Polícia



Guerra do Tráfico

Como nasce uma facção: entenda o surgimento dos principais rivais dos "Bala na Cara"

Com o slogan "V7: mais que uma quadrilha, e sim uma família", grupo polariza guerra do tráfico em Porto Alegre

09/04/2016 - 11h00min

Atualizada em: 10/04/2016 - 15h25min


Eduardo Torres
Eduardo Torres
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Bando costuma ostentar armamento nas redes sociais

Vem da Vila Cruzeiro, de uma quadrilha liderada de dentro da cadeia, o principal alicerce da frente Anti-Bala que sustenta uma guerra do tráfico na Capital desde o começo do ano. Já são 43 vítimas desse confronto. Com armas e jovens arrojados, os V7, como são conhecidos, conseguiram unir quadrilhas contra os Bala na Cara e despontam como o embrião de uma nova facção criminosa.

O desafeto já estava colocado dentro de um carro, sob a mira de armamento pesado. Sabia que seria o seu fim. Mas o tiro dependia de um detalhe: a ordem do chefe. Uma ligação, e pronto, os criminosos estavam em contato com um presídio em Charqueadas. No outro lado da linha estava André Vilmar Azevedo de Souza, o Nego André, 32 anos. Apontado pela polícia e o Ministério Público como o líder da quadrilha dos V7, comanda o grupo com mão de ferro. Nenhum disparo do grupo é dado sem a sua ordem, garantem os investigadores do Departamento de Homicídios. Naquele caso,ocorrido em 2013, ele deu a ordem. O homem foi alvejado por dois tiros de calibre 12 e sobreviveu. Depois, sumiu de Porto Alegre.

Com mão de ferro contra os rivais, controle completo sobre um verdadeiro exército de jovens arrojados, e muito bem armados, e com trato digno de negociador no momento de garantir alianças. Nego André, mesmo preso há mais de dez anos, é visto hoje pela polícia como uma espécie de lobista do crime. Pelas suas articulações passam boa parte das decisões de uma das frentes na violenta guerra entre facções criminosas que, desde o começo do ano, de acordo com levantamento do Diário Gaúcho, já deixou pelo menos 43 vítimas na Capital.

André Vilmar Azevedo de Souza, o Nego André, é considerado pela polícia líder da quadrilha dos V7

Um levantamento da Polícia Civil aponta que pelo menos 70 pessoas são ligadas aos V7 e respondem ao mesmo comando. O que o Departamento de Homicídios e o Denarc avaliam, e garantem ações para frear o avanço, é se estão diante do embrião de uma nova facção criminosa.

Já era desejo antigo de quadrilhas em quase todas as regiões de Porto Alegre derrubar os "toma bocas", como são chamados entre os criminosos os grupos ligados à facção dos Bala na Cara. Os V7 serviram como uma luva. O grupo fornece gente e armas aos aliados. Em troca, ganha mercados para a droga. Como resultado, a quadrilha virou um dos alicerces na frente "Anti-Bala".

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Do mito à propaganda

"V7: mais que uma quadrilha, e sim uma grande família". Assim diz um slogan da quadrilha. Uma família com o seu cabeça, segundo a polícia, cercado de mistério. É que boa parte dos que hoje são soldados do bando nunca viram o Nego André. Nem quando são presos eles conhecem. Faz mais de dez anos que o criminoso está preso, a maior parte do tempo em Charqueadas. O que todos na vila sabem é do poder dele em seu terreno,a Vila 27, na região da Vila Cruzeiro.

– É uma espécie de mito entre os mais jovens. Eles realmente matam e morrem por ele – diz o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Gabriel Bicca.

André tem condenações até 2051 por homicídios, roubos e receptação. Tem ainda pelo menos outros 15 indiciamentos como mandante de homicídios desde 2013. Seu início no crime coincide com o dos líderes dos seus rivais, Bala na Cara. No começo da década passada, quando se envolveu em roubos. Em 2007, foi condenado por matar um policial – outra característica que sempre garantiu a popularidade dos rivais. E isso ajudou a construir a liderança.

