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Investigação

 Delação premiada, jogo do bicho e vida de luxo na praia: os bastidores da prisão do foragido mais procurado do RS

Tiago Soares da Silva, o Pequeno, foi preso em 11 de março em um apartamento de frente para o mar em Itapema, no litoral catarinense

19/03/2021 - 07h00min


Jeniffer Gularte
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Pequeno, em Porto Alegre, sendo conduzido para a Pasc

Foi a partir de uma delação premiada que a Polícia Civil passou a entender a relevância do papel de Tiago Soares da Silva, 38 anos, o Pequeno, dentro de uma facção criminosa com berço no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. Foragido havia três anos, o alvo número um dos investigadores gaúchos foi preso na noite do dia 11 de março em um apartamento de frente para o mar na praia de Itapema, no litoral norte de Santa Catarina.

Chegar ao paradeiro do homem que, apesar da vida de luxo e conforto, mantinha uma rotina praticamente anônima e circulava sem deixar rastros exigiu esforços por cinco meses de agentes de três delegacias e da Divisão de Inteligência do Departamento de Homicídios.

A colaboração premiada indicou a participação de Pequeno em crimes nos quais seria executor e mandante, entre eles 11 homicídios. Ao longo da apuração, a polícia já contabiliza 20 assassinatos, praticados em cidades como Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha e Sapucaia do Sul entre 2016 e 2020, que teriam as digitais do investigado.

Um deles é aconteceu em outubro de 2019, quando o empresário Jair Silveira de Almeida foi morto com 11 tiros no bairro Anchieta, zona norte da Capital, quando estava dentro de uma Range Rover. Silva é um dos seis réus do crime.

Além da série de homicídios em um intervalo de quatro anos, a delação demonstrou aos investigadores a importância de Silva no comando da organização criminosa, especialmente em Gravataí e na Região Metropolitana, e revelou seu protagonismo em ações criminosas paralelas ao tráfico, como jogo do bicho, roubo a banco, roubo de veículos e a estabelecimentos comerciais. É nesse contexto que Pequeno se tornou o principal alvo da Polícia Civil no RS.

— A facção pratica o homicídio para alavancar o ganho de território. A partir do momento que detém o local, começa a explorar não só o tráfico, como outras atividades. Nada acontecia sem o consentimento dele — afirma o delegado Ricardo Milese.

A partir da delação, o trabalho para chegar ao dia da captura do criminoso contou com agentes da 2ª e da 3ª Delegacia de Homicídios (DHPP) de Porto Alegre, com a Delegacia de Homicídios de Gravataí e a Divisão de Inteligência da Polícia Civil. Com a troca de informações entre as equipes e a análise de dados sigilosos, os investigadores começaram a perseguir os passos de Pequeno.

— Até então tínhamos informações desencontradas da função dele na organização criminosa. Ele entra no nosso radar em outubro e então começamos a trabalhar na localização dele. Ele se cercava de todos os cuidados e não era uma liderança que se alardeava, isso dificultou muito o trabalho — diz Milese.

Embora ele pertença a uma facção cuja o delito principal é o tráfico de drogas, ele é uma figura dentro da organização que diversifica a atividade criminosa, participa do roubo a banco, do roubo de veículo, do roubo a estabelecimento comercial. Ele coordenava essa ramificação criminal.

VANESSA PITREZ

Diretora do Departamento de Homicídios

Conforme a diretora do Departamento de Homicídios, delegada Vanessa Pitrez, a investigação levantou que Pequeno domina boa parte do jogo do bicho em diversas regiões do Estado e recebe um percentual por pontos de distribuição de jogos, atividade criminosa que está se expandindo como braço da facção.

— O jogo do bicho não deixa de ser uma forma de lavar dinheiro do tráfico em uma atividade menos grave criminalmente e menos visada, que chama menos atenção. Embora ele pertença a uma facção cuja o delito principal é o tráfico de drogas, ele é uma figura dentro da organização que diversifica a atividade criminosa, participa do roubo a banco, do roubo de veículo, do roubo a estabelecimento comercial. Ele coordenava essa ramificação criminal.

