Polícia



Atrás das grades

Número de mulheres presas aumenta 25% em cinco anos no RS; saiba qual o perfil das detentas 

Apesar da alta, população feminina no sistema carcerário gaúcho representa apenas 5,8% do total; maior parte é branca, tem filhos e baixa escolaridade 

10/07/2023 - 09h53min


Bruna Viesseri
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Uma das maiores casas para presas mulheres do Estado fica em Guaíba

Em uma mudança de cenário, o Rio Grande do Sul vê crescer o número de mulheres encarceradas. Nos últimos cinco anos, a população feminina nas prisões gaúchas subiu 25,14%, o dobro do aumento registrado no público masculino, de 12,53%. 

Ainda assim, o total de mulheres detidas é como uma gota perto do mar de encarcerados: elas são, hoje, 2.494 diante de 40.353 homens. Ou seja, elas representam apenas 5,8% da população total de presos no Estado. Conforme a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS-RS), os números correspondem a detidos do regime fechado, semiaberto e aberto no Estado.

No Estado, o total de presas subiu de 1.993, em 2017, para 2.494, até o fim de 2022, representando um pulo de 25,14%. Já o número de homens presos saltou de 35.861 em 2017, para 40.353 no fim do ano passado, um crescimento de 12,53% (veja mais detalhes nos gráficos abaixo)

De acordo com instituições ouvidas pela reportagem de GZH as prisões masculinas estão superlotadas, assim, homens acabam sendo colocados em liberdade mais cedo. No entanto, as cadeias femininas têm condições de receber as presas que chegam e, por isso, elas podem ficar mais tempo no regime fechado.

Esses dois públicos estão bastante ligados, segundo especialistas: o encarceramento de mulheres está diretamente relacionado a atuação de homens no mundo do crime.

A maioria dessas mulheres está presa por delitos relacionados ao tráfico de drogas, e o crescimento da população carcerária feminina pode estar ligado, justamente, ao endurecimento de ações das polícias contra este tipo de crime.

Para a defensora pública Cintia Luzatto, o número é "surpreendente". A servidora, que também atua como dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública, acrescenta que, no dia a dia, nota que as mulheres presas enfrentam uma série de problemas que, normalmente, não são imputados aos homens.

— Assim como na sociedade, no sistema carcerário as mulheres se deparam com uma série de desigualdades. O tratamento oferecido a elas, no Estado, é muito pior. Há uma cultura exagerada de imposição de prisões preventivas de mulheres, que em sua maioria são pobres e muito vulneráveis. Há um excesso na interpretação e aplicação da lei penal no caso das presas.

Segundo ela, não é incomum defensores atenderem casos em que juízes impuseram a manutenção do regime fechado para presas gestantes e lactantes, por exemplo, que, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), podem ter convertida a prisão preventiva pela domiciliar.

— Há uma grande resistência do Judiciário, apesar de isso estar previsto. Em muitos casos, magistrados ignoram essas questões, criam entraves e mantém a segregação. Vejo que esse cenário revolta até mesmo pessoas que trabalham nas casas prisionais e veem o tratamento dispensado a essas mulheres — afirma a defensora.

O juiz Sidinei José Brzuska, da 3ª Vara Criminal de Porto Alegre, vê os dados de maneira diferente. Para ele, os números não representam de forma adequada o universo prisional do Estado. O magistrado afirma que, nos últimos anos, houve um enfraquecimento do semiaberto e aberto, com o fechamento de casas nesses modelos. Isso ocorreu, segundo o juiz, após casos de ameaças a funcionários e brigas dentro e nos arredores desses espaços.

— Esse dado não faz jus ao sistema. O aumento feminino me parece absolutamente normal. O problema é que não há contabilidade adequada de presos homens por falta de vagas, seja no regime fechado ou semiaberto. Há muitos homens condenados que são soltos, estão nas ruas, porque não há onde colocá-los. O número de vagas no semiaberto e aberto caiu muito, quase não existe perto do que se via há 10 anos. Isso dá a falsa percepção de que a população feminina cresceu mais — diz Brzuska.

