Polícia



Porto Alegre

Criminosos cogitaram invadir festa de menina de 1 ano para matar desafeto

Douglas Araújo da Silva, Sabrine Panes Rodrigues e a filha do casal, Alice, foram executados quando deixavam a celebração no bairro Rubem Berta, em 23 de setembro de 2018

04/02/2019 - 21h06min


Renato Dornelles
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Arquivo Pessoal / Divulgação
Alice, no colo do pai, Douglas, e ao lado da mãe, Sabrine, na festa de aniversário de um ano

Os criminosos que participaram do triplo homicídio que teve, entre as vítimas, a menina Alice Beatriz Rodrigues, logo após as comemorações de seu primeiro aniversário, no bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre, em 23 de setembro de 2018, cogitaram invadir a festa. No entanto, alguns dos envolvidos — um deles, cumprindo pena no sistema prisional — rejeitaram a ideia, devido à presença de crianças.

A revelação foi obtida pela Polícia Civil, a partir da perícia realizada no telefone de um dos participantes da execução, preso pela Polícia Federal em Guaíba, em outubro. No aparelho, estava armazenada uma série de áudios e fotos com o planejamento da ação e avaliações posteriores. Além da menina, foram mortos os pais dela, Douglas Araújo da Silva, 29 anos, e Sabrine Panes Rodrigues, 24 anos. O delegado Cassiano Cabral, da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (3ª DHPP), enviou à Justiça, nesta segunda-feira (4), o inquérito do caso, com o indiciamento de cinco pessoas por triplo homicídio triplamente qualificado e organização criminosa. Quatro deles estão presos e o quinto é considerado foragido.     

De acordo com o delegado, a intenção dos autores do crime era sequestrar o pai da criança para torturá-lo e obrigá-lo a revelar o endereço de um depósito de drogas e de armas. Douglas, ainda de acordo com a polícia, fazia parte de uma facção criminosa rival da qual integram os executores.

— O Douglas era líder do tráfico no Jardim Leopoldina e sua cabeça estava a prêmio pelos rivais — diz o delegado.

Douglas já havia sido condenado a 10 anos de prisão por tráfico de drogas. Cumpriu cinco no regime fechado, em Arroio dos Ratos e, em 22 de agosto de 2017, progrediu para o regime semiaberto. Em 15 de março do ano passado, passou a cumprir pena com tornozeleira eletrônica, mas, cinco meses depois, rompeu o equipamento e passou a ser considerado foragido. 

No local do crime, peritos do Instituto-Geral de Perícias encontraram dezenas de cápsulas de calibres 556, de fuzil, e de pistola 9 milímetros. A EcoSport usada pelos criminosos foi encontrada horas depois, incendiada no Travessa 10 de Maio, no bairro Passo das Pedras, na zona norte — um Ka preto também utilizado na ação não foi localizado. 

Na véspera e, principalmente, no dia do crime, os criminosos trocaram informações por áudio, via WhatsApp. No mês seguinte, em uma operação da Polícia Federal, em Guaíba, foi preso Maycon Azevedo da Silva, 23 anos, um dos participantes da tripla execução. Em seu celular estavam armazenados os áudios e a fotos, que foram enviados à 3ª DHPP. Depois dele, ainda foram presos Nicolas Teixeira da Rosa, o Ovelha, 23 anos, e Michel Renan Bragé de Oliveira, o Bragé da Bonja, 21 — o último, preso em Garopaba (SC), no Réveillon. Antes de serem transferidos para o Rio Grande do Sul, de acordo com a polícia, ele foi espancado no sistema penitenciário catarinense, por presos revoltados com a execução de uma criança de um ano. Ferido, ele teve de ser isolado na triagem do presídio.

Considerado mandante da execução, Emerson Alex do Santos Vieira, o Romarinho, 29, já estava no sistema prisional na época do crime. Não foi revelada a prisão em que ele está. Leandro Martins Machado, o Mandi, 29, tem mandado de prisão preventiva decretado, mas ainda não foi preso e é considerado foragido. Conforme Cabral, em depoimento, o quarteto preso se manteve em silêncio.

