Após fuga em massa
Quinze sacos de carvão e 100 quilos de carne: churrasco marca Natal no presídio de Santa Cruz do Sul
Fotos da confraternização entre detentos e familiares circularam em grupos de WhatsApp
Quatro churrasqueiras, com mais de 40 espetos abarrotados de carne e cerca de 15 sacos de carvão, além de refrigerante à vontade, fizeram parte do Natal no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo.
A prática não é ilegal e muito menos incomum nas cadeias gaúchas, mas chama a atenção porque, há pouco mais de um mês, o local foi alvo de uma das maiores fugas da história do sistema prisional no Rio Grande do Sul.
Em 17 de novembro, 26 detentos serraram a grade de uma cela, cortaram duas telas com alicate e escaparam, enquanto comparsas trocavam tiros com agentes penitenciários. Em 25 de dezembro, enquanto nove dos fugitivos seguiam em liberdade, parte dos cerca de 300 presos puderam celebrar o Natal com familiares no pátio do presídio.
— A diretoria do presídio autorizou a confraternização de fim de ano. Não tinha bebida alcoólica, somente carvão, carne e refrigerante — afirmou o delegado penitenciário da 8ª Região, Bruno Carlos Pereira.
Uma testemunha viu quando um carro com reboque entrou no presídio regional. Segundo ela, o motorista é integrante de uma facção de tráfico da Capital, mas não tem mandado de prisão contra ele.
— Entrou como se fosse um empresário fazendo doação. Descarregou uns cem quilos de carne, cem litros de refri e um monte de saco de carvão e participou do churrasco — conta.
A única ilegalidade que será apurada pela Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) está nas fotos do churrasco, que vazaram em grupos de WhatsApp.
— Se existe foto, existiu provavelmente um celular. E isso é ilícito e vamos tomar uma providência. Mas essa foi a única ilegalidade, porque esse tipo de confraternização é permitida e acontece em vários presídios — aponta Pereira.
Há 20 anos trabalhando com execução de penas, o juiz Sidinei José Brzuska confirma que a prática é comum e antiga, mas aponta graves riscos envolvidos nisso.
— Na prática, os presídios ficam superlotados e o administrador, para manter uma certa calma e paz, acaba fazendo concessões. E uma delas é essa, o churrasco. Na lei não tem nada disso (que proíba), mas é algo questionável, porque para a carne tu usas faca, espeto. Ou seja, não há dúvida que tem prejuízo para a segurança — afirma Brzuska.
O delegado penitenciário admite que esse tipo de equipamento, assim como material inflamável para fazer o fogo, é permitido nesse tipo de confraternização.
— Tudo que entra é contado, cada espeto e faca pequena, e, no final, é verificado pelos guardas e tudo é removido. Além disso, a segurança é reforçada — afirma Pereira.
No presídio de Santa Cruz do Sul, são 308 detentos para 168 vagas — quase o dobro da capacidade. Entre os presos, estão membros de facções da Capital e, por isso, o juiz não duvida de que uma delas tenha bancado o churrasco de Natal.
— Levar comida, assim como drogas, é uma das formas que as facções tem de fidelizar os presos. É um apadrinhamento, como os políticos fazem com eleitores. Lá na frente, o preso e a família vão lembrar que o fulano assou aquele churrasco. É absolutamente comum — conta Brzuska.