Polícia



Entrevista

"Corri, me escondi, tentei falar, empurrei. E eles continuaram vindo", diz PM que matou quatro pessoas em pizzaria de Porto Alegre

Soldado da BM se apresentou à polícia, entregou sua arma e alegou legítima defesa. Caso é investigado pela Polícia Civil

18/06/2021 - 09h34min

Atualizada em: 18/06/2021 - 09h36min


Jeniffer Gularte
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Lauro Alves / Agencia RBS
PM em conversa com GZH na tarde desta quinta-feira (17) em Porto Alegre

O policial militar que matou quatro homens da mesma família em uma pizzaria na madrugada de domingo (13)em Porto Alegre afirma que disparou contra as vítimas pois havia "esgotado todos os meios" de defesa e porque teve medo de ser morto. O PM de 25 anos falou com GZH no começo da tarde desta quinta-feira (17) sob a condição de não ter seu nome revelado. A conversa de 50 minutos foi acompanhada do advogado do policial, David Leal.

Soldado da Brigada Militar desde 2018 e filho de brigadiano, ele diz que tem vontade de seguir a carreira na corporação. As quatro mortes são investigadas pela 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que trabalha com a hipótese de legítima defesa e verifica se o soldado cometeu excessos. As vítimas são os irmãos Cristiano Lucena Terra, 38 anos, e Christian Lucena Terra, 33 anos, o sobrinho deles, Alexsander Terra Moraes, 26 anos, e o primo Alisson Corrêa Silva, 28 anos.

Durante a fala, o policial disse que se arrepende de ter ido procurar a ex-namorada após sair de uma festa em Alvorada, e entende que não invadiu a casa da família Lucena, no Morro Santana, embora admita que tenha entrado sem pedir licença.

O que você fez naquela noite. Foi a uma festa?
Curtimos a festa, eu e mais dois amigos. Chegou determinado horário, acabando a festa, chamei eles para irem embora. E disse que queria falar com a minha ex. Passei na casa dela, não estava em casa. Pensei que pudesse estar com a amiga, estão sempre juntas. Fui até onde mais ou menos imaginei que a amiga dela morasse. Não sabia ao certo a casa, mas passando em frente eu lembraria.

Já tinha entrado naquela rua?
Sim. A amiga dela mora por ali, mas faz bastante tempo. Disse pra eles me deixarem, que não entra carro na rua, combinei para eles me encontrarem em outro ponto que dava saída para a Avenida Manoel Elias. Se eu não achasse ela, eu pegaria o carro e voltaria para casa. Andei pela rua para ver se eu achava a casa, vi que estava tendo uma festa e, pensei, "se são vizinhos, eles podem conhecê-la ou elas estão por ali." Tinha um pessoal no pátio. O portão estava aberto. Desci as escadas e entrei. Olhei, vi se conhecia alguém. Não reconheci ninguém.

No seu entendimento, você invadiu a casa? Quando eles notaram tua presença?
Acredito que não, estava aberto. Tinha gente no pátio. O pessoal do pátio viu que eu estava ali e não deu bola. E dentro da casa, vieram falar comigo. Eu estava indo embora e me viram.

O que te disseram?
Ele perguntou o que eu estava fazendo ali, quem era eu, disse que eu estava invadindo. Disse que só estava procurando alguém. Eu disse que era vizinho, que morava umas ruas acima, para ver se eles me largavam de mão, e pedi para baixarem o volume, porque estava tentando dormir e amanhã eu trabalho. Ele disse que eu estava invadindo, veio mais gente para volta. Eu fui saindo de ré, subi de novo as escadas. E na rua começaram a me provocar. Eu disse que não queria briga. Que só tinha vindo por causa do som, disse que era PM e que estava indo embora. Quando eu vi que eles iam tomar minhas costas, peguei e saí correndo. Subi a lomba até a Manoel Elias. Pensei que iria encontrar meus amigos e ir embora. Não tinha achado a minha ex.