Sofrimento é maior

Atualmente, existem no Estado seis unidades exclusivamente femininas. As duas maiores e de regime fechado são o Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, e a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba. Há ainda os presídios estaduais femininos de Lajeado, Torres e Rio Pardo, além do Instituto Penal Feminino de Porto Alegre, em comporta cerca de 70 presas em regime semiaberto.

Conforme a defensora pública Cintia, em Bagé há um anexo para presas mulheres, em uma unidade masculina. Em outras cerca de 50 unidades prisionais, detentas ocupam celas dentro de espaços masculinos. São as chamadas prisões mistas. Segundo Cintia, isso representa outra dificuldade para apenadas:

— Tudo para elas fica mais restrito. Há menos acesso a saúde, ao trabalho, ao estudo, porque elas correm riscos ao transitar pela unidade. Tem casas em que elas representam apenas 10% da população, então quando tem cursos, os homens é que vão fazer participar. Elas ficam relegadas, nas celas, sem poder acompanhar.

Além disso, há outro aspecto que torna ainda mais penoso o encarceramento: elas acabam abandonadas por seus pares. O isolamento de presas foi tema de um dos livros do médico Drauzio Varella, em 2017, que após mais de 10 anos de atendimento em penitenciárias femininas de São Paulo escreveu sobre como ficam esquecidas por não ter seu erro tolerado por familiares. 

Recentemente, o documentário Olha pra Elas também aborda detalhadamente como se dá o abandono das presas e a desestruturação de seus lares. Lançado neste ano, o trabalho é da cineasta gaúcha Tatiana Sager e do jornalista Renato Dornelles.

— O sofrimento da mulher presa é maior que o do homem, pelo rompimento de vínculos, o distanciamento da família. A demanda por medicamento de ordem psiquiátrica, por exemplo, é bem maior nos locais femininos. Basicamente, cumprem pena sozinha, muitas nem sequer recebem visita da mãe, de filhos. Há ainda o fato de que cumprem mais pena que os homens, que, pela falta de vaga, muitas vezes deixam o regime fechado antecipadamente — completa Brzuska.

Segundo ele, os filhos dessas mulheres dificilmente são criados pelos pais, o que agrava o cenário:

— Ou os pais são ausentes ou também estão presos. Se não há familiares para ficar com a guarda, eles vão para abrigos. Este é um problema que o Estado prefere não olhar.

A demanda por medicamento de ordem psiquiátrica, por exemplo, é bem maior nos locais femininos.

SIDINEI JOSÉ BRZUSKA

Juiz da 3ª Vara Criminal de Porto Alegre

Neste sentido, o titular da SSPS, secretário Luiz Henrique Viana, afirma que é dever do Estado entender as particularidades do entorno de mulheres presas e propor alternativas para quando deixarem as casas prisionais:

— Enquanto Estado, devemos apurar ainda mais nosso olhar para esse público, propor políticas direcionadas e prestar atenção a essas estatísticas para implantar cada vez mais projetos e iniciativas para que as apenadas cumpram sua pena de forma digna e tenham a possibilidade de retornar para a sociedade com novas perspectivas e oportunidades — afirma Viana.

Perfis opostos

Há uma distinção clara no perfil de mulheres e homens presos, de acordo com pessoas que atuam na área. A diferença não se dá apenas dentro das casas prisionais, mas também se nota em relação aos motivos que os conduziram até ali. Uma das principais diferenças é a posição que ocupam dentro do mundo do crime. Enquanto homens chegam a assumir lideranças e cargos de poder dentro de grupos criminosos e a participar de assaltos e assassinatos, mulheres, em geral, são presas por atuações menos marcantes, como ao esconder drogas em casa ou cometer furtos em lojas.

— Raramente elas se envolve em crimes mais violentos. Tanto que, quando isso ocorre, os casos ganham muita repercussão, porque foge do padrão feminino. Quem causa insegurança nas ruas, na sociedade, não são as mulheres. Quando a gente caminha num parque, está em local mais afastado, no geral, não é elas que vamos temer — pondera Brzuska.

