Polícia



Bom exemplo

Segunda maior prisão do RS cria projeto-piloto com técnica que une produção de peixes e de hortaliças sem solo

Parceria entre a UFRGS e a Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas, busca dar oportunidades para os apenados fora da cadeia

28/04/2022 - 07h00min

Atualizada em: 08/05/2022 - 14h45min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS

Quem vê os altos muros de concreto da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, pode ter dificuldade de imaginar que do lado de dentro um grupo de detentos se dedique à produção de peixes e hortaliças. Um projeto-piloto na segunda maior prisão do Estado, onde convivem 2 mil presos, levou à implantação de um sistema de aquaponia em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A técnica, que une psicultura e hidroponia (cultivo de plantas sem solo), é aposta para que os apenados tenham novas oportunidades ao deixarem a prisão.

Quando os presos começaram a frequentar o curso de horticultura urbana, no início do segundo semestre do ano passado, por meio do Departamento de Agronomia da UFRGS, a ideia eram aulas teóricas. Nos encontros, 16 apenados aprenderam técnicas como compostagem, tratamento de solo e cultivo de hortas sustentáveis. Um desses módulos foi sobre aquaponia, algo ainda desconhecido para a maioria. A empolgação dos detentos com a possibilidade de criar um sistema próprio fez o projeto dar mais um passo: a instalação de um protótipo dentro da prisão.  

— Na aula a participação deles era fantástica. A turma era muito motivada. O projeto é deles, estou aqui para dar o suporte técnico. Um sistema desses, familiar, é uma alternativa. Quando (o preso) sai, se demora para ter uma oportunidade de emprego, com R$ 600 a R$ 700 consegue montar um sistema em casa. Vai ter salada, peixe e o excesso pode vender para vizinho. Dá para se defender — explica o estudante de Agronomia da UFRGS Gustavo Henking, bolsista responsável pelas aulas de aquaponia na prisão.

Do desenho ao protótipo

O primeiro passo para instalar o sistema era desenhar o modelo a ser instalado, dentro das condições da penitenciária. Essa tarefa coube a um dos presos, de 32 anos, com conhecimento em funilaria e serralheria. Além de permitir ter uma oportunidade de trabalho dentro da prisão, o que incide na redução da pena (a cada três dias de trabalho, um é descontado), o projeto lhe fez recordar da pesca, uma das suas atividades favoritas.  

— Depois que professor deu ok naquele desenho que a gente enviou, deu menos de 30 dias para montar tudo. Quando eu me sentia perdido, eu pedia para o tenente ligar. “Professor, como é que faz tal bomba passar para as caixas?”. Nem tudo a gente pegou na aula, mas foi aprendendo na prática — afirma o preso, que agora planeja o recomeço assim que deixar a prisão nos próximos meses.  

Assim como ele, outro detento de 41 anos projeta, ao deixar a prisão, usar um pedaço de terra para empreender. No último fim de semana, apresentou ao irmão que foi visitá-lo o projeto-piloto.  

— Assim que eu sair, vamos fazer. Isso aqui me deu possibilidade enorme de eu começar meu próprio negócio. Seguir a vida em diante. Ter ficado preso aqui fecha muitas portas, e isso abriu muitas portas para nós — comemora o apenado.  

O sistema

Para o modelo implantado na PEJ foram adquiridos dois tanques com capacidade de até 2 mil litros de água. Henking imaginou incialmente que seria implantado ali um sistema em tamanho reduzido, mas se surpreendeu quando soube que a ideia era fazer algo maior. A aquisição foi possível por meio de recursos obtidos com a reciclagem de materiais realizada pelos próprios presos.  

— Durante o curso demos opções de modelos. O principal era eles aprenderem a técnica. Onde vai montar, com qual material, é uma decisão deles. Pode fazer até com aquário — explica Henking.  

Como é um projeto-piloto, passaram a ser criadas nesse primeiro momento 32 tilápias, mas é possível chegar a até 160 peixes, o que pode levar a uma produção de 300 quilos de pescado por ano. Ao lado dos tanques, em caixas com brita e argila expandida, são cultivadas hortaliças, como alface, manjericão, alecrim, amarelinha, pimenta, salsinha e manjerona.  

O sistema reaproveita a mesma água, enriquecida com os nutrientes obtidos a partir dos dejetos dos peixes. A água, após ser filtrada, rega as plantas e retorna para os tanques das tilápias, num ciclo sustentável. Assim que for realizada a despesca da tilápia nos próximos dias, os presos planejam cultivar outras espécies: lambaris e jundiás. Mas os planos não param por aí. Dentro da área preparada para receber o sistema, um espaço extra já foi deixado para permitir a ampliação da produção no futuro.  

O que é jornalismo de soluções?

É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.

Alimentos doados  

A cada 20 dias os dejetos excedentes do sistema são retirados e utilizados para adubar o solo em outra horta da prisão. Ali os presos usaram outra técnica aprendida nas aulas e passaram a empregar as sobras da cozinha (como cascas de legumes) para enriquecer o solo. Também montaram uma estufa e se dedicam à produção de mudas.  

— Uma coisa muito boa na aquaponia que a gente não sabia. Se a senhora quer fazer uma muda daqui, tira um galho, dá uma raspadinha. Afasta a brita e enterra no nível da água. Em quatro dias cria raiz. Já pode tirar de lá e botar num vaso. Está pronta a muda — ensina um dos apenados.

Para participar do projeto, os detentos foram selecionados pela equipe de segurança da casa prisional, de acordo com o perfil de cada um, que inclui tanto alguma qualificação anterior, quanto vontade de mudar de vida.  

— Tudo que é produzido a gente reverte para os próprios apenados e o que é a mais nós estamos canalizando para entidades filantrópicas aqui de Charqueadas, que são os asilos e creches. Todo mundo sai ganhando com esse projeto. Nesses apenados que fazem parte a gente vê a motivação em construir algo — afirma o diretor da PEJ, major Fabiano Dorneles. 


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