Investigação
"Toda a minha família comia", diz dono de lanchonete onde MP encontrou carne de cavalo em Caxias
Responsável pelo Miru's Burguer afirma que é apenas mais uma vítima de grupo investigado
O Ministério Público (MP) pretende ouvir 20 testemunhas sobre o abate clandestino de cavalos para a produção e venda de hambúrgueres em Caxias do Sul. Os depoimentos serão colhidos até a terça-feira (23), quando está programada a audiência de custódia dos seis presos preventivamente durante a operação realizada na última quinta-feira (18). Será a primeira oportunidade de os investigados se manifestarem oficialmente.
Um dos ouvidos como testemunha nesta segunda-feira (22) foi o proprietário do Miru's Burguer, um dos estabelecimentos onde um teste de DNA comprovou a presença de carne de cavalo nos lanches. A outra lanchonete é a Natural Burguer Sagrada Família. O MP divulgou o nome das duas empresas devido à curiosidade da população diante dos fatos e para preservar os fornecedores e estabelecimentos que atuam dentro do que prevê a legislação e as regras sanitárias.
O dono da Miru's garantiu que não sabia da procedência ilícita dos hambúrgueres ou do abate clandestino de cavalos. Após o relato à Promotoria de Justiça, o empresário aceitou receber a reportagem em sua lanchonete. Por não ser tratado como investigado pelo MP, a identidade dele é preservada.
O empresário afirma que foi vítima de um fornecedor e não teve qualquer vantagem ao comprar a carne. Pelo contrário, ele ressalta que sua própria família comia os lanches.
Como era a sua relação com o fornecedor investigado pelo Ministério Público?
Sempre prezamos pela qualidade e fazíamos os nossos hambúrgueres aqui. Só que comecei a ficar sem tempo. Começou a ficar muito corrido para mim, então optamos por essa recomendação, pegar alguns hambúrgueres dele. Começamos há três meses. Foi por comodidade, para ter esse tempo a mais com o tratamento médico da minha esposa. Fazia um pouco aqui na cozinha e pegava outro pouco dele.
Como ficou sabendo da operação?
Estava dormindo e meu pai ligou. Ele mandou a foto de uma reportagem. Até falei para minha esposa que passaram um trote no meu pai. Era impossível uma coisa daquelas. Depois, fiquei sem saber como agir. Meu celular não parou mais, diversas ligações, notícias e notícias. Foi um baque. Decidimos ficar fechados até que se resolva tudo. Estamos contribuindo com as investigações.
Foi uma surpresa?
Toda minha família comia. Os motoboys e as famílias deles também.
Desconfiaram alguma vez da qualidade dos hambúrgueres?
Nunca desconfiamos. Sempre levamos de boa-fé, inocentes, não pensávamos o mal das pessoas. Eles tinham uma indicação muito grande, várias referências de grandes hamburguerias da cidade. Era um nome confiável, parecia agregar qualidade. Quem me indicou primeiro, inclusive, foi um amigo que não tem hamburgueria. Ele comprava (do fornecedor investigado) para comer em casa com a família.
Não havia nada diferente na negociação com o fornecedor?
Os testes do novo hambúrguer fizemos totalmente interno e com a minha família. Não foi simplesmente comprar e vender para os clientes. Sempre prezei pelo que o cliente ia pensar. Fazia questão de eu mesmo provar e verificar a qualidade antes de oferecer aos clientes. Tenho um nome a zelar.
Esse fornecedor era mais barato?
Não. Inclusive, eu pagava mais caro. Claro, preferia quando eu fazia, mas precisava otimizar o tempo. Esse era um dos fornecedores mais caros (o entrevistado não informou valores). Fui por uma referência e acabei me dando mal.
Qual é o plano a partir de agora?
