Disputa de facções
Como foi a investigação que desvendou o desaparecimento de taxista em Rolante
Para a polícia, Sérgio Jaime Bernardes, 64 anos, foi torturado e morto, em Portão, no Vale do Sinos, após ser levado no lugar de outra pessoa
Onze dias após o sumiço de Sérgio Jaime Bernardes, 64 anos, a Polícia Civil acredita ter chegado ao desfecho do caso. Para a investigação, o taxista de Rolante, no Vale do Paranhana, foi torturado e morto, em Portão, no Vale do Sinos, após ser levado por traficantes. O caso é tratado como homicídio. O verdadeiro alvo, no entanto, seria outra pessoa. Quatro suspeitos foram presos e dois são procurados.
Na noite de 28 de março, a polícia se deparou com um desaparecimento intrigante. O motorista sumiu após ser chamado para corrida na área rural de Rolante no fim da tarde - ele deveria encerrar o trabalho às 18h. A última vez em que foi visto seguia na direção do Morro da Figueira. Havia atendido pouco antes uma corrida para levar crianças da escola para casa. Após, atendeu telefonema e partiu.
Neste trajeto, o carro foi interceptado por criminosos armados em um Focus numa estrada de chão. Os bandidos obrigaram o condutor a embarcar no veículo e, em seguida, tentaram incendiar o táxi. Como fecharam as portas da Spin, o fogo apagou. O ponto em que Bernardes teria sido abordado é próximo à RS-474, em Santo Antônio da Patrulha.
Intrigava a polícia o fato de os bandidos não terem levado o veículo, o que poderia acontecer num eventual assalto. Também não houve pedido de resgate, o que começou a afastar a hipótese de sequestro. Idoso, sem passagens pela polícia, o taxista não apresentava perfil de uma provável vítima de execução.
— Um senhor sem nenhum antecedente policial, bastante conhecido na comunidade local, de família trabalhadora, com 64 anos. Nada que pudesse indicar envolvimento com a criminalidade — afirmou o delegado Vladimir Medeiros, que conduziu as investigações.
O tempo transcorrido reduzia as chances da vítima ser encontrada com vida. O policial não revela detalhes de como a polícia chegou aos suspeitos. Mas, cinco dias após o sumiço, dois foram presos em Santo Antônio da Patrulha. Um deles, com prisão preventiva, teria sido responsável por fazer o contato com o taxista, solicitando a falsa corrida. Ele confessou aos policiais a participação. O outro, com prisão temporária, ainda é investigado.
— Seu Sérgio não era o alvo da ação criminosa. Não era ele que o grupo criminoso buscava. O alvo tem vínculo com o tráfico de drogas e está sendo investigado. Mas não vamos revelar nada que permita a identificação neste momento. Durante o trajeto, os criminosos se deram conta do erro, mas, mesmo assim, levaram ele — explicou Medeiros.
Outros criminosos aguardavam a chegada da vítima em uma casa em Rolante, no bairro Estação. O local era usado para executar desafetos do grupo criminoso vinculado ao tráfico de drogas. A residência possui saída secreta, em direção a um matagal, que seria utilizada em caso de abordagem policial ou de facção rival. O taxista foi torturado por cerca de meia hora e morto por esganadura, com o cinto da calça.
Não era ele que o grupo criminoso buscava. O alvo tem vínculo com o tráfico de drogas e está sendo investigado.
VLADIMIR MEDEIROS
Delegado de Polícia
— Torturaram a vítima para que ele pudesse prestar informações ligadas ao tráfico de drogas que interessavam à facção criminosa — afirmou Medeiros.
Na madrugada de sexta-feira, dia 29, o corpo do taxista teria sido enterrado numa cova rasa. O cadáver foi depositado em um banhado, com terra e galhos por cima, no fim de uma estrada próxima da residência. Após a prisão dos dois suspeitos, no entanto, os bandidos teriam retirado o cadáver do local, na tentativa de despistar a polícia.
— Uma semana ou oito dias depois, eles voltaram aqui, com receio que a polícia encontrasse a cova. Desenterraram o corpo e levaram até Canoas, em veículo roubado. Incendiaram o veículo com o corpo no porta-malas — relatou o delegado Heliomar Franco, titular da Delegacia Regional das Hortênsias.
Na madrugada do último sábado, o Focus com placas clonadas - o mesmo que teria sido usado para interceptar a vítima - foi encontrado em chamas no bairro Rio Branco, no município da Região Metropolitana. No porta-malas havia um corpo carbonizado. Foi encontrada ainda uma enxada. Apesar da identificação depender de análise pericial, a polícia acredita que é o cadáver do taxista.