Essa distinção foi apontada também em um levantamento divulgado em maio pelo governo do Estado. Naquele mês, haviam 2.493 mulheres no sistema prisional, das quais 1.616 tinham condenação. Dos crimes observados, sobressaem os associados ao tráfico de drogas, que representam 47,2%, seguido dos delitos contra o patrimônio, 29,6%. Em menor proporção, estão crimes contra a pessoa, com 8,3%, e crimes contra a dignidade sexual, com 4,3% do total.

Apesar de o tráfico ser o maior motivo para a prisão de mulheres, Brzuska afirma que dificilmente ocupam posições de liderança dentro desse universo:

— Muitas vezes, quando o mandado de busca é feito nas residências, são as mulheres que estão em casa, e normalmente são as pobres, em situação mais vulnerável. Se a droga é encontrada ali, recai sobre ela a acusação, mas o traficante mesmo é o companheiro, um filho, sobrinho, neto. Ela não vai querer entregar a pessoa que ama. Também há casos em que são ameaçadas pela facção para assumir a responsabilidade. É uma questão estrutural, às vezes imposta pela facção, às vezes pela questão familiar.

Para o juiz, é preciso que tanto forças de segurança quanto Ministério Público e Judiciário olhem para esses casos com atenção, trazendo mais elementos para o processo que indiquem participação da mulher junto ao tráfico, não somente o flagrante:

— Se não, é uma Justiça de faz de conta. É o flagrante e fim. Não há investigação sobre a vida pregressa dela, não se vai a fundo, ouvindo testemunhas, não se quebra sigilo telefônico. É só aquele flagrante, o silêncio dela e a prisão. Depois, ela suporta todo o processo penal sendo que nunca foi traficante na vida.

Segundo o magistrado, em outros casos, elas são responsáveis por armazenar drogas para grupos criminosos, sem se envolver em vendas ou conflitos entre facções. Depois de cumprirem pena, a reincidência delas dentro do tráfico costuma ser "quase inexistente", diz o juiz.

Branca, mãe e de baixa escolaridade

O estudo divulgado pelo governo do RS também traz outras informações que ajudam a compor o perfil das mulheres privadas de liberdade no Estado. A maioria das presas no sistema prisional gaúcho são brancas — representam 65,1%. Depois, há as de pele mista (20,4%) e pretas (11,4%). Mulheres de cor de pele amarela e indiática aparecem em menor proporção, correspondendo apenas a 1,6% e 1,5%, respectivamente.

A maioria, 30,2%, possui entre 35 e 45 anos. Com mais de 60 anos são a minoria, de 1,9%. Além disso, a maior parte tem baixa escolaridade. Cerca de 46%, quase metade, possui Ensino Fundamental incompleto. Os grupos menos representativos são os das mulheres analfabetas (1,5%) e com Ensino Superior completo (1,9%). 

As mulheres, no geral, são mães: 78% têm filhos. Dessas, 22% possuem um filho, 19,5% têm dois filhos. Mulheres com três e quatro filhos correspondem a 15,3% e a 9,6% da população total, respectivamente.

Conhecer o perfil das mulheres detidas no Estado é fundamental para orientar políticas específicas a esse público, explica Lilian Ramos, analista de projetos e políticas públicas da assessoria técnica da SSPS.

— Apesar de serem a minoria no sistema, é essencial que elas tenham políticas específicas para elas, considerando as suas particularidades e o impacto social de sua privação de liberdade. Além de possuírem necessidades de saúde específicas, é necessário considerar que quase 80% das mulheres no sistema são mães e a maioria delas constituem o esteio familiar. Dessa forma, quando a mulher ingressa no sistema prisional, toda a família sofre, especialmente os filhos, devido à desestruturação do lar. Se famílias de homens presos são mais vulneráveis à repetição do ciclo de violência, as famílias de mulheres encarceradas podem ficar ainda mais suscetíveis por causa da mudança dos tutores dos filhos menores de idade — sustenta Lilian.


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