Apesar do Departamento de Homicídios investigar casos envolvendo, de alguma maneira, os V7 em praticamente todas as regiões da cidade, ainda há investigadores que acreditam que o "marketing" deles é maior do que o tamanho real. Se no período em que os Bala na Cara surgiram, em pouco tempo viraram marca entre criminosos, os V7 demonstram como as redes sociais ajudam a propagar uma imagem semelhante.

Armamento exibido pelos V7, em guerra do tráfico contra criminosos do Bairro Bom Jesus

Nos perfis do Facebook dos integrantes não é raro encontrar fotos portando armas, dinheiro e postando frases de ameaças aos inimigos. Há ainda os vídeos também espalhados pelas redes sociais com funk ostentando as alianças da quadrilha. Mais recentemente, com o uso do WhatsApp, são atribuídos aos V7 as gravações de tiroteios, com os áudios dos próprios ataques. Nestas ações, é possível perceber que um dos integrantes do bonde sempre fica responsável por fazer a gravação.

– Eles usam isso para se promover, isso dá status entre os aliados. E para ameaçar, mostrar o poder de fogo, aos inimigos – conta um investigador que acompanha a quadrilha.

É que os áudios também acabam virando ferramenta de investigação.

Em 2013, o primeiro avanço

Em 2013, uma ação policial apreendeu cadernos de anotações do tráfico dos V7, que eram controlados pelo próprio Nego André na sua cela da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ). E a constatação, resume um policial, é de que "era uma quadrilha que traficava de dia para pagar a janta".

É porque até então, a venda de drogas da quadrilha ficava restrita à Vila 27, sempre prejudicada pela guerra constante com os vizinhos da Vila Pantanal. Para um usuário de drogas, era terreno perigoso. Então, o tráfico, sobretudo de crack, ficava restrito ao consumo interno. Naquele ano, porém, essa realidade mudou. Felipe de Azevedo Pinto, irmão do André, que crescia no tráfico de drogas na área do Campo Novo, foi executado por criminosos ligados aos Bala na Cara.

Conforme a investigação do Departamento de Homicídios, a retomada do Campo Novo e o primeiro avanço real dos V7 para um ponto de tráfico realmente lucrativo, à beira da Estrada Cristiano Kraemer, só foram possíveis com a primeira aliança formada pelo Nego André. Foi quando ele garantiu armamentos aos seu bando. Este seria o seu trunfo para os anos seguintes.

Braço armado na tomada da Conceição

A guerra no Campo Novo coincidiu com o golpe que rachou o império da droga até então comandado pelo traficante Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição. A quadrilha foi uma das que serviram de braço armado para a tomada da Vila Maria da Conceição.

Dessa vez, o único interesse dos V7 foi comercial. Investigações demonstraram que o próprio André teria negociado a entrada nesta guerra. A partir dali, os V7 faziam parte da facção da Conceição. Recebiam crack e cocaína destes fornecedores. Outra aliança, com a Vila Monte Cristo, garantia o fornecimento de maconha para os pontos de tráfico em expansão. Em contrapartida, virou situação comum a Brigada Militar encontrar moradores da Vila Cruzeiro, e integrantes dos V7, nos mais variados pontos da Capital. Eram soldados envolvidos na manutenção dos pontos de tráfico aliados.

A frente anti-Bala

Recado foi dado em cobertor enrolado a corpo decapitado

A mais recente jogada dos V7 no tabuleiro do crime foi a aliança consolidada com traficantes da Vila Jardim. Se a participação na guerra que já era antiga entre a Vila Jardim e os Bala na Cara, no Bairro Bom Jesus, poderia representar mais um embate contra a facção criminosa com maior domínio na Capital, representava ainda outra vantagem econômica à quadrilha da Vila Cruzeiro.