— A ferramenta possivelmente teria sido usada para desenterrar a vítima. Estamos aguardando a confirmação oficial do IGP (Instituto-Geral de Perícias) em relação à vítima. Mas tudo nos leva a crer que é a pessoa arrebatada em Rolante — disse o delegado Thiago Carrijo, de Canoas.
Os policiais conseguiram obter mais três prisões preventivas e 11 mandados de busca e apreensão. Na manhã desta terça-feira (9), na Operação Figueira, foi preso em Portão o suspeito de ter enterrado o taxista. Ele levou os policiais até a cova e confirmou a participação. Também informou que o cadáver havia sido retirado do banhado.
Um quarto suspeito foi preso por porte ilegal de arma de fogo, em Rolante. A polícia ainda investiga qual a participação dele no crime. Outros dois suspeitos, com mandado de prisão preventiva, estão foragidos. Um deles teria sido responsável por estrangular a vítima. Eles seriam lideranças do grupo criminoso com base em Portão.
Os mandados foram cumpridos em Rolante, Portão, Feliz, Arroio do Sal e também em Penha, em Santa Catarina. Um dos investigados, já preso, costumava frequentar a cidade catarinense. O delegado Franco afirmou que o caso pode ter sido motivado pela disputa por pontos de venda de drogas entre integrantes de duas facções criminosas. Os grupos, com base em Porto Alegre e em Novo Hamburgo, estariam por trás de vários homicídios na região de Rolante.
A vítima
Aposentado, Sérgio Jaime Bernardes trabalhava há 10 anos como taxista em Rolante. Ele morava com a mulher, Ereni Bernardes, 62 anos, e a filha Maiara Bernardes, 29 anos. O casal tem mais um filho, Daltro Jerônimo Bernardes, 36. No dia em que sumiu, tio Jaime, como era chamado na cidade, havia combinado de fazer o jantar com a filha. Antes disso, pretendia fazer uma corrida. Ele gostava de se exercitar.
No município de 21 mil habitantes o desaparecimento deixou os moradores assustados. O taxista costumava tomar café todos os dias na mesma padaria, na área Central. Ganhou até uma xícara especial. No ponto mais antigo da cidade, costumava atender corridas levando crianças da escola para casa.
Os presos
- Dois suspeitos foram presos na quarta-feira (3), em Santo Antônio da Patrulha. Um deles com prisão preventiva e outro com temporária. De acordo com a polícia, um dos detidos teria sido o responsável por fazer a ligação para o taxista pedindo uma corrida para o interior do município. O outro a polícia ainda averígua qual a participação no crime.
- Nesta terça-feira, foi preso mais um suspeito em Portão, no bairro Estação. Ele residia próximo de onde o taxista foi enterrado. Segundo a polícia, ele teria sido responsável por enterrar o corpo da vítima. Ouvido informalmente, segundo o delegado Heliomar Franco, confessou que enterrou o cadáver em área de mato na madrugada de sexta-feira e que depois o corpo foi removido do local.
- Em Rolante, a polícia prendeu um homem com uma arma de fogo. Ainda é investigada qual a participação dele no crime. Há, pelo menos, mais duas pessoas com mandado de prisão preventiva, que estão sendo procuradas.
Como teria ocorrido o crime:
Pouco depois das 17h de quinta-feira, 28 de março, Sérgio Jaime Bernardes deixou o ponto de táxi, na área central de Rolante, para levar crianças do colégio para casa. Ao fim da corrida, atendeu um telefonema.
A polícia acredita que seria um dos bandidos, pedindo uma falsa corrida, com partida no Morro da Figueira. O taxista teria rumado em direção ao interior de Rolante.
No trajeto, em uma estrada de chão, foi interceptado por criminosos armados em um Focus. Eles obrigaram a vítima a ingressar no carro. O táxi foi incendiado e abandonado. Segundo a polícia, os criminosos teriam se dado conta que ele não era a pessoa que procuravam. Ainda assim, teriam mantido o plano de levar a vítima até o Vale do Sinos.
O taxista teria sido levado até uma casa de dois andares no bairro Estação, em Portão, a cerca de 90 quilômetros de onde o veículo foi interceptado. Ali, o taxista teria sido torturado, para que repassasse informações aos criminosos, em seguida morto por asfixia, com o cinto da calça que usava.
Na sexta-feira (5), por receio de que o cadáver fosse descoberto, os bandidos teriam retirado o corpo do local e levado em um veículo roubado até Canoas. O veículo foi encontrado em chamas, com corpo carbonizado dentro. A identificação depende de análise pericial.