Transporte público
Em um ano, ônibus intermunicipais tiveram 4 milhões de passageiros a menos
Segundo associação que representa principais empresas da Região Metropolitana, em 10 anos, 44 milhões de pessoas deixaram de usar o transporte metropolitano
Insegurança, falta de conforto, demora, gasto excessivo. As razões são diversas, mas sempre aparecem nas justificativas de quem abriu mão de andar de ônibus para usar algum meio de transporte alternativo. Na última década, 44 milhões de pessoas deixaram de circular nos ônibus metropolitanos, segundo dados da Associação dos Transportadores Intermunicipal Metropolitanos de Passageiros (ATM) – somente de 2017 para 2018, registrou-se uma queda de 4 milhões de passageiros.
A policial civil Suzana Braun, 61 anos, é uma delas. Ela mora em Viamão e faz uso de aplicativo de transporte para se deslocar até o trabalho em Porto Alegre duas vezes por semana.
– Usei ônibus por muitos anos e passei muita dificuldade, cheguei a presenciar brigas entre passageiros, precisei usar a lotação e fui assaltada, não quero mais isso. Moro em um sítio e o carro me pega na porta de casa e me deixa na frente do Palácio da Polícia – relata Suzana.
Mesmo que o gasto seja maior, garante que o investimento compensa:
– É mais rápido e mais seguro. Levo 50 minutos e ando tranquila. Algumas vezes, pego carona compartilhada com vizinhos do condomínio, é mais difícil, mas é outra alternativa.
Migração
Esta migração atingiu em cheio as empresas de transporte, que estavam acostumadas com outra realidade. Um tempo em que não havia o amplo acesso à internet – que facilita as compras em casa e cria atalhos na busca por emprego, por exemplo –, nem os transportes por aplicativos.
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A ATM trabalha com nove operadoras e atende a 19 municípios. Segundo o gerente da associação, Érico Michels, elas representam 85% da demanda da Região Metropolitana.
– Em 2008, tínhamos 132 milhões de passageiros. Em 2018, fechamos com 88 milhões. É uma redução de 33,24% na última década – detalha Michels.
O impacto chegou aos passageiros e, obviamente, às empresas, que viram as receitas diminuírem e o quadro funcional despencar. Ainda de acordo com a ATM, nos últimos 10 anos, o número de colaboradores caiu 23% nas nove associadas.
Para explicar o fenômeno, um consenso: a crise financeira, o desemprego, a falta de infraestrutura e de investimentos.
– Para os nossos associados, a queda foi acentuada devido ao desemprego. Metade dos nossos passageiros andava com vale-transporte, patrocinado pelo empregador. No momento em que as pessoas perderam o emprego, aquelas que usavam o ônibus cinco dias por semana, ida e volta, agora andam uma, duas vezes por semana – detalha Michels.
Empresas não acompanharam mudança
Para a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), que regula o transporte intermunicipal na Região Metropolitana e também em aglomerados no interior do Estado, os operadores não se prepararam para as mudanças e pouco ofereceram de benefícios para manter os usuários no sistema.
– As empresas, com concessões que já vêm de 20 anos, tinham muitos passageiros e não se preocupavam porque achavam que a vida inteira ia ser assim. Não tinham técnicos operacionais que ajudassem a enxergar as mudanças, algumas começaram a contratar engenheiros há pouco tempo – explica o chefe do departamento de transportes metropolitano, Danilo Landó.
A Fundação aponta o acesso à internet, a lei das isenções, os fretamentos, a falta de infraestrutura, o transporte por aplicativos e o elevado valor da tarifa entre as principais razões para diminuição no número de passageiros. A concorrência com modais mais baratos, a exemplo do metrô, também influenciaram.
Desemprego: um pé no freio
O desemprego atinge cerca de 12 milhões de brasileiros e, apesar dos pequenos progressos, é considerado o grande vilão dos índices negativos no transporte intermunicipal. Desde que perdeu a vaga de serviços gerais em um condomínio de Porto Alegre há três anos, a moradora de Viamão Josiane Duarte, 24 anis, procura por emprego. Quando ainda trabalhava, se deslocava de Viamão a Porto Alegre, de segunda a sábado, usando o vale-transporte subsidiado pela empresa. Hoje, essas viagens são raridades.
– Praticamente não venho mais para Porto Alegre. Vim hoje porque queria tentar uma vaga no Sine daqui, onde há mais oportunidades – afirma.
O trajeto entre as duas cidades, ida e volta, custa R$ 13 para Josiane, que atualmente conta apenas com a renda de autônoma, das depilações que faz em casa.
– Se eu pudesse não usaria o ônibus, estão sempre estragando e sujos – concluiu.
Morando há seis meses em Gravataí, Marcos Louvasque, 31, pediu demissão porque precisava fazer a mudança de cidade. Tentando uma vaga desde então, costuma viajar até Porto Alegre apenas para os tratamentos médicos. Normalmente, uma vez por semana. E mesmo com renda ajustada, abriu mão do ônibus para andar com aplicativos.
– Para mim ainda é a melhor opção, é mais seguro, confortável e barato – garante.
Promessa de nova licitação
A Metroplan contratou uma empresa de São Paulo para realizar estudo técnico que servirá de base para uma licitação, prevista para o segundo semestre desse ano, e alterará todo o atendimento do transporte metropolitano. A ideia é mudar o atual modelo e criar consórcios que atendam um mesmo aglomerado de municípios.
– O consórcio acabaria com algumas restrições existentes hoje. Não pode mais a empresa que vem de Gravataí não ter autorização para pegar o passageiro de Cachoeirinha. É um absurdo. Queremos acabar com os feudos municipais e olhar a Região Metropolitana como um todo. A tendência é que isso possibilite uma melhora na frota, nas linhas e nas tarifas, que poderão ter uma valor único – garante o chefe do departamento de transportes da Metroplan.