Polícia



Sistema penitenciário

Dia de visita é dia de faturar no entorno do Presídio Central, em Porto Alegre

28/11/2014 - 07h05min

Atualizada em: 28/11/2014 - 07h05min




No último dia da série Mulheres no Central, o Diário Gaúcho mostra como os dias de visita movimentam a economia dentro e fora do presídio. No entorno, uma gama de serviços e comércios arrecadam com as visitantes que aguardam a hora da entrada. No interior da prisão, são as cantinas que faturam, a partir do dinheiro dado aos apenados pelos familiares. Isso, sem contar as sacolas com roupas, alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal levados para os detentos.  

Histórias de amor atrás das grades do Presídio Central
Histórias de dor e esperança no Presídio Central, em Porto Alegre


Fotos: Mateus Bruxel

Desde as primeiras horas da manhã, carros e ônibus de linha despejam visitantes na porta do Central. Esse vaivém é o primeiro serviço criado por causa dos dias de visita: algumas mulheres chegam da Região Metropolitana em vans, como se fosse excursão. Ida e volta a Gravataí, por exemplo, custa R$ 23.
No entorno do presídio, a visitação movimenta o comércio e uma gama de serviços. São bares, lancherias e microrrestaurantes lucrando com os familiares de presos, principalmente as mulheres. Cobra-se de tudo. Para o uso do banheiro, por exemplo, os preços variam entre R$ 1,50 e R$ 2. Há também guarda-volumes e até aluguel de roupas.

Junto à fila, posta-se Quelen Marindia Fernandes, 31 anos, uma mulher que, no tempo em que era visitante (cinco anos), aprendeu muito sobre as necessidades das mulheres que vão ao Central. Atualmente, ela lucra em duas frentes: enquanto vende roupas, sacolas, kits com copos e pratos plásticos e outros itens, sua filha atende na lancheria que ela abriu a poucos metros do portão principal do presídio.


Quelen trabalha com a filha no entorno do presídio

Na maior parte dos casos, Quelen vende à vista. Mas também pode parcelar o pagamento, utilizando um curioso, mas justificável, critério:
- Se o companheiro da compradora não tiver uma pena muito curta, dá para vender parcelado.

Outra que aprendeu com o tempo de visitante é Cleia Marilene Rocha da Silva, 50 anos. Entre o cumprimento da pena de um parente próximo e de outra de um filho, ela não faltou a um dia de visitas sequer (duas vezes por semana), durante nove anos. Somados os dias que ela passou no presídio, é como se tivesse cumprido uma pena de aproximadamente dois anos e meio.
- E durante quatro anos, dormi na calçada do Central - conta.
Hoje, ambos os visitados estão regenerados, trabalhando regularmente, para o seu orgulho.

- Mas avisei o meu filho: se ele entrar de novo, ele que arrume uma suíte. Não quero mais passar pelo o que já passei - disse.
Mas Cleia não se afastou do presídio. Atualmente, ganha a vida reciclando o material que recolhe no entorno, depois da visitação. 

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Sacolas salvadoras

Contrariando o perfil tradicional das visitantes, Paula, 44 anos, goza de bom poder aquisitivo. E sempre usou isso para garantir o bem-estar do companheiro, 22 anos mais jovem, que está preso (a história de Paula foi contada na primeira reportagem da série). Ela estima um gasto semanal de R$ 600, entre a sacola e o dinheiro que leva.

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Alimentos, artigos de higiene, nada é esquecido

 Levo cigarros, 2kg de carne, que é picanha ou coxão mole, azeitona, salada, ovo de codorna e doces, além de carne moída e massa de pastel, pois ele faz pastéis para vender - conta.

Para entrar com tudo isso, ultrapassando a cota estabelecida, Paula conta com a ajuda de outras visitantes. Procura quem não esteja com o limite preenchido e, oferecendo alguma vantagem, pede que leve alguns produtos.
Outras mulheres, mesmo com dificuldades financeiras, se esforçam para suprir as necessidades de seus familiares presos.
- Eu trabalho de dia para comer à noite e para trazer a sacola para eles - conta a faxineira Lúcia, 50 anos, com dois filhos detidos no Central e outro na penitenciária de Charqueadas, todos por envolvimento no tráfico de drogas.

Situação semelhante é vivida por Débora, 24 anos. Embora só tenha o pai para suprir com produtos no presídio, ela se desdobra como diarista, pois é a única familiar que o ampara. 



Entre lágrimas e comemorações

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Por dois meses e meio, a reportagem do DG acompanhou a vida de quatro mulheres do Central: Paula, Débora, Lúcia e Ângela. A série termina hoje, mas a rotina delas continua. Confira o que mudou ao final desses 75 dias:

* Paula, 44 anos, chegou a demonstrar  desânimo, mas agora voltou a sorrir. Entre agosto e o início de novembro, houve um grande revés na situação de seu companheiro, que influenciou em seu relacionamento.
Se em agosto ela mostrava-se apaixonada e, com prazer, investia no bem-estar do jovem de 22 anos, depois disso, ela chegou a questionar se tudo o que passa estava valendo à pena.
- Ele chegou a sair da prisão. Morou dois dias comigo e sumiu. Houve novos problemas e ele voltou para a prisão.  Fiquei aqui pensando: isso não é para mim. A cadeia cansa. Aquele cheiro ruim, aquela gritaria toda... Mas repensei e hoje tenho convicção de que vale à pena. Felizmente, está tudo bem entre eu e ele - garantiu.

* Débora, 24 anos, como já esperava, comemorou a progressão de regime de seu pai, do fechado para o semiaberto, o que o tirou do Presídio Central.

* Ângela Almerin, 31 anos, conseguiu: por decisão do juiz Sidinei Brzuska, o marido dela está sendo tratado no Hospital Nossa Senhora da Conceição. Ele sofreu um acidente, antes de ser preso, e corre o risco de perder uma das pernas. Ângela está para concluir o curso de técnica em enfermagem. O bebê dela está quase nascendo:
- Corro atrás do que quero. Meu marido recebeu laudo de amputação da perna, pois a infecção hospitalar não foi tratada no presídio. Vou acionar o Estado.

* A faxineira Lúcia, 50 anos, sorri. Saiu o alvará de soltura de um de seus três filhos presos. Sua rotina estará menos sobrecarregada. Mas, mais do que isso, cresce a esperança de voltar a ter uma vida normal:
- Eu mesma vou arrumar emprego para os meus filhos - promete.

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