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Pelo menos 17 postos de saúde de Porto Alegre seguem fechados após anúncio de extinção de órgão

Na terça-feira, prefeitura informou que, por decisão do STF, terá de extinguir Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família, o que acarretará na demissão de 1.840 funcionários

18/09/2019 - 15h18min


Bibiana Dihl
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Jéssica Britto
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Bibiana Dihl / Agência RBS
Na Unidade de Saúde Marcelo Martins Moreira, na Vila Maria da Conceição, cartaz informa que não haveria atendimento

Um dia após a prefeitura de Porto Alegre anunciar a extinção do Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf), pelo menos 17 unidades de saúde estão fechadas na manhã desta quarta-feira (18). Embora o prefeito Nelson Marchezan tenha assegurado a continuidade do serviço, garantindo que não haveria prejuízos à população, o fechamento dos postos ocorreu por iniciativa dos próprios funcionários, diante da expectativa de demissão dos 1.840 trabalhadores do Imesf, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) — na terça-feira (17), o número de postos de saúde fechados chegou a 68.

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A Secretaria Municipal de Saúde estima que 88 mil pessoas tenham sido afetadas pelo fechamento das 17 unidades nesta quarta-feira. A reportagem circulou por diferentes regiões da Capital pela manhã e encontrou ao menos outras três unidades de saúde que, embora estivessem abertas — e, consequentemente, não constam no balanço oficial da secretaria (confira a lista abaixo) —, não prestavam atendimento à população.

Na Unidade de Saúde Marcelo Martins Moreira, na Vila Maria da Conceição, uma placa colocada na véspera informava, na manhã desta quarta-feira, que não haveria atendimento. Perto dali, a unidade Bananeiras segue atendendo.

— Já estamos avisando para todos que nesta unidade aqui ninguém atende. Tem que procurar outras — comentou uma trabalhadora da região, que preferiu não se identificar.

Na unidade Ernesto Araújo, no Morro da Tuca, também não há atendimento. Há poucos funcionários no local — todos estão recebendo os pacientes, mas não há, na prática, atendimento médico. Segundo funcionários, os moradores estão sendo orientados a procurarem outros postos de saúde.

A empregada doméstica Roselaine Bell, 36 anos, está com um inchaço no olho e não conseguiu ser atendida:

— Cheguei aqui e me disseram que não tem médicos, porque vão ser demitidos. O pessoal que depende daqui fica na mão.

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Em outras unidades de saúde, como Cruzeiro do Sul e Jardim Cascata, os pacientes são recebidos — no entanto, o atendimento está mais lento devido ao número reduzido de profissionais da saúde.

Na unidade Morro da Tuca, os profissionais decidiram abrir.

— A equipe está muito abalada, mas decidimos abrir para não prejudicar a população. Estamos preocupados com a situação da saúde em Porto Alegre. Só fomos informados pela imprensa, mas, mesmo assim, a equipe decidiu trabalhar — relata uma funcionária do posto, que também preferiu não se identificar.

Para Claire Grossi, 51 anos, moradora da região, uma redução no atendimento traria problemas:

— Venho sempre consultar quando preciso, os agentes passam lá em casa. Acho um absurdo serem demitidos. Se este posto não tiver mais atendimento, vai ser um caos.


Unidades de Saúde fechadas na Capital

*Balanço parcial da Secretaria Municipal de Saúde até as 10h22min

Região Glória/Cruzeiro/Cristal

  1. Unidade Osmar Freitas
  2. Unidade Vila Gaúcha
  3. Unidade Tronco

Região Partenon/Lomba do Pinheiro

  1. Unidade Esmeralda
  2. Unidade Herdeiros
  3. Unidade Recreio da Divisa

Região Leste/Nordeste

  1. Unidade Jardim Protásio Alves
  2. Unidade Wenceslau Fontoura
  3. Unidade Milta Rodrigues
  4. Unidade Vila Brasília

Região Norte/Eixo Baltazar

  1. Unidade Esperança Cordeiro
  2. Unidade Beco dos Coqueiros
  3. Unidade Planalto
  4. Unidade Nova Gleba
  5. Unidade Santo Agostinho
  6. Unidade Passo das Pedras II
  7. Unidade Santa Maria

Impasse atrasa abertura de posto

Ronaldo Bernardi / Agência RBS
"Nossa população não merece ser penalizada", disse o técnico em enfermagem Luciano Martinez

Embora não conste no balanço oficial da Secretaria Municipal de Saúde entre os postos fechados nesta quarta-feira, a Unidade de Saúde da Família Cohab Cavalhada, na Zona Sul, ainda não havia iniciado o atendimento às 9h. Enquanto o público aguardava do lado de fora, diante dos portões fechados, funcionários estavam em reunião decidindo como conduzir o trabalho. Segundo o técnico em enfermagem Luciano Martinez, 52 anos, toda equipe do posto é vinculada ao Imesf. 