Dentro do grupo, que tem origem em Porto Alegre, mas disputa pontos de tráfico de drogas em diversas regiões do Estado com outra facção _ essa com base no Vale do Sinos _, Pequeno era a principal liderança que ainda não estava presa. Na hierarquia da organização, ocupa o segundo escalão.

— Ele era nosso foragido número 1 porque nenhum dos líderes de grupos criminosos estão soltos. Todos que são do nosso conhecimento, na mesma posição hierárquica que ele, estão presos, em presídios federais ou aqui no Estado — afirma Vanessa.

Graças ao potencial econômico, Silva transitava entre outros Estados e trocava de apartamento com frequência. Ao ser preso, disse à polícia que residia há três anos em Itapema.

Nas últimas semanas, circulou entre o litoral catarinense e Capão da Canoa, onde se reunia com interlocutores gaúchos. Tinha passagens rápidas pela Região Metropolitana para encontrar namoradas e familiares, mas não permanecia mais de um dia. Em Gravataí e Cachoeirinha, era alvo da polícia e de facções rivais.

Samuel Vettori / RBS TV
Empresário foi morto dentro de caminhonete Range Rover na Rua Bartolomeu Bernardi no ano de 2019

— Monitoramos todo o ciclo de relações pessoais dele — resume o delegado Eibert Moreira Neto.  

Embora desfrutasse de uma vida de luxo, com roupas de marcas, apartamento bem mobiliado e Mercedes na garagem, Pequeno tinha uma rotina discreta. Como estava residindo em uma região de aluguel por temporada, não chamava atenção dos vizinhos. Nas redondezas, era mais um turista à beira-mar. Quem o visse caminhando ao lado do segurança, diria que estava na companhia de amigos. Não ostentava o conforto em fotos, não tinha perfil nas redes sociais e nem aparecia em publicações de pessoas próximas.  

A polícia trabalhava com equipes monitorando Capão da Canoa e Itapema. Pequeno foi capturado no mesmo dia em que foi visto pela Polícia Civil no litoral de SC. O criminoso foi identificado na manhã do dia 11 de março, caminhando sem máscara na orla de Itapema acompanhado de um segurança, que também observava o perímetro externo do prédio dele.

A partir daí a polícia passou a pôr em prática o plano de captura. A equipe decidiu executar a abordagem naquele mesmo dia, levando em consideração a hipótese de que Pequeno poderia se deslocar para outra cidade, colocando a perder os esforços até ali. O combinado era não prendê-lo na rua, já que havia possibilidade de confronto.  

A facção pratica o homicídio para alavancar o ganho de território. A partir do momento que detém o local, começa a explorar não só o tráfico, como outras atividades. Nada acontecia sem o consentimento dele.

RICARDO MILESE

Titular da Delegacia de Homicídios de Gravataí

Ao traçar estratégias para entrar no apartamento, os policiais levaram em conta a possibilidade de haver segurança e armas dentro do imóvel. No final da tarde, Silva saiu a pé para fazer uma coleta de exame de covid-19 e, quando retornou, a polícia já estava com 11 agentes posicionados para entrar no apartamento.

O criminoso estava subindo um lance de escadas, entre a garagem e o segundo andar, quando recebeu a ordem de comando dos policiais para parar. Percebeu a presença da polícia, correu até a sacada do apartamento e visualizou dois agentes na calçada. Entendeu que estava cercado, não reagiu e chorou ao ser imobilizado pelos policiais. Uma namorada estava no imóvel no momento da prisão. 

— Havia grande chance de ter confronto no apartamento, sempre trabalhamos com o pior cenário para não sermos pegos de surpresa. Quando ele viu que estávamos em vantagem numérica de policiais e de armamento, não reagiu — relata Milese. 

Na presença dos policiais, demonstrou articulação na conversa, mas admitiu que estava surpreso. O segurança não estava no imóvel no momento da abordagem.

No final da manhã de sexta-feira (12), Silva chegou a Porto Alegre de helicóptero e foi encaminhado, em seguida, para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), também por via aérea. 

Contraponto

Defensor de Silva, o advogado José Gabriel Silveira Lagranha diz que o cliente nega os homicídios e afirma que só irá se manifestar nos autos do processo.


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