Por que se escondeu na pizzaria?
Cheguei na avenida, olhei para os dois lados e não vi o carro (dos amigos). Vi o clarão da pizzaria e pensei: é lá. Cheguei lá correndo, disse que era polícia e tinha um pessoal correndo atrás de mim. Perguntei se podia me esconder nos fundos. Ele deixou e fui para o banheiro. Fiquei um tempo no banheiro, uns cinco minutos. Pensei: "ah, eles estão em festa, de repente já voltaram." Saí do banheiro, voltei para frente da pizzaria, olhei para o outro lado da rua, eles me viram. E aí vieram. E voltei para o banheiro. Deixei a porta entreaberta para continuar falando com eles. E eles vindo. Eu disse: afasta, afasta, não quero bolo, sou polícia.

Acervo pessoal / Acervo pessoal
As vítimas Alexsander (de branco), Cristiano (de cinza), Christian (de boné vermelho) e Alisson (com a camisa do Inter)

O que te chamou atenção na rua foi o som?
Sim.

Naquela noite tu pretendias reatar com a tua ex?
Sim. Nos separamos no final de abril. E teve outras datas que passamos juntos. Pensei, quem sabe no Dia dos Namorados. Sempre fazíamos coisas para marcar esse dia. Pensei em conversar, estávamos com a cabeça mais calma um com o outro. E daí deu no que deu.

Tendo em vista que tu entraste em uma casa 5h sem se apresentar, esperava ser bem recebido?
Nesse contexto, não. Eu esperava eles perguntar quem eu era. Eu diria que estava procurando alguém. Mas até porque eu não agi com violência em nenhum momento.

A família disse que deu três tapas em uma das mulheres da casa.
Não. Por que eu faria isso? Sem noção.

Você falou o nome da pessoa que estava procurando?
Não.

Em que momento tu pedes para baixar o som?
Quando eles não acreditaram que eu estava procurando alguém. Eu pensei: se eu disser que sou vizinho, eles vão me deixar em paz. E vida que segue. Mas não sou vizinho deles. Não conheço eles. Eu disse que era vizinho, para baixar o som e que estava tentando dormir.

E tua ex-namorada estava lá?
Não.

O que você acha que provocou a revolta da família?
Sinceramente, até hoje não sei. Não fiz nada demais para eles virem atrás de mim daquele jeito.

Dentro da casa, tu sentiste um clima de animosidade em relação a ti?
Entrei ali e estava tendo a festa. Quando primeiro me abordou, perguntou quem eu era, meio ríspido. E vi que começou a aproximar mais gente. E aí comecei a sair.

E quando você disse que era policial?
No beco. Quando eu estava sendo cercado. Disse que era PM e não queria bolo.

Em algum momento disse que estava armado?
Ali eu disse que era PM. Eu disse que estava armado quando estava no banheiro, porque já estava com a arma em punho.

Por que a pizzaria pareceu um bom local para se esconder?
Porque tinha gente ali, estava aberto. Tinha telefone. Eu estava sem telefone no bolso, acabei deixando no carro.

Por que não ligou para o 190 ao chegar na pizzaria?
Não deu tempo de ligar antes. Liguei depois, para informar o que aconteceu.

Quando estava dentro do banheiro, em algum momento pensou em dar tiro para cima. Algum disparo de contenção que não fosse atingir os quatro?
Não. Isso não existe. Não tem disparo de advertência. Apontei e disse: afasta, afasta. No momento que eles vieram para cima de mim, pensei: vão me matar aqui dentro. Só isso que pensei. Vão tirar minha arma e vão me matar.

Atirou porque achavam que eles tirariam tua arma?
Sim.

Naquela situação, atirar para qualquer outro lugar, que não nas vítimas, não era uma opção?
Não tinha como. Até pelo espaço. Estava encurralado. A bala poderia ricochetear e atingir outra pessoa.

Em que momento se convence de que não teria outra alternativa?
Quando eu não estava mais conseguindo segurar a porta. Eles começaram a entrar.