— Estamos avaliando nossa capacidade de atendimento e decidindo como vamos fazer. Nossa população não merece ser penalizada e estamos tentando preservar a qualidade do serviço que costumamos oferecer — disse.

Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Nulcemara Santos é funcionária do Imesf

Agente comunitária de saúde há cinco anos na região da Cavalhada, Nulcemara Santos, 37 anos, só tomou conhecimento na terça-feira de que perderia o emprego.

— Ficamos sabendo pela imprensa. Depois, recebemos um e-mail do Imesf comunicando. Não sabemos ainda como será nada. Estudei, fiz concurso, acreditando na estabilidade, e agora acontece isso — lamentou. 

Várias pessoas procuraram atendimento na unidade Cohab Cavalhada no início da manhã desta quarta. Com tonturas, a auxiliar de serviços gerais Michelli Gonçalves, 38 anos, encontrou o portão da unidade fechado.

— Queria medir a pressão, mas não sabia que estava fechado. Vou tentar em outra unidade próxima.

A professora Lívia Farias, 37 anos, também ficou sem atendimento. Ela faria fisioterapia no posto.

— O atendimento aqui é ótimo, me preocupa muito o que vai acontecer daqui para frente — declarou.

Até o fechamento da reportagem, não havia informações sobre o horário de reabertura da Cohab Cavalhada. A reportagem percorreu ainda outras cinco unidades de saúde na zona sul de Porto Alegre — Nonoai, Camaquã, Tristeza, Monte Cristo e Alto Erechim. Todas estavam abertas e funcionando normalmente. 

Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Michelli Gonçalves, 38 anos, buscava atendimento na unidade Cohab Cavalhada

Protesto e expectativa de retorno

Um grupo de funcionários ligados ao Imesf fez um protesto em frente à prefeitura de Porto Alegre, no Centro, entre 8h e 10h. Com o fim da manifestação, a expectativa é de que os trabalhadores retornem para as unidades, para que o atendimento seja retomado à tarde.

— Estamos orientando os trabalhadores a retornarem para as unidades de saúde por uma questão legal, porque não estamos oficialmente em greve. Mas um grupo foi para a Câmara pedir um posicionamento dos vereadores em relação a esta decisão arbitrária — diz o presidente do Sindisaúde, Júlio Jesien.

Entenda o caso

Alvo de uma guerra judicial desde 2011, o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre (Imesf) está com os dias contados. Até o fim deste mês, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a prefeitura da Capital terá de extinguir o órgão, demitir seus 1.840 funcionários, entre médicos, enfermeiros e agentes comunitários, e assegurar a continuidade do serviço.

Preocupado com a repercussão, o prefeito Nelson Marchezan garante que a população não terá prejuízos e promete aproveitar a situação para promover melhorias no atendimento — o que, segundo ele, incluirá a criação de novas Clínicas da Família (há apenas uma em atividade) e o fechamento de postos "sem condições mínimas de funcionamento".

Hoje, todas as 264 equipes de Saúde da Família do município contam com profissionais do Imesf. Dos 140 postos existentes na cidade, 77 são administrados exclusivamente pelo instituto, objeto de disputa jurídica há oito anos.

Os embates tiveram início em dezembro de 2011, quando a Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (Abrasus) e outras 16 entidades sindicais e de classe entraram na Justiça. O grupo questionou a validade da lei que autorizou a criação do Imesf, sancionada na gestão de José Fortunati com o objetivo de tornar mais eficientes a gestão e a contratação das equipes.

Após idas e vindas nos tribunais, a 1ª Turma do STF concluiu, na última quinta-feira (12), que a norma é inconstitucional. Como não há mais possibilidade de recurso, assim que a prefeitura for notificada — o que deve ocorrer em pelo menos 10 dias —, será obrigada a fechar o Imesf, dar baixa ao CNPJ e emitir aviso prévio para a demissão de todo o quadro funcional. 

Guerra judicial

  • Em 2011, a Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (Abrasus) e outras 16 entidades sindicais e de classe entraram na Justiça alegando a inconstitucionalidade da lei que criou o Imesf.
  • Em junho de 2013, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) julgou a norma inconstitucional, sob o argumento de que a prestação de serviço de saúde é dever municipal e não pode ser transferida de forma integral a uma entidade de direito privado.
  • A prefeitura de Porto Alegre recorreu da decisão, alegando que os serviços terceirizados seriam usados apenas para descentralizar a execução da Estratégia de Saúde da Família e advertindo para os riscos da interrupção.
  • Em outubro de 2014,  a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber concedeu liminar garantindo o funcionamento do Imesf até que o mérito da questão fosse julgado na Corte.
  • No último dia 12 de setembro, a 1º Turma do STF concluiu o julgamento e decidiu pela inconstitucionalidade da lei. Não há possibilidade de recurso por parte da prefeitura.

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