Recanto do Sabiá
Vila fantasma virou cemitério na zona norte
Desde sexta, foram achados seis mortos no Loteamento Timbaúva III, na Capital. Os de ontem estavam numa mata. Seriam vítimas de traficantes
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A sucessão dos cenários de terror deixados pelo tráfico no Recanto do Sabiá, Loteamento Timbaúva 3, Bairro Mario Quintana, não para. Na manhã de ontem, em uma hora de buscas, um cão farejador do Grupo de Busca e Salvamento dos Bombeiros encontrou quatro possíveis vítimas da cidade fantasma em que se transformou a vila na Zona Norte da Capital.
Os cadáveres de dois homens e duas mulheres foram encontrados em avançado estado de decomposição na mata às margens do Arroio Feijó, no limite com Alvorada.
Com a descoberta, já são seis corpos achados na região desde sexta-feira.
Polícia acredita em mais casos
E, de acordo com a polícia, não pode ser descartada a possibilidade de que sejam todos de uma mesma família, desaparecida da vila há 15 dias. Até então, acreditava-se que eles haviam sido expulsos por criminosos.
- Montamos uma varredura a partir da denúncia de que haveria pelo menos quatro corpos ligados a essa família. Tínhamos a informação de que eram crianças, talvez nem sejam eles, mas outras vítimas do tráfico. Não descartamos a possibilidade de ainda aparecerem outros casos - apontou o subcomandante do 20º BPM, major Alexandre Beiser.
Mulher estava a 100m
No sábado, o corpo de uma mulher, ainda não identificada, foi achado a cerca de 100m dali. Até a chegada aos corpos, apesar da mata fechada, é possível notar uma trilha com peças de roupas e possíveis vestígios deixados pelas vítimas ou pelos matadores.
Não pareciam usuários
Para o delegado Gabriel Bicca, a possibilidade mais forte é de que eles sejam vítimas de traficantes e tenham sido executados ali mesmo.
Estavam todos vestidos com bermudas e não pareciam, segundo os policiais militares que atenderam a ocorrência, vestir "trapos", como é comum entre usuários de crack.
Que recanto é esse?
A falta de infraestrutura
O Recanto do Sabiá é a ocupação mais recente no Loteamento Timbaúva 3, Bairro Mario Quintana. Não há um levantamento preciso do número de famílias que moram na região, mas a polícia acredita em mais de mil pessoas.
No limite entre Porto Alegre e Alvorada, a vila não tem água encanada, rede regular de energia elétrica ou rede de esgoto.
No final do ano passado, a Câmara de Vereadores aprovou o início da regularização da área, mas o processo está trancado na fase de estudos de viabilidade do Demhab.
Na ausência das estruturas públicas, a ocupação de casebres historicamente é controlada por grupos de traficantes que impõem o terror a quem resiste às ordens do bando.
Crimes: dez dias antes
Conforme os peritos que examinaram a cena do crime, as vítimas teriam sido mortas cerca de dez dias antes de serem encontradas. O calor dos últimos dias teria acelerado o processo de decomposição.
A perícia tentará apontar a causa das mortes. Próximo aos corpos, foram encontrados uma faca e um cordão. A Polícia Civil não descarta que ambos tenham sido usados para as quatro mortes.
Sombras na cidade fantasma
Na manhã de ontem, o silêncio permanecia entre as casas do Recanto do Sabiá. E o local cada vez mais se parece com uma cidade fantasma. Já há mais de uma dezena de casas abandonadas - os moradores foram expulsos por traficantes que tentam tomar para si o território, nos fundos do Acesso 4, o principal da vila.
Subcomandante do 20º BPM, o major Alexandre Beiser promete uma resposta enérgica:
- Estamos intensificando as ações do pelotão de operações especiais e reforçamos o serviço de inteligência para desarticular quem está agindo nessa região.
Nos últimos dias, pelo menos 14 pessoas teriam sido presas ali. Um adolescente de 15 anos foi apreendido na quinta passada. Informações da Brigada dão conta de que são os adolescentes que estariam dominando o território deixado por líderes como Datena, preso desde o começo do ano.
O método de expulsar famílias de casa com muita violência sempre foi usado pelo bando que domina a área, de ocupação irregular.
Vítimas seriam parentes
A sequência de mortes mobiliza as equipes das duas delegacias de homicídios do Deic na Capital. Investigadores acreditam que os mortos sejam da mesma família.
- A perícia constatou, pelo porte, que não são corpos de crianças, mas podem ser de adolescentes - afirmou o delegado Gabriel Bicca.
Mesmo trabalhando com a informação de que uma família sumiu da vila, a polícia, até o momento, teria a identificação (ainda pendente) apenas da primeira vítima, o homem encontrado na manhã de sexta. O caso é apurado pela 1ª DHD, que não revela o possível nome. Os demais homicídios ficaram sob responsabilidade da 2ª DHD.
- Primeiro, queremos identificar todos e concretizar a linha de investigação. São pessoas que estão desaparecidas e podem, sim, ser eles - revelou o delegado da 2ª DHD, Arthur Raldi.
A suspeita é de que a família (um casal e quatro filhos) seja a que vivia nos fundos de um bar, transformado em ruínas pelos traficantes, que estariam aterrorizando o Recanto do Sabiá. O primeiro corpo foi achado em uma cova rasa, em uma fossa, nos fundos desse bar.
O clima de terror
Há pelo menos um ano, moradores do Recanto do Sabiá convivem com a incerteza se estarão na vila no outro dia ou se serão os novos alvos da quadrilha de traficantes que domina a região.
A polícia suspeita que adolescentes tenham "herdado" bocas de fumo na ausência dos principais líderes, presos neste ano.