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Pandemia

Famílias que dependiam do Auxílio Emergencial contam como vivem após o fim do benefício

Em muitos casos, a busca por trabalho foi prejudicada pela situação, seja pela falta de vagas ou pela necessidade de isolamento

30/01/2021 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Isadora Neumann / Agencia RBS
Zulma, moradora da Lomba do Pinheiro, teve problemas com o cadastro do benefício

No dia 16 de dezembro, a jovem Vitória Monique Maciel da Silva, 18 anos, viu surgir em seu saldo no aplicativo Caixa Tem a última parcela do Auxílio Emergencial a que tinha direito. Moradora da Vila Florescente, em Viamão, ela vive apenas com o filho, João, dois anos, em um casa comprada quando ainda estava casada. Até o início da pandemia, ela cuidava de crianças em casa e vendia alimentos preparados em sua cozinha, como bolos e salgados. Duas atividades atingidas em cheio pelos efeitos do distanciamento social.

Logo que a pandemia começou a agravar seus efeitos, pais deixaram de levar seus filhos para que ela cuidasse. O medo de contágio também espantou quem comprava as guloseimas que ela preparava. Os meses seguintes foram complicados, até que o cadastro para receber o benefício do governo federal trouxe um pouco de alívio. Mãe solteira, Vitória poderia receber R$ 1.200 por mês, cota destinada às mães chefes de família. 

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Os meses seguintes puderam ter o mínimo: contas pagas e comida na despensa. Ainda assim, ela não relaxou.

Busca por trabalho

A jornada para distribuir currículos por Viamão e também pela Capital teve ajuda de uma conhecida líder comunitária de Viamão, Tia Lolô. Foi ela quem ajudou Vitória a confeccionar novos currículos.

Com o anúncio de que o Auxílio Emergencial seria descontinuado, Vitória tentou se preparar como pôde. Ainda guardou uma pequena parte do dinheiro, com o repasse social já reduzido – o governo federal baixou as últimas quatro parcelas do benefício para R$ 300, as mães chefes de família receberam R$ 600.

No final de ano, ela usou o resto das economias para comprar itens para casa e, principalmente, para o filho. Vitória sabia que os meses seguintes seriam complicados. Tanto para ela quanto para os 67,7 milhões de brasileiros que foram contemplados pela iniciativa durante 2020, segundo o governo federal. Mas a conta final é ainda maior, conforme o Ministério da Cidadania: se contabilizado o número de integrantes de uma família, o benefício chegou a mais de 126 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 60% da população brasileira. 

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Entretanto, para quem segue na busca por trabalho, o caminho tem sido longo e difícil:

– O primeiro mês (sem o auxílio) ainda passou com alguns itens na despensa, das compras que fiz em dezembro. Agora, a situação está ficando realmente complicada. Falta mistura para fazer almoço e janta. Também preciso de leite e fraldas, que  consigo em alguns momentos com doações. Mas é complicado não termos a segurança de comprar as coisas com nosso próprio dinheiro – lamenta a moradora da Vila Florescente.

Planos

Sem perspectiva de que o auxílio retorne, Vitória segue na busca por trabalho. Sua mãe, que também mora em Viamão, se ofereceu para cuidar de João caso ela consiga trabalho. Essa é a ajuda que ela pode oferecer, pois já lida com o desafio de criar outras duas filhas, irmãs de Vitória, que tem três e onze anos. Seu pai já é falecido. 

O ex-marido também perdeu trabalho com a pandemia, impossibilitando, por exemplo, o pagamento de uma pensão.  A jovem espera que 2021 tragar melhores ares do os enfrentados no ano passado. 

Ela confessa que o benefício social já faz muita falta, mas espera conseguir um emprego, para não correr mais o risco de não ter sequer alimentos em casa.

– Espero conseguir meu primeiro emprego de carteira assinada. Mas, enquanto isso, também estou tentando me tornar revendedora de alguns produtos cosméticos. Precisamos dar um jeito de seguir em frente – conta ela, que aguarda o retorno do cadastro para revender perfumes.

Na casa de Zulma, artesanato segura as pontas

Em Porto Alegre, no bairro Lomba do Pinheiro, Zulma Teresinha Alves Antunes, 59 anos, busca um caminho para superar o fim do Auxílio Emergencial e, principalmente, para lidar com o desemprego. A última ocupação com carteira assinada foi há três anos, como auxiliar de limpeza de uma empresa terceirizada no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Conforme Zulma, a contratante, entretanto, deixou de pagar salários e benefícios dos trabalhadores. Até hoje, Zulma aguarda respostas da Justiça para receber os valores a que tem direito. 

Isadora Neumann / Agencia RBS
Para manter a casa, Zulma faz e vende artesanato

No período pré-pandemia, ela trabalhou informalmente como cuidadora, além de seu apreço pelo voluntariado, com ações sociais feitas na região onde mora, na Zona Leste. Só que o voluntariado, é claro, não conta como tempo de serviço. Zulma ainda precisa de três anos de contribuição para conseguir atingir o exigido para enfim, ter uma renda fixa mensal como aposentada. 

