir Carmem hoje
Está marcada para às 10h de hoje a reunião da CPI do Tráfico de Pessoas, na Câmara dos Deputados, em Brasília. E a expectativa é de que Carmem Kieckhofer Topschall e o marido Bernhard Michael Topschall, convocados pela Polícia Federal, compareçam.
Nas duas semanas anteriores, os deputados ouviram o juiz e o promotor que investigam as adoções suspeitas intermediadas pela gaúcha no município de Monte Santo (BA), além da mãe de cinco crianças levadas para famílias paulistas e o juiz Vitor Bizerra, que teria concedido as guardas provisórias em tempo recorde.
- Interrogar a Carmem é fundamental para apurarmos as circunstâncias do que aconteceu na Bahia e certamente para evoluirmos na investigação de uma suposta rede de tráfico de crianças - afirmou o presidente da CPI, deputado Arnaldo Jordy, do Pará.
Segundo ele, informações sobre a movimentação financeira do casal, que há uma década foi para a Bahia, e sobre o passado deles em Gravataí, são consideradas essenciais na apuração.