Participante minimizou morte da criança

Divulgação / Arquivo pessoal
Grupo posou para foto com armas e roupas da Polícia Civil antes de emboscada

Nos áudios encontrados no celular apreendido com Maycon, os criminosos alternam falas em que demonstram extrema frieza com outras em que, aparentemente, parecem preocupados com o que poderia acontecer às crianças que participavam da festa de aniversário e, depois da execução, com a morte de Alice.

Romarinho, que já estava preso, foi o primeiro a demover os demais da ideia de invadir o salão. Maycon, depois, segue a mesma linha e todos parecem concordar que o ideal seria esperar o alvo — Douglas, o pai da menina — deixar a festa para, então, vestidos como policiais civis e usando armas automáticas, tentarem sequestrá-lo.

Antes da ação, os criminosos postaram em seus grupos de WhatsApp fotos das armas que seriam utilizadas e deles próprios, vestidos com uniformes da Polícia Civil, mas com os rostos cobertos com desenhos de leões.

Nas conversas posteriores, Bragé da Bonja comunica ao grupo que, além de Douglas, haviam sido mortos a mulher e a filha. Mas minimiza o resultado, alegando que o pai da criança "atirou primeiro", e trata o saldo do crime como se fosse um acidente de trabalho.

OS ÁUDIOS

Antes do tiroteio

Romarinho: "Entrar na festa? Não tem como, tá louco? Um bando de crianças... vai ter gente atirando ali, não vai estar só ele. Vai ter um cupincha também armado. Lá na festa, não tem como."

Romarinho: "O tiro é pegar saindo ou chegando, cortar a frente e meter o guento de polícia, né? Não já atirar. Corta a frente e mete o guento. Tão bem trajados de polícia."

Maycon: "Nós tivemos trocando uma ideia aqui. O cara entrar na festa, ali, o cara vai ser alvo ali, cupincha. Tá ligado? Tem uns três, quatro ali, vão estar no mínimo entre isso aí, né? Rodeados de crianças e bagulhada. Aí nós vamos ser alvo deles, pois não temos como chegar atirando."

Brajé: "Pois eles vão estar no meio de um bando de crianças. Um tiro de bico (fuzil) atravessa duas ou três crianças. Aí vai cair na consequência da gente."

Romarinho: "O cupincha ali, o Bebê, é ligeiro nessa cena. Fala para ele ir seguindo e, quando o cara sair, ele dá um toque de onde o cara tá indo."

Bragé: "O piá passou ali agora. O portão tá aberto. Tem umas 20 pessoas dentro do salão, meu."

Romário: " É só armar aquela cena, subir lá e dominar aquele lá, matar aquele cara e botar em prática, cupincha."

Divulgação / Polícia Civil
Carro das vítimas apresenta várias marcas de disparos

Durante o tiroteio

Participante 1: "Ô Maicão, vai deixar ele (Douglas) sair primeiro, né?"

Participante 2: Vamo guentar (fazê-lo se entregar).

Participante 3: Vamos guentar ele.

Começa uma pequena confusão.

"Calma, calma, calma..."

"Vai, vai, vai..."

Participante 1: "Tem criança, né meu."

Participante 2: "Para (o carro) na frente dele"

"Calma, calma, calma."

Os atiradores parecem sair do carro. É ouvida uma sequência de cinco tiros. Aparentemente, disparados por Douglas.

"Vamo, vamo, vamo..."

"Sobe, sob, sobe..."

"Vai, vai..."

É ouvido o som de um tiro de fuzil.

"Vamo ali, vamo ali..."

"Calma, calma, calma..."

Segue uma sequência de tiros. São pelo menos 25 segundos de disparos feitos com armas automáticas (pistolas e um fuzil).

Participante 1: "Matamos uma criança."

"O cara atirou em nós."

"Partiu presunto (gente morta)".

Depois do tiroteio

Bragé: "Bah, a criança morreu ali mesmo. A mulher também. Morreu toda a família."

Bragé: "Ô, cupincha. Na real, isso acontece. Nós não chegamos de rosto queimando. Nós não matamos ele antes. Ele que deu tiro primeiro."


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