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Solidariedade

Natal de superação vence um ano de crise

Com muito esforço, líder comunitária promove festão para criançada do Morro da Polícia

24/12/2015 - 08h09min

Atualizada em: 24/12/2015 - 08h09min


Jeniffer Gularte
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Omar Freitas / Agencia RBS
Papai Noel chegou para a festa!

Por um mês, o Diário Gaúcho acompanhou a organização de uma festa comunitária de Natal feita com doações para as crianças do Morro da Polícia, em Porto Alegre. Em um ano de crise e dificuldades financeiras, foi ainda mais desafiante manter o sorriso da gurizada neste momento que elas aguardam o ano inteiro.

As integrantes da Associação das Mulheres do Morro da Polícia, capitaneadas pela líder Vitória Marques, porém, arregaçaram as mangas para ir contra a maré de obstáculos e provar que é possível fazer o bem, apesar do momento ruim.

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Algumas promessas não cumpridas e as barreiras encontradas para conseguir doações de presentes e um lanche simples, com cachorro-quente, bolo, refri e pipoca, tornaram a luta de quatro semanas ainda mais árdua, mas não tiraram o brilho da comemoração que ocorreu no domingo passado, em um beco da região.

A vibração de cada criança ao pegar o lanche com uma mão e segurar o presente do Papai Noel com a outra compensou a dedicação da mulherada. Acompanhe como foi a batalha.

24 de novembro: largada

Com a parceira Vera (E), Vitória corre atrás para realizar o sonho da gurizada - Foto: Diego Vara

Vitória começa a organizar a sua 11º festa de Natal. Em casa, tem 46 cartinhas que serão enviadas aos Correios. Além dos pedidos - muitos deles de material escolar -, tem uma lista de todos os itens que vai precisar arrecadar para a festa acontecer: pão, salsicha, refrigerante, copos e pratos descartáveis, molho, tempero, pipoca e um bolo.

Com ofícios em nome da Associação de Mulheres do Morro da Polícia em mãos, começa a saga atrás de doações em estabelecimentos que costumam apoiar o evento. Seu plano é visitar dez.

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- Tem muita gente que chega em mim e pergunta o que eu ganho com isso. Que diz que essas crianças não tem conserto - lamenta Vitória.

De concreto, por enquanto, ela tem apenas a presença confirmada do Papai Noel Jorge Rolim, que fará a entrega dos presentes pelo quinto ano.

3 de dezembro: fazer dinheiro

 Trabalho conjunto na produção de sabão - Foto: Mateus Bruxel

Fazer a festa custa dinheiro. Para arrecadar o valor das passagens de ônibus para ir entregar ofícios solicitando doações e comprar o gás do fogareiro que vai esquentar o cachorro-quente na rua, as mulheres da associação produzem sabonetes. O produto é feito à base de resto de gordura de alimentos com álcool e soda cáustica. Cada um deles custa R$ 2 e a expectativa é de lucrar pelo menos R$ 150.

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Por vez, conseguem fazer cem sabões. O trabalho envolve todo o grupo de mulheres em volta da receita de Genoveva Kozeowski, parceira da associação.

- Aproveitamos até a gordura, não colocamos nada fora e ainda contribuímos com o meio ambiente. Em três dias, vendemos tudo - comemora Vitória.

5 de dezembro: promessas

Vitória recebe a promessa de que ganhará 600 pães de um centro espírita. Também vai até uma autopeças para pedir doces e salgados. Não recebeu nenhuma certeza, mas está confiante. Ela se preocupa por não ter garantia de que vai ganhar material escolar para distribuir na festa. Corre para deixar ofícios em papelarias.

9 de dezembro: incerteza

Silvana (E) não sabe se poderá ajudar - Foto: Tadeu Vilani

A entrega de um dos últimos ofícios é em uma lancheria em frente ao Presídio Central. A comerciante Silvana Trindade Oliveira, 46 anos, ajuda a festa há cinco anos. Em 2014, doou 15 fardos de refrigerantes e 30 caixas de quindim. Este ano, admite que está difícil. O movimento baixou muito e está até vendendo fiado para não ter mais prejuízo.

- Não sei como vou ajudar, vou ver com meu marido, ver o que ela precisa e qual a nossa possibilidade de ajudar - diz Silvana.

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Vitória sai sem resposta definitiva, mas confiante. No mesmo dia, visita outra associação do bairro em busca de mesas para a festa.

13 de dezembro: decoração

Mulheres da associação começam a preparar a decoração da festa. Sem recursos, enfeitam um pinheiro artesanal feito de cipó com rosas de jornal velho.

- Temos umas sete mulheres para fazer a decoração, estamos animadas de que vai dar tudo certo - diz Vitória.

