Operação Constrição
Sequência de mortes na zona leste de Porto Alegre foi planejada por detentos e custou R$ 100 mil
Policiais cumprem sete mandados de busca e apreensão e 16 de prisão para interferir em guerra de facções que disputam pontos de tráfico na Capital
Como em uma simples reunião de trabalho para quem está em home office por causa da pandemia, homens decidem sobre vida e morte. Foi assim, por videoconferência, realizada a partir do Presídio Central, que criminosos planejaram a execução de desafetos no bairro Jardim Carvalho, na zona leste de Porto Alegre.
O resultado do encontro virtual entre presos e parceiros livres foram seis homicídios em 48 horas, no final de janeiro. Na operação que deflagraram na manhã desta segunda-feira (22), a Polícia Civil e a Brigada Militar tentam, mais uma vez, interferir na guerra entre facções que disputam pontos de tráfico na Capital.
Durante a investigação que embasou a Operação Constrição, mais ataques foram registrados. Até a manhã de domingo (21), o total de mortes chegava a 12 — além de um morto em confronto com a BM.
O foco do trabalho da 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa é na estrutura de organização e financiamento de ações que já tiraram dezenas de vidas desde 2016. Dos 14 alvos identificados na operação, três já estão em presídios e pelo menos um, que participou das últimas execuções, está com tornozeleira eletrônica. A investigação apontou que ele teria usado papel laminado sobre o equipamento para encobrir as escapadas.
Policiais cumprem sete mandados de busca e apreensão e 16 de prisão, inclusive, em presídios. O trabalho tem apoio da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Até as 8h30min, seis dos alvos haviam sido capturados na rua e quatro detentos haviam recebido nova ordem de prisão.
A identificação de quem está no comando destas disputas sangrentas desnuda, novamente, o descontrole sobre criminosos que já estão sob a tutela do Estado respondendo por outros delitos, mas seguem atuando em organizações criminosas de dentro das prisões. Ou nas ruas, driblando o sinal do monitoramento eletrônico.
Ao prender um dos envolvidos nos homicídios ocorridos entre os dias 30 de janeiro e 1º de fevereiro, a polícia também descobriu que R$ 100 mil foram desembolsados para financiar os recentes ataques. O dinheiro foi destinado à contratação de pessoal, alimentação, armas, munição e pagamento de alugueis.
Os episódios de violência são protagonizados por membros do grupo Antibala, sediados na Grande Cruzeiro do Sul, mais especificamente, no ponto conhecido como Buraco Quente, contra integrantes da facção Bala na Cara, que tomaram os pontos de tráfico da Vila Ipê, no Jardim Carvalho, a partir de 2016.
Conhecidos como “Crias do Ipê”, criminosos expulsos do local naquele ano tentam retomar o poder, amparados por traficantes da Cruzeiro do Sul. O principal motivo dessa aliança, segundo o delegado Gabriel Bicca, titular da 5ª DHPP, é a “mão de obra” fácil:
— A Cruzeiro se destaca hoje nem tanto pela venda de droga, mas pela oferta de mão de obra, pela facilidade em arregimentar jovens dispostos a sair para matar. O pessoal expulso da Vila Ipê buscou apoio e guarida na Cruzeiro.
Durante o trabalho de investigação, os setores de inteligência da Polícia Civil e da Brigada Militar acompanharam planos de novas investidas dos grupos. Houve uma estratégia de saturação, ou seja, reforçar o policiamento ostensivo dentro dos locais identificados como possíveis alvos de represálias.
Mesmo assim, tentativas foram registradas. Em quatro oportunidades — nos dias 2, 4 e 7 de fevereiro —, a BM interceptou veículos com criminosos fortemente armados e que se dirigiam a pontos onde ficam desafetos. Nas ações, foram apreendidos armamentos, munição, dinheiro e drogas.
Em um dos episódios, em que quatro criminosos foram flagrados em um carro clonado e com submetralhadora, um deles, com antecedentes policiais, foi solto pela Justiça por ser réu primário. As polícias tinham informação de que o grupo praticaria um ataque na Vila Cruzeiro do Sul.
Além das recentes mortes, a disputa que se desenrola desde 2016 deixou dezenas de vítimas, entre elas o bebê Emanuel Alessandro Costa dos Santos, de um ano e dois meses, morto a tiros no colo da mãe, em 2 de fevereiro do ano passado. O ataque foi protagonizado por criminosos que queriam vingar a morte de parceiros.
Com as ações dos últimos dias e a operação desta segunda-feira, as polícias querem dar um recado.
— Embora isso tenha começado em 2016, dessa vez foram muitas mortes consecutivas. A operação de hoje foi só o começo. Seguiremos investigando, prendendo e indiciando todos os executores e mandantes, estejam eles fora ou dentro das cadeias — destaca a delegada Vanessa Pitrez, diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.