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Mais de 800 unidades habitacionais foram vendidas na Região Metropolitana, mas famílias nunca as receberam

Apartamentos ficam em três residenciais, situados em Porto Alegre, em Esteio e em Gravataí

25/09/2019 - 09h33min

Atualizada em: 25/09/2019 - 09h37min


Jéssica Britto
jessica.britto@diariogaucho.com.br
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Residencial Florença, em Gravataí, caindo aos pedaços

A vontade de ter um teto próprio virou pesadelo para centenas de famílias na Região Metropolitana. Confiando nos prazos prometidos pelas construtoras, muitas famílias investiram parte ou todas as economias em imóveis adquiridos na planta que nunca foram entregues. O Diário Gaúcho acompanhou três casos semelhantes: do Residencial Sevilha Triana, em Porto Alegre, do Residencial Alicante, em Esteio, e do Residencial Florença, em Gravataí. Só nestes três obras, mais de 800 unidades foram vendidas e os proprietários não fazem ideia de quando verão elas concluídas.

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Afetada pela falta de crédito e de condições econômicas favoráveis a investimentos, a construção civil sentiu os efeitos da crise dos últimos anos no país. A facilidade na obtenção de crédito gerou uma enorme expansão do mercado imobiliário, principalmente na venda de imóveis na planta, levando milhares de famílias a investirem parte ou tudo o que conseguiram arrecadar uma vida inteira no sonho da casa própria. Mas, no meio do caminho, por dificuldades financeiras ou até por má-fé, muitas dessas obras pararam ou foram abandonadas pelas construtoras.

Para muitas famílias, passaram-se anos, e o desejo de morar em um imóvel próprio está parado em vigas, tijolos cimentados e estruturas inacabadas.  

Decepção

O técnico em química Edson Flores, 33 anos, ainda vive essa frustração. 

— Eu não gosto nem de passar na frente, é triste ver um lugar que era para ser teu sendo saqueado. Dá raiva, pois ninguém te dá uma resposta, um respaldo — lamenta.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Edson vê com tristeza obra parada que deveria ter sido entregue em 2010

Edson é um dentre os 122 compradores do Residencial Florença, em Gravataí. O empreendimento na Parada 65 era para ter sido entregue em 2010 pela Construtora Promodal. Hoje, a estrutura que deveria abrigar 192 unidades tem apenas carcaças. Por um período, o terreno foi invadido e saqueado. Hoje, a única solução é a demolição total do que já foi construído, pois está comprometido. O pouco que havia de investimento lá, como esquadrias e vasos sanitários, foi levado ou vandalizado. Edson comprou o apartamento em 2009, há 10 anos, por R$ 51,5 mil pelo programa Minha Casa Minha Vida. Deu pouco mais da metade desse valor no ato da compra, comprometendo inclusive parte do Fundo de Garantia. Nesse meio tempo, o técnico precisou pagar aluguel, advogados e cinco anos de juros do financiamento. 

— É o sonho de uma vida que ficou só na promessa. Eu trabalhava dobrado para conseguir pagar os juros e meu aluguel. Por anos, trabalhava em uma empresa durante a semana e, nos finais de semana, como garçom para conseguir dar conta de tudo. Eles mexeram com o sonho de muitas famílias — disse.

Batalha 

Edson só teve um alento quando venceu na Justiça e recebeu indenização por danos morais, pelos custos que teve durante todo esse período com os juros e aluguéis pagos. Não que isso amenize todo o sofrimento de uma década, pois ele ainda tem direito a receber pelo imóvel que comprou. Mantém a esperança de, um dia, viver na casa própria.

Advogado de centenas de pessoas na mesma situação, o advogado Rafael Paiva Nunes, sócio-proprietário de um escritório especializado em direito patrimonial e imobiliário, acompanha 13 casos de empreendimentos que foram comprados na planta e não foram entregues na Região Metropolitana e Litoral Gaúcho. O caso de Gravataí é um dos mais emblemáticos, em função do tempo que a obra está parada e pela gravidade da construção, que não apresenta mais viabilidade técnica e financeira de ser continuada. Segundo Nunes, para concluir a primeira e segunda fase do Residencial Florença seriam necessários R$ 13,5 milhões. 

Uma forma encontrada por esses compradores na tentativa de garantir seus direitos e abrir caminho para novas negociações tem sido a criação de associações, onde os adquirentes se reúnem para tentar dar continuidade à obra ou para recuperar tudo ou o que for possível com a alienação do patrimônio restante da incorporação. 

— Nós defendemos a ideia de que os adquirentes sempre exijam dos incorporadores a constituição da comissão de representantes o mais cedo possível. O agente financeiro também pode fazer isso, ou um terço dos adquirentes — destaca Nunes.

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"É triste ver o dinheiro da gente lá, parado"

O Residencial Alicante, no centro de Esteio, previa uma obra com 464 unidades. Foram vendidas 330. Uma parte do empreendimento foi financiado pela Caixa, que já se comprometeu, segundo o escritório de advocacia que acompanha a associação de adquirentes deste empreendimento, em terminar a primeira fase do projeto. No entanto, compradores das demais torres, que teriam que ter recebido seus apartamentos em março de 2016, ainda não têm nenhuma garantia da continuidade do projeto. 

A técnica em radiologia Leontina Mazzotti, 60 anos, viu o investimento dela e de mais duas pessoas da família parar no limbo. Ela pagou à vista _ na época R$ 160 mil _ por um imóvel de dois dormitórios que está praticamente pronto, mas não liberado para morar.

— Eu moro em Porto Alegre e tinha ideia de me mudar para Esteio, pois toda minha família é de lá. Minha irmã queria se aposentar e usar este imóvel para aluguel como um complemento de renda e nada disso está acontecendo. É triste ver o dinheiro da gente lá parado, está num completo abandono — descreveu.

A situação do Alicante é pouco menos complexa do que o caso de Gravataí, pois a obra tem condições técnicas e financeiras de continuar do ponto que está. Segundo o advogado de um grupo de compradores, o empreendimento vai custar R$ 35 milhões e tem R$ 44 milhões de recebíveis (saldo de contrato, estoque), dando condições aos adquirentes de terminar sozinhos o projeto. Mas, para isso, precisam de autorização legal para prosseguir. 

— A lei dá dois caminhos. Se houver viabilidade técnica-financeira ocorre a destituição, ou seja, o incorporador não está isento da responsabilidade civil e criminal e os adquirentes assumem os recebíveis do empreendimento e a preço de custo terminam a obra. Em casos onde não sobra dinheiro, se faz uma chamada de capital, onde os adquirentes veem qual o déficit, rateiam entre si e bancam, e o construtor segue responsável por esse ressarcimento. Se não é uma obra viável nem técnica nem financeiramente, então os adquirentes podem anular a obra, vender o patrimônio que existe e fazer o rateio, mantendo ainda a responsabilidade da incorporadora — especifica o advogado. 

Frustração

Em Porto Alegre, também em 2016, deveria ter ocorrido a entrega do Residencial Sevilha Triana, na Rua João Ferreira Jardim, no Rubem Berta. O empreendimento previa 579 unidades. Teve 348 unidades vendidas e ainda não foi entregue. Assim como o Alicante, os prédios foram iniciados pela Porti Incorporadora, que já não tem mais sede em Porto Alegre. Quatro torres desse residencial foram financiadas pela Caixa e evoluíram 77%. A Caixa encaminhou o sinistro (seguro) e vai concluir essa parte, no entanto, as demais torres não têm perspectivas de ficarem prontas.

Robinson Estrásulas / Agencia RBS
Quelin deveria receber as chaves de seu apartamento em 2016

A psicóloga Quelin Benini, 35 anos, comprou um apartamento em 2014 com a promessa de que ele seria entregue em 2016. Em 2016, houve um adiamento das obras por dois anos. Mas, mais uma vez, os prazos não foram cumpridos. 

— Foram anos de muitas privações para comprar o meu primeiro imóvel. É uma frustação muito grande. Dois anos de espera pela obra viraram uma eternidade — lamenta Quelin. 

A compradora investiu, até então, mais de R$ 60 mil no imóvel. Parte pagou para a construtora, parte para o financiamento com a Caixa. As parcelas do financiamento foram suspensas no ano passado. Agora, Quelin corre atrás da rescisão do contrato, já que não tem mais interesse em morar no apartamento. Uma batalha extra pela frente. Enquanto isso, segue vivendo com o companheiro na casa da sogra. Talvez, reforme no futuro uma peça no mesmo terreno da casa da mãe. Sem apartamento, mas de uma forma mais segura e com os futuros investimentos. 

Contrapontos

O que diz a Porti Incorporadora - responsável pelos Residenciais Sevilla e Alicante

A Porti Incorporadora não tem mais site e endereço em Porto Alegre. A reportagem tentou contato com um dos advogados que trabalhou com a empresa, mas ele disse que já não respondia mais pelo grupo e que tentaria encontrar os novos representantes. Mas até o fechamento desta reportagem não retornou. 

O que diz a Construtora Promodal

A Construtora Promodal não tem site e nem um telefone público para contato. Nas últimas reportagens publicadas na imprensa, a Caixa Econômica Federal é que vinha respondendo pelos problemas com o residencial. 

O que diz a Caixa Econômica Federal
A Caixa informa que “os estudos técnicos e jurídicos para definir os cenários disponíveis foram realizados e estão em análise visando alcançar a melhor alternativa para os envolvidos”. Ainda diz, por nota, que “está envidando todos os esforços para finalização dos empreendimentos e entrega às famílias adquirentes das unidades”.

DICAS PARA GARANTIR QUE SEU NEGÓCIO SEJA BEM-SUCEDIDO

/// Primeiramente, o comprador deve observar se a localização do empreendimento atende as suas necessidades, como escola, transporte, segurança, comércio e outros interesses.

/// O comprador deverá investigar junto ao cartório de registro de imóveis se existe o registro da incorporação e o depósito do memorial descritivo com todos os detalhes da obra, tais como o patrimônio de afetação, dimensões, tipo de material empregado, áreas comuns do prédio e previsão de entrega.

/// Aconselha-se também conversar com os moradores dos prédios já entregues pela construtora, procurando identificar se há reclamações ou defeitos na construção que possam trazer problemas futuros. Outra providência a ser tomada é a retirada de certidões negativas de cunho civil, fiscal e trabalhista.

/// Posteriormente, antes de fechar o negócio com a construtora, se tratando de ter que financiar parte do imóvel, procurar o banco onde pretende financiar para análise de seu crédito e verificar se a renda é compatível para assumi-lo, caso contrário, o comprador pode correr o risco de perder o negócio em caso de não aprovação de financiamento.

/// Sugerimos, ainda, que o comprador guarde todo material comercial de venda do empreendimento, como encartes, panfletos, e-mails e propagandas, para futuramente, averiguar se o imóvel foi entregue conforme estipulado.

Fonte: Associação dos Mutuários e Moradores das Regiões Sul e Sudeste

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