15 de dezembro: primeira doação

Vitória recebe a primeira confirmação de que ganhará 15kg de salsicha e 5kg de cebola de um supermercado do Bairro Partenon.

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- Confesso que este ano foi mais difícil fazer a doação, mas, mesmo assim, fiz um esforço. Acho que, se todo mundo ajudar um pouquinho e fizer sua parte, o sofrimento vai diminuir um pouco - considera o proprietário do supermercado, Lauri Zuffo.

Mesmo assim, Vitória segue preocupada. Esta será a única festa que a comunidade terá neste ano, o que pode atrair ainda mais crianças:

- Temo que venha muita gente e que tenhamos muito mais crianças do que presentes. Ano passado, veio gente de Viamão e da Lomba do Pinheiro. Normalmente, eu sabia que ocorriam 15 festas por aqui. Este ano não estamos sabendo de nenhuma.

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Vitória calcula que irá receber 250 crianças. Embora não tenha conseguido os pães para o cachorro-quente, a maior preocupação ainda é a quantidade de brinquedos:

- Todos querem um brinquedinho, nem que seja uma bola que vai furar em dez minutos, mas querem ter o prazer de abrir um pacote de presente.

17 de dezembro: economia

A poucos dias da festa, as mulheres da associação decidem que o valor vendido em sabão será usado para os gastos de última hora da festa.

- Não pensamos mais em gastar com passagem de ônibus, vamos andar a pé. Agora, temos que guardar o que der.

Vitória está preocupada porque não chegou nenhum presente dos Correios. Com o Conselho Tutelar da região, conseguiu uma barraca para o Papai Noel ficar embaixo, entregando os presentes.

18 de dezembro: decepção

Pelo boca a boca, toda gurizada do Morro da Polícia já está sabendo da festa de domingo.

- Elas ficam o ano todo esperando a data do Natal. E, para elas, o Natal é nesse dia. As crianças querem receber algo, é um dia que marca.

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A dois dias do evento, nenhuma doação de pão estava certa. Cinco padarias receberam ofício com o pedido, mas não havia resposta de nenhuma delas.

De última hora, Vera Lúcia Machado, 59 anos, integrante da associação que ajudou Vitória desde o início da organização, bancou R$ 120 para comprar 600 pães.

- Vi que estava muito em cima da hora e comprei. A gente também tem que colaborar - justifica.

Vitória se diz desiludida com as pessoas que prometeram ajuda e a deixaram na mão:

- Se não vai cumprir, não promete. Este ano, o Natal está difícil para todos os lados.

20 de dezembro: festa maravilhosa

 Teve Papai Noel, presente, comidinhas e muita alegria no Morro da Polícia - Foto: Omar Freitas

No dia da festa, dos dez ofícios distribuídos, apenas dois resultaram em doações. Se de um lado faltaram promessas cumpridas, de outro, sobraram pessoas comprometidas com o sorriso das crianças. Os presentes dos Correios chegaram.

Elenir Marques, 58 anos, cunhada da Vitória, doou R$ 200 em presentes. E o Papai Noel Jorge Rolim, 60 anos, teve ao seu lado a Mamãe Noel Magali Borges, 38 anos, que participou da festa pela primeira vez. Os dois fizeram a entrega dos presentes para a criançada que esperava a dupla desde cedo no beco no qual a festa foi organizada.

- Eu sinto que eles esperam por mim, é um misto de alegria e satisfação - conta Jorge.

Volta por cima

Assim que a dupla apareceu fazendo barulho com o sino, a gurizada vibrou e foi organizada em fila para receber seu presente. O sorriso de Emily Antônia Pires Mendes, cinco anos, ao receber um abraço do Papai Noel e ganhar uma boneca compensou a série de dificuldades na organização da festa:

- Sou pequena, mas não tenho medo do Papai Noel. Vou colocar este presente no meu pinheirinho - disse Emily.

Sorriso de Emily compensa a correria - Foto: Omar Freitas

- Este é o meu Natal favorito - disparou Erick Matias dos Santos, dez anos, ao abrir o pacote que guardava uma pipa.

Elaine Oliveira, cinco anos, ganhou uma boneca do Bom Velhinho por ter se comportado durante o ano. Sua mãe, Elidiane Oliveira, 25 anos, desempregada há dois meses, comemora:

- Para nós, isso faz uma grande diferença. Ainda mais ganhar o presente das mãos do Noel!

 Vitória se sente realizada com a felicidade da criançada.

- Isso não tem preço, a palavra do ano foi superação. O que fizemos foi na luta. Recebemos muitos nãos, mas demos a volta por cima - considera.

Leanderson dos Santos testa o caminhãozinho na lomba - Foto: Omar Freitas


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