A pandemia, porém, praticamente lhe tirou a chance de conseguir emprego. Com a idade próxima do grupo de risco, os currículos deixados em empresas não obtiveram retorno. 

Atraso

O Auxílio Emergencial, recebido ao longo de 2020 trouxe certo alívio, mas ela demorou até conseguir iniciar o recebimento do benefício. As três primeiras parcelas foram perdidas por problemas cadastrais. Depois, conta que recebeu os R$ 600 pela última vez em outubro. Zulma fez contato com os canais de atendimento, mas até agora não sabe ao certo porque não recebeu o benefício até dezembro, como outros cidadãos.

Desde então, a saída para angariar alguma renda tem sido o trabalho em casa com artesanato. De resíduos como garrafas de vidro e de plástico, além de tecidos, tintas e outros matérias, ela tem tirado o básico para o sustento. Como é formada em um curso de promotora social legal, do grupo Themis – iniciativa que orienta e auxilia mulheres sobre seus direitos – Zulma recebe uma cesta básica mensal do projeto. Não fosse isso, ela passaria por uma situação que lembra com tristeza.

– Já passei fome. Não tenho vergonha de falar, mas não tinha o que comer em casa. Agora, a renda é pouca, mas consigo me defender com o artesanato, que também ocupa nossa cabeça, não deixa a gente cair numa depressão, por exemplo – pontua moradora da Lomba do Pinheiro.

Entretanto, Zulma ressalta, quer um trabalho formal, com carteira assinada, precisa dos anos de contribuição que lhe restam. Contribuir de forma autônoma não é possibilidade:

– Não tem sobrado nem pra comida direito, imagina para contribuir com a previdência.

Para pagar as contas, Uns ajudam os outros

Em grupos familiares, foi comum durante o período de distribuição que alguns conseguissem o Auxílio Emergencial enquanto outros ainda trabalhavam. Foi o que aconteceu com Brenda Sampaio, 22 anos, moradora do bairro Santa Isabel, em Viamão. Até o início da pandemia, ela trabalhava em loja de joias em Porto Alegre. Começou em dezembro de 2019. Mas, logo em março do ano passado, quando os comércios iniciaram um longa jornada de portas fechadas, Brenda foi demitida. Em Viamão, ela mora com a mãe e três irmãos, seu pai já é falecido. Brenda tem um filho, Murilo, com cinco anos. 

Sem emprego, ela não consegue ajudar em casa, por isso, a chegada do Auxílio Emergencial foi um alívio para aquele núcleo familiar. Mas, ela não conseguiu cadastrar o filho no benefício, acabou recendo apenas as parcelas de R$ 600 e, depois, de R$ 300. Além dela, uns dos irmãos, Pablo Sampaio, 20 anos, também recebeu o auxílio. Sua mãe, Sandra Fogassi Pereira, 44 anos, perdeu o emprego numa escola infantil ainda no começo da pandemia. Os outros dois irmãos que vivem na casa seguem trabalhando. Rafaela Sampaio, 25 anos, em uma lancheria, e o irmão Juan, 23 anos, como técnico em eletrônica.

– Atualmente, a minha mãe recebe a pensão por morte do meu pai, o que nos ajuda a pagar contas como água e luz. Os meus irmãos que estão trabalhando ajudam com comida. Eu e meu irmão que estamos em casa tentamos ajudar como dá. O auxílio faz falta, mas eu estou procurando, na verdade, desde março do ano passado – garante Brenda, que continua, falando das dificuldades que mães tem no mercado de trabalho:

– Largo muitos currículos, me cadastrei em sites de vagas e até mando currículos por e-mail. Cheguei a conseguir uma entrevista aqui no centro de Viamão. Mas, é bem complicado, as chances somem quando a gente diz que tem filho.

Família

Na casa de Marco Antônio Alves da Cruz, 57 anos e Lucinara Brites Alves, 47 anos, o movimento é sempre grande. Dos sete filhos do casal, cinco ainda vivem na casa. Marco é pensionista, Lucimara foi demitida no início da pandemia e recebeu seguro-desemprego. 

Dos filhos que vivem ali, somente um conseguiu o Auxílio Emergencial. Mas, a situação mais complicada é de uma sobrinha. Mesmo com a casa cheia, a família ainda recebe Andressa dos Santos Castro, 21 anos. Mãe solteira do pequeno Antony, dois anos, ela recebeu o Auxílio Emergencial até dezembro passado. Mas, com o fim do benefício, ficou sem condições de manter-se por conta própria, foi morar de favor na casa da tia. 

– A gente se ajuda como pode. Mas, se esse ano as coisas não melhorarem, se não tiver mais nenhum auxílio, a situação vai ser complicada – teme Lucinara.


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