A investigação da 4ª DHPP, que apurou a morte da menina Laura Machado Machado por bala perdida de fuzil há um ano, mostrou que a parceria entre os dois bandos já havia iniciado. A suspeita é de que o fuzil usado no tiroteio contra traficantes dos Bala na Cara no Loteamento Campos do Cristal tenha sido fornecido pela Vila Jardim.

Mais uma vez, os V7 aumentaram o arsenal e a presença em pontos de tráfico. O poder de fogo acumulado pela quadrilha da Vila Cruzeiro foi demonstrado em pelo menos duas grandes apreensões do Denarc. Nenhuma na área da Vila 27. Em março do ano passado, oito armas – incluindo dois fuzis e três submetralhadoras – foram apreendidas na Vila Santa Terezinha, a Vila dos Papeleiros, Centro da Capital, onde estão aliados do bando. Já em fevereiro deste ano, outras quatro armas – incluindo dois fuzis – foram apreendidas enterradas em uma creche de Sapucaia do Sul.

Avanço também no Presídio Central

Diferente de outros estados, de acordo com o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Penais da Capital, aqui, o principal fundamento para alianças que formam facções não é lealdade. É o lucro. E nesse aspecto, os V7 seguem a cartilha à risca.

As alianças por negócios na rua já são refletidas nas galerias do Presídio Central. Integrantes da quadrilha hoje ocupam lugares em duas galerias. Na prática, são bem vindos em "territórios" de duas facções diferentes – Conceição (resultado da aliança de 2013) e Vila Farrapos (resultado da aliança com a Vila Jardim este ano).

Por coincidência ou não, praticamente todas as quadrilhas aliadas a essas duas facções – e ainda com apoio de algumas aliadas dos Abertos – estão em rota de colisão com os Bala na Cara.

As vítimas na linha do tiro

Se entre os criminosos a filosofia que garante evolução aos V7 é oposta à dos Bala na Cara – a partir de alianças, e não de confrontos para tomar as bocas de fumo –, para quem está alheio ao mundo do crime, eles agem da mesma forma. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, pelo menos 16 das 43 vítimas da guerra entre facções neste ano não tinham nenhuma relação com a criminalidade. Isso representa 37% dos mortos.

Um destes casos vitimou o comerciante Carlos Jesus de Almeida Ávila, 69 anos, e o pedreiro José Carlos Santos da Silva, 48 anos, em um ataque com mais de 300 disparos de fuzil e pistola nas ruas do Bairro Bom Jesus. Conforme a polícia, a linha de frente do ataque era formada por integrantes dos V7.

Preso o número 2 da quadrilha

Na sexta-feira, uma ação da 6ª DHPP prendeu o homem apontado como atual número dois dos V7. Caio Cezar Pereira da Silva, o Caio Loko, 30 anos, tem seu nome riscado pelos muros da Vila 27 e, segundo a investigação, consolidou-se como um dos executores do bando. Ele está entre os investigados no ataque ao Bairro Bom Jesus no dia 20 de fevereiro. Ao todo, é investigado por pelo menos três homicídios neste ano. Todos, seguindo as ordens da quadrilha.

Para quebrar esse elo, no final de fevereiro, Nego André, assim como um dos líderes dos Bala na Cara, Cristian dos Santos Ferreira, o Nego Cris, foi transferido para a Pasc. À essa ação, se sucederam diversas operações da Brigada Militar e da Polícia Civil nas áreas conflagradas. A estratégia da Secretaria da Segurança era cortar a comunicação e o poder de fogo dos envolvidos na guerra. Diminuiu o ritmo dos assassinatos, mas não freou a guerra. Até então, 27 pessoas haviam sido assassinadas. Da última semana de fevereiro até agora, foram pelo menos 16 novas vítimas.

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* Diário Gaúcho


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