Agora, vamos contribuir com o que for preciso na Justiça. Estamos abertos para qualquer investigação. Iremos esperar para ver o que irá acontecer. Fomos muito prejudicados com isso. Estou sendo prejudicado por opção minha de ficar fechado. Ninguém mandou fechar (a hamburgueria), foi uma escolha minha para resolver tudo. A verdade é que estou sem saber o que fazer. É uma situação muito atípica.
Se sente vítima desse grupo?
Sim, com certeza. Como, acredito, muitas outras pessoas. Quantas famílias não estão se sentindo vítimas?
Como era a negociação com esse fornecedor?
Eles enrolavam um pouco, diziam que resolveriam mais para frente (sobre documentação como recibos das compras). É um negócio recente (três meses). Cobrava eles, mas era algo conversado, que aos poucos iriam resolver. Como eram indicações (de hamburguerias) fortes, nomes conhecidos, a gente confiava.
Vai continuar trabalhando com hambúrguer?
Sim, é a ideia. Mas, vamos ver. Quem me conhece, conhece minha família, sabe que não preciso de uma coisa dessas. Não tenho nada a esconder, não tenho o que mentir. Somos vítimas.
Como funcionava o suposto esquema investigado
Segundo a investigação conduzida pelo Ministério Público, o suposto esquema de abate de cavalos para a produção de hambúrguer começaria pelos suspeitos Reny e Eduardo Mezzomo, 61 e 26 anos, pai e filho proprietários da chácara em Forqueta onde os animais estariam sendo mantidos para posterior venda da carne.
Após o abate, a carne seria repassada para o também suspeito Alexandre Gedoz, que supostamente seria responsável pela distribuição, conforme informações do MP. Ele contaria com o apoio da esposa Teresinha Salete Gedoz para negociar a entrega de carnes. Em uma das ligações interceptadas pela investigação, a suspeita alertou o motorista a cuidar com possíveis barreiras policiais.
Quem supostamente fazia os hambúrgueres e negociava os produtos com as lanchonetes seriam Marcos André de Bortoli, 50, e Daniel Gnoatto, 57. Daniel é suspeito de ser o principal elo de ligação entre o grupo e os clientes. Ambos são açougueiros e já foram donos de mercados, sendo bastante conhecidos no ramo de carnes. Em uma das ligações interceptadas pelo MP, Daniel e Marcos comentam sobre o crescimento do "negócio", com a encomenda de 800 unidades de hambúrguer para a semana seguinte.
Em uma ligação, Daniel e Alexandre comentam que as entregas precisariam ser feitas "de noitezinha".
O processo ainda lista outros três investigados que, por não terem uma ordem de prisão expedida, não tiveram as identidades divulgadas. Dois deles seriam responsáveis por negociar os cavalos para o abatedouro em Forqueta. O terceiro recolhia restos de alimentos para dar aos porcos da chácara e tinha estreita ligação com a família supostamente envolvida no abate de animais e comércio da carne.
Os seis estão presos preventivamente desde quinta-feira (18). Eles devem ter a primeira oportunidade de se manifestar sobre as suspeitas levantadas pelo Ministério Público durante audiência de custódia na manhã desta terça-feira (22).
Contraponto dos suspeitos que estão presos preventivamente:
:: Marcos André de Bortoli, 50 anos
É representado no processo pelo advogado Leandro Carlo Schramm, que afirma ainda estar se inteirando do caso e não vai se manifestar no momento. Inicialmente, o defensor alega que seu cliente também foi vítima de uma quadrilha inescrupulosa que vendia produtos sem condições para consumo humano.
:: Daniel Gnoatto, 57 anos
Está em negociação para contratação de um escritório de advogados em Caxias do Sul e ainda não apresentou representante no processo.
:: Reny Mezzomo, 61, e Eduardo Mezzomo, 26 anos
Pai e filho são representados pelo advogado Juarez Dambros, que não quis se manifestar neste momento.
:: Alexandre Gedoz, 65, e Teresinha Salete Gedoz, 59 anos
O casal ainda não apresentou advogado para atuar no processo. Por enquanto, a defesa é feita pela Defensoria Pública.