O vídeo mostra que o Christian, de touca laranja, é o primeiro que te enxerga, abre os braços para os demais não passarem por ele. E um deles fura aquele bloqueio. Naquele momento, alguém tentou conversar contigo?
Não. Tentaram arrombar a porta. Dizendo que iam me pegar porque eu invadi a casa. Que não ia ficar assim. Quando ele veio, eu empurrei. Mesmo assim não adiantou. Veio ele e todo mundo.

Quando deu o primeiro disparo, avaliou que apenas um tiro não bastaria? Por que deu os demais disparos?
Dei o primeiro e eles continuaram vindo. Eles não pararam de vir. Parece que eles não tinham escutado. Não sei se eles notaram que teve um disparo. Tanto é que dei o primeiro, no segundo, minha arma engasgou. Ela ficou aberta, sanei a pane, e eles vindo, e eles tentando empurrar. Foi aí que dei os outros disparos. Pareceu que eles não viram que deu disparo, com o primeiro caído e baleado.

Você lembra onde a arma atingiu as vítimas?
O primeiro foi por aqui (indica perto da barriga). E os outros só fiz assim (aponta a mão para frente).

O que você fez depois de atirar nos quatro?
Saí dali, vi que tem uma das mulheres que estavam junto, que estavam atrás de mim. Mandei ela sair, disse: afasta, afasta. Fui na frente ver se tinha mais gente da festa vindo. Vi que não, voltei para ver se tinha alguém vivo, olhei, vi que não tinha ninguém. Fui no balcão da pizzaria e liguei para o 190. Disse que precisava de apoio. Vi que naquele momento estava passando uma viatura, desliguei, e a polícia chegou.

Não tinha outra alternativa?
Não, esgotei todos os meios. Meu medo era que me matassem.

Os quatro estavam desarmados.
Se eu tivesse desarmado, teria sido espancado.

A família alega que os tiros foram nos rostos e nas mãos dos quatro homens. Você atirou para matar?
Atirei para me defender. Nenhum momento mirei. Só atirei para eles pararem de ir para cima de mim.

Você se arrepende dos tiros?
Não porque estou vivo. Se eu não tivesse atirado, estava morto. Era minha família que ia estar...

Você está afastado do batalhão? Por quanto tempo?
Ainda não sei. Tudo depende da área psiquiátrica da BM. Estou tendo acompanhamento.

Quer voltar a trabalhar na rua como policial?
Quero retomar minha vida normalmente.

Anselmo Cunha / Agencia RBS
Pizzaria onde quatro mortes aconteceram na Avenida Manoel Elias

Se arrepende de ter entrado dentro da casa?
Se eu soubesse de tudo isso nem teria ido atrás da minha ex. Teria ido para casa direto. Mas naquela situação, o que eu poderia fazer? Eu verbalizei antes, corri, me escondi, tentei falar, empurrei. E eles continuaram vindo. O que faria no meu lugar? Eu estava encurralado no banheiro. Sabendo que eu estava armado, continuaram vindo para cima.

A família disse que foi atrás para tirar satisfações da tua conduta por ter invadido a casa.
Daquela forma ninguém tira satisfação com ninguém. Do jeito que eles vieram.

De que jeito?
Se botando, querendo arrombar a porta. Se eles quisessem conversar comigo ali, poderia ter conversado. Dei várias oportunidades. Tentei conversar lá e até na pizzaria quando eu estava trancado no banheiro. E eles continuaram vindo.

O que tu falavas para eles dentro da pizzaria?
"
Afasta, afasta. Sou PM, não quero bronca, não quero briga. Afasta, afasta." E eles continuavam vindo.

Você tem medo de ser preso?
Não.

Já conversou com tua ex-namorada depois do que aconteceu?
Não.

Como ficou depois de ter atirado em quatro pessoas?
Estava nervoso, não sabia o que tinha que acontecer. Qualquer pessoa que acabou tendo de atirar em outras quatro